Humildade, contato direto com o povo e recusa a mordomias; da saída de Roma, quando carregou sua própria bagagem nas escadas do avião do Vaticano, às primeiras horas de sua visita ao Brasil, papa Francisco pratica o que os políticos brasileiros jamais assimilaram; a elegância de sua simplicidade contrasta com a grosseria luxuosa dos costumes do poder nacional; "Bato delicadamente a esta porta, pedindo licença para entrar", disse ele diante das autoridades, no Palácio Guanabara, depois de receber nas ruas o carinho da população do Rio; aprendam com ele, senhores engravatados, ainda que já seja tarde!
247 – Assessores para carregar as próprias malas, carro blindado, hotel cinco estrelas, distância regulamentar da população. As contumazes mordomias e requisitos aos quais os políticos brasileiros estão acostumados foram, uma a uma, recusadas pelo papa Francisco na viagem iniciada na segunda-feira 22 ao Brasil. Agindo o mais próximo possível do que faria um cidadão comum em posição de destaque na sociedade, o argentino Jorge Mario Bergoglio, filho de pai ferroviário e mãe imigrante, mostrou que é possível ser o 266º papa da Igreja Católica, enfeixar todos os poderes que o cargo lhe empresta e, ainda assim, prezar os valores da humildade e da simplicidade, elevando-se.
Desde a subida no avião papal, em Roma, quando carregou sua própria bagagem de mão, à reação natural à confusão formada em torno do carro em que circulou pela Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio, na tarde deste segunda-feira, Francisco deu lições. Ainda no avião, fez questão de falar aos mais de 60 jornalistas que com ele viajaram, cumprimentando um a um em seguida, sempre com uma palavra diferenciada. Até fez piada com um vaticanista: "Como, você sabe, Deus é brasileiro, o papa tinha de ser argentino", divertiu-se, mostrando um relaxamento pessoal nunca visto entre os poderosos do país, quase sempre de cara amarrada e pouco afeitos a aproximações informais.
CRISE VIROU OPORTUNIDADE - Já em terra, depois da descida na Base Aérea do Galeão, o papa foi surpreendido por um congestionamento no trajeto do aeroporto à catedral. O que poderia ser uma crise tornou-se, para ele, uma oportunidade. Diant
e do assédio, o papa nem sequer fez menção de subir o vidro do carro sem luxo em que estava sentado no banco de trás, para proteger-se. Não se tratava de nenhuma limousine, não havia vidros escuros e o ar condicionado nem estava ligado. Todo de branco, apenas um com um crucifixo como adereço mais marcante, Francisco não se recusou, neste momento mais tenso, dado o show de improviso dos responsáveis por sua segurança, a distribuir seus sorrisos e aceitar a proximidade dos muitos que o queriam ver e tocar. Não ordenou nenhum tipo de fuga, não demonstrou medo do público. Simplesmente manteve-se onde estava, demonstrando, na prática, que não tem o que temer quem nada deve.
Em seguida, ao subir no papa-móvel, outra surpresa. A seu pedido, o veículo não tinha vidros blindados ou proteções laterais. Fora concebido para não apenas permitir ao papa ver e ser visto, mas também para que ele possa tocar e ser tocado pelo povo. Tanto assim que Francisco não se recusou a beijar mais de uma criança oferecida à benção pelos pais.
Fora das épocas de campanhas eleitorais, quando é mesmo que se vê os políticos brasileiros, em sua esmagadora maioria, cometerem 'temeridades' semelhantes? Nunca, é a resposta que todos têm na ponta da língua.
Ao se apresentar a uma platéia de autoridades, reunida no Palácio Guanabara, sede do governo estadual, o papa mostrou, mais esta vez, toda a sua polidez. "Bato delicadamente a esta porta, pedindo licença para entrar", disse ele, apresentando-se, numa elegante referência ao Brasil e "ao seu portal", o Rio de Janeiro. Não se conhecia, até então, em todo o cerimonial do poder nacional, frase semelhante de um convidado aos seus anfitriões. Mais uma lição, portanto, para modernizar, no melhor sentido, o ultrapassado repertório das cerimônias públicas brasileiras.
Os ensinamentos de Francisco são tão mais importantes porque ministrados no Rio de Janeiro do governador Sergio Cabral. Na contra-mão da humilde prática papal, Cabral acrescentou recentemente à sua conturbada biografia de poderoso o uso e abuso de helicópteros públicos, mantidos com verbas públicas, para carregar babás de seus filhos e até o cachorrinho Juquinha em voos da alegria Rio-Mangaratiba-Rio. Ou melhor, voos da vergonha.
Para repousar e passar as noites em que ficará no País, até a próxima sexta-feira, Francisco irá ocupar um quarto simples com banheiro na residência oficial do arcebispo do Rio, ao lado de outros cardeais, sem nenhuma distinção. Terá a mesma alimentação, obedecerá aos horários comuns. Como um homem comum, poderoso sim, mas um homem em sua plenitude, sem a necessidade de ter a mais ou de exibir ou desfrutar de diferenças sobre os demais. Aprendam com ele, senhores engravatados do poder nacional, ainda que já seja tarde.
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