quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

São Paulo e seu círculo de giz

Copiado do Blog UM SEM-MÍDIA.
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Saraiva

POLÍTICA - São Paulo e seu círculo de giz

Jornal do Brasil - Coisas da Política
Por Mauro Santayana

As notícias divulgadas e a análise de alguns jornalistas sobre a sucessão deixam, no leitor, a impressão de que o Brasil é refém do que se decidir em São Paulo. Assim, a disputa estaria entre o grande empresariado, que apoiaria Serra, e os trabalhadores que optariam por Dilma. O resto, como diria Ibrahim Sued, o astuto e bem pago louvador da grã-finagem deslumbrada, seria a periferia. A conclusão é apressada.

Nas especulações destas horas se fala na pressão dos partidos da base aliada do governo sobre Ciro Gomes, a fim de que ele se candidate a governador de São Paulo. Podemos dizer tudo sobre Ciro, mas seria estultícia imaginá-lo ingênuo. Desde a juventude, Ciro tem agido de acordo com os próprios objetivos e a sua forma de entender o Brasil e o mundo. Podemos discordar de suas ideias e de alguns de seus atos, mas é ocioso duvidar de sua inteligência. Essa inteligência, somada a fatores subjetivos mas legítimos (como a afinidade entre os coetâneos), levou-o a anunciar apoio à candidatura de Aécio Neves, em favor do qual desistiria de disputar a Presidência. Não tem por que, nesta altura, embarcar na aventura paulista. Ele sabe que, qualquer venha a ser o seu desempenho do primeiro turno, é melhor negociar a parceria, na segunda mão do jogo, com as cartas abertas, ou seja, com os votos obtidos que lhe permitam, provavelmente, decidir o pleito presidencial.

O quadro ainda não se encontra definido: as duas candidaturas, bem como a de Ciro, dependem das convenções partidárias, e elas costumam guardar surpresas. Como não podemos duvidar da inteligência de Ciro, seria de igual ingenuidade duvidar da inteligência de José Serra. Sua hesitação em assumir a candidatura à Presidência da República não se deve, como alguns apressados concluem, a um temperamento político bipolar. Ele não pode, ao aproximar-se dos 70 anos, correr o risco de ficar ao sereno durante quatro anos, pelo menos. Flores da Cunha, na irreverência da linguagem gauchesca, dizia que “político sem mandato é como rameira sem cama”. As últimas pesquisas – que tampouco podem ir além do momento em que se realizam – indicam que a candidata de Lula se encontra em ascensão e poderá cruzar-se com Serra em algum e próximo momento.

Enquanto isso ocorre, o resto do Brasil assiste, com perplexidade, ao que se passa em São Paulo. Os interesses federativos são desprezados pelos dirigentes paulistas dos dois grandes partidos. Não só dos dois: o PMDB também parece subordinado ao que a seção paulista resolver. Com a vocação de subalternidade que a acompanha desde a sucessão de Itamar, a direção executiva do partido renuncia a disputar a Presidência, mas terá, mais uma vez, que confrontar-se com uma dissidência. O governador Roberto Requião se empenha em levar à Convenção Nacional a sua postulação e, desta vez, com maior apoio do que teve Itamar em 1998, na tumultuada convenção em que baderneiros agrediram os delegados, sob os olhos complacentes do então – como hoje – presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer.

O mais grave é que tanto os interesses regionais quanto o interesse nacional como um todo estão sendo relegados ao segundo plano pelas conveniências de São Paulo. Com o maior respeito pela grandeza do grande estado e de sua capital, a metrópole do Piratininga não é a Roma da República e dos césares (apesar da divisa de suas armas, non ducor, duco). O Brasil é uma federação de estados de direitos iguais, na qual um cidadão dos sertões mais pobres é igual ao privilegiado morador dos jardins paulistanos. E em que todos os estados-membros dispõem de homens públicos honrados e preparados para o exercício da suprema magistratura da República.

Os partidos só pensam no marketing político e na “armação de palanques”, sobretudo os eletrônicos do horário eleitoral. Já era tempo de se discutirem as ideias e os problemas do Brasil e do mundo. As horas começam a exigir definições, sob o risco de que, por falta de debates que estimulem o eleitorado a pensar o Brasil, tenhamos a mais alta taxa de abstenções desde a redemocratização.

Os grandes interesses de São Paulo não podem confinar o Brasil dentro de seu próprio círculo de giz.

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