Emergentes em busca de mais poder
Reunidos em Brasília, líderes terão que mostrar mais compromisso com parcerias do que disposição para competir
Nações emergentes que evitaram a bancarrota global durante a crise econômica do ano passado discutem a partir de hoje, em Brasília, como ampliar o comércio entre si e os países desenvolvidos, de que modo podem conjugar progresso com responsabilidade ambiental e em que proporção os mais pobres serão beneficiados. Organizados em siglas que nos últimos tempos ganharam status de blocos, Brasil, Rússia, Índia e China (Bric) e Índia, Brasil e África do Sul (Ibas) acreditam que têm condições de impor um novo ritmo às relações internacionais. Ainda que os interesses não sejam os mesmos o tempo todo.
Os países que compõem o Bric e o Ibas têm na inigualável capacidade de consumir e de produzir seu principal trunfo. Até 2014, eles serão responsáveis por 61% do crescimento do mundo. Quando se veem obrigados a negociar com os blocos tradicionais, como a União Europeia (UE), e com potências como os Estados Unidos, os líderes dos emergentes fazem questão de mostrar a força que têm. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anfitrião do encontro e das reuniões paralelas que vão acontecer até amanhã no Palácio do Itamaraty, aposta em uma ordem mundial bem mais favorável nas próximas décadas.
Parte do otimismo de Lula repercute na maioria dos fóruns internacionais porque o cenário pós-recessão praticamente empurrou o mundo para discussões mais aprofundadas. Ricardo Sennes, cientista político e diretor da consultoria Prospectiva, explica que Bric e Ibas ganharam importância quase que de maneira inevitável. “Virou a moeda. Não dá para fazer nenhum acordo de equilíbrio sem esses países. Eles ganharam peso, sem dúvida. Houve uma mudança qualitativa”, completa.
Os emergentes se recuperaram antes de todos os demais que acabaram atingidos pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana. Isso aumentou o poder de barganha e elevou esses países à condição de locomotivas da recuperação econômica. Sem ter para quem vender ou de quem comprar, as nações ricas acabaram forçadas a inverter suas prioridades. Para Sennes, isso vai marcar as relações entre os países por muitos anos.
Ruídos
Mas nem só de convergências vivem o Bric e o Ibas. O primeiro ministro da Índia, Manmohan Singh, e os presidentes da Rússia, Dmitri Medvedev, da China, Hu Jintao, da África do Sul, Jacob Zuma, e Lula divergem profundamente sobre temas considerados vitais nas pretensões de qualquer país que deseja integrar um bloco econômico. Na raiz, essas nações estão mais dispostas a competir do que a colaborar. “O fato de todos terem ganhado peso relativo não significa que tenham uma agenda comum. Há desencontros, claro”, adverte Sennes.
A agenda financeira, por exemplo, opõe radicalmente brasileiros, russos e chineses. Temas relacionados à governança e ao meio ambiente também causam ruídos entre todos. Na questão agrícola, as diferenças são gritantes entre a China e o Brasil. O mesmo vale para assuntos ligados a armas, segurança nacional, políticas protecionistas e propostas de regulação do mercado financeiro e bancário. Dependendo das circunstâncias, tem sido cada vez mais comum Bric e Ibas se dissolverem e se associarem a países ricos rivais para pura e simplesmente preservarem seus próprios interesses.
Ainda que eventualmente em lados opostos, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, crê em avanços do Bric e do Ibas. Ontem, no Rio de Janeiro, ele previu ganhos recordes no comércio entre esses países. Segundo Amorim, a intenção não é criar uma “aristocracia dos emergentes”, mas dar voz aos mais pobres. De acordo com o especialista Ricardo Sennes, a união, mesmo que não seja sólida e frequente, está sendo útil. “Eles sinalizam para o mundo que são um bloco, ameaçam agir como um bloco. Como discurso geral, isso tem efeito importante. Mas o fato é que, na prática, o Bric e o Ibas são uma promessa de aliança política”, justifica.
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