quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O tiro pela culatra

Também do Blog Com Texto Livre.


O tiro disparado pelo general Maynard Marques de Santa Rosa contra a Comissão da Verdade saiu pela culatra: não atingiu o alvo e só vitimou o atirador inepto, que mirava alto e acabou acertando o próprio pé.
O noticiário desta 5ª feira (11) nos permite entender melhor o porquê da escolha deste momento para a provocação do militar linha dura -- ao qual, exatamente por suas trapalhadas, referi-me num texto anterior como o incrível general Brancaleone, fazendo blague com o filme clássico do diretor italiano Mario Monicelli, O Incrível Exército Brancaleone.
É que o Gen. Maynard está prestes a passar à reserva. Em data emblemática, o próximo dia 31 de março, ele vai concluir 12 anos de generalato e terá de trocar a farda pelo pijama.
Vai daí que ele vislumbrou a oportunidade para uma última bravata, depois de haver irritado seus superiores com as críticas à posição do governo no caso da reserva indigena Raposa/Serra do Sol; e a contestação da Estratégia Nacional de Defesa, bem como do novo organograma das Forças Armadas (motivo de uma primeira punição que havia sofrido, o afastamento do Ministério da Defesa).
Também pegaram mal suas acusações às Organizações Não Governamentais que atuam na Amazônia, imputando-lhes crimes que vão do tráfico de drogas e de armas até a espionagem.
Se, conforme os números que ele próprio apresentou, é de 100 mil o número dessas ONGs, vamos supor que 10 delas ajam com propósitos desvirtuados. Seriam 0,0001% as infratoras e 99,9999% as idôneas, sem nenhuma contradição com as afirmações do Gen. Maynard.
Ou seja, foi o tipo da acusação vaga e irresponsável, proferida apenas para atiçar os militares e a opinião pública contra as ONGs, além de constranger o Governo Federal e os estaduais (que estariam fechando os olhos a tais crimes).
Então, não por pertencer à extrema-direita ou por constar das listas de antigos torturadores, mas sim como encrenqueiro exibido, ele estava na alça de mira do ministro da Defesa.
Aí a Folha de S. Paulo informou que o Gen. Maynard redigira uma nota extremamente ofensiva à Comissão da Verdade e a seus integrantes -- a qual, na verdade, estava circulando na caserna há duas semanas e havia sido efusivamente reproduzida em sites militares e espaços virtuais da extrema-direita.
Era um desafio óbvio à autoridade do comandante supremo das Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável último pela instituição do colegiado a que o Gen. Maynard se referiu pejorativamente como Comissão da Calúnia.
É provável que o militar insubmisso almejasse mesmo ser enquadrado como infrator do Regulamento Disciplinar do Exército, o que implicaria a realização de um longo e controverso julgamento. Que melhor canto do cisne para ele do que tornar-se o símbolo (um Capitão Dreyfus às avessas...) em torno do qual se uniriam os reacionários e golpistas de sempre?
Nelson Jobim, entretanto, mostrou perspicácia, ao propor sua exoneração, imediatamente aceita pelo comandante do Exército e pelo presidente Lula.
Não se trata de um real castigo, pois o Gen. Maynard está, como a colunista Eliane Cantanhêde escreveu, "indo fazer nada no gabinete do comandante até 31 de março, quando cai na reserva".
Não houve prejuízo formal, sua pensão não será cortada ou reduzida, nada disso. Então, inexistem motivos fortes para outros militares solidarizarem-se a ele, salvo os que compartilham suas posições ultradireitistas.
E estes, eu já afirmei várias vezes, são em número bem menor do que os estritamente profissionais, que só querem cuidar de sua vida e de sua carreira.
Mas, a decisão superior foi anunciada de forma extremamente vexatória para o Brancaleone brasileiro. O comunicado à imprensa diz que o afastamento "foi motivado por declarações feitas pelo general, e disseminadas publicamente, contra a Comissão da Verdade, criada por decreto presidencial após negociação entre vários ministérios, e com participação do Ministério da Defesa".
Ou seja, recebeu um puxão de orelhas público e foi devolvido à sua nada épica condição de veterano em contagem regressiva para a aposentadoria.

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