sexta-feira, 30 de abril de 2010

O fio da história na ponta de nossos dedos

Deformações ideológicas não se acabam do dia para a noite.
Vivemos, mais de uma década, sob a ditadura do pensamento único, do “politicamente correto”.
A paixão política passou a ser um “defeito”, aliás quase todas as paixões passaram a ser um defeito, um “fanatismo”.
Claro que não se está louvando aqui a irracionalidade, o sectarismo, a imbecilidade.
Mas a história humana é feita de paixão.
Ou será que não foi preciso paixão para os homens que deram a vida nas barricadas da Revolução Francesa, para que aquele país e o mundo pudessem gritar “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”?
Faltou paixão, aqui, aos Henriques Dias, negros, aos Felipes Camarão, índios, para lutarem em Guararapes ao lado do português João Fernandes, fundando o sentimento nacional?
Ou a Tiradentes, para enfrentar o cadafalso? A Getúlio, para a bala no coração?
O neoliberalismo pretendeu reduzir o desejo humano a um “negócio”, material ou sentimental, que deve trazer vantagens. Era a “lei de mercado” transposta para a existência do ser humano. Um verso de uma música dos Titãs, fora do contexto, servia de “hino” desta anulação da paixão: “eu só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”.
A história das lutas sociais, das lutas que ao longo de milhares de anos, homens e mulheres de todas as partes do globo terrestre fizeram em busca da liberdade, da justiça, da dignidade, não importava muito. Era tempo perdido. Era o passado, e o passado, passou. Era “o fim da história” que o tal Francis Fukuyama, aquele historiador a quem a história já quase esqueceu, proclamava, sob o aplauso dos medíocres.
Virou algo “arcaico”, “jurássico”, anacrônico ter paixão pelo Brasil e pelo povo brasileiro.
Importante era ser certinho, arrumadinho, “preparadinho” e fazer “o dever de casa” direitinho, como os nossos comentaristas políticos e econômicos pregavam nos jornais e na televisão. Nenhuma atenção era dada a que este “dever de casa” vinha de professores de fora, que queriam ensinar-nos a ser como convinha a eles, não a nós mesmos.
Mas a história não acabou.
A realidade, o processo social, retornou, com suas voltas caprichosas e tantas vezes incríveis, o fio desta história.
Lula, o sindicalista que surgiu condenando Vargas, virou o estadista que repetiu seu gesto de banhar de petróleo sua mão e, mais ainda, praticou uma política de composição, tolerância e alianças como a do velho Getúlio, a quem chamavam de “pai dos pobres e mãe dos ricos”. Embora os pobres tenham ganho muito no Governo Lula, a verdade é que os ricos não perderam, não é? Está aí o lucro dos bancos que não nos deixa enganados.
Apesar disso, porém, como a Getúlio, a Jango, a Brizola, os ricos o odeiam. Odeiam não apenas porque ele vem da pobreza. Odeiam porque ele não a abandonou, não lhe virou as costas. As elites brasileiras só admitem a entrada dos pobres nos seus salões se for para servir-lhes obsequiosamente, como mucamas ou garçons.
A história seguiu, e o povo brasileiro viu, com Lula, que podia dirigir seu país. Viu mais: que este país, invadido economicamente, culturalmente e polticamente pelos “monitores” daqueles professores que lhe cobravam, ferozes, “o dever de casa” , não precisava ser como lhe diziam que deveria ser.
Eu vejo com tristeza muitos homens e mulheres das gerações mais velhas tornarem-se tíbios, medrosos, a encherem de vírgulas e concessões o que dizem, para deixar aceitáveis pela ditadura da mídia a verdade que já não sabem dizer de forma aguda e cortante.
Falta-lhes já a pureza e a sinceridade do menino que, na praça cheia, rasgou o véu do temor e da conivência gritando que o rei estava nu.
Com mais tristeza ainda vejo outros, que eram jovens abandeirados de paixões e amor a este povo se converterem em instrumentos de seus algozes, com a pífia desculpa de que os tempos são outros, quase a dizer que aquele mundo de opressão e dominação acabou. Talvez tenha acabado, sim, mas só para eles, não para as imensas massas humanas a que um dia disseram servir.
Não são todos, talvez não sejam sequer muitos, mas foi a eles que o sistema deu luz e notoriedade e fez aos outros temer não serem aceitos, acolhidos, amados, porque teimavam em ser, mesmo que por dentro e silenciosamente, o que eram.
Que lindas as supresas da história, porém.
Dos frangalhos de Brasil que a ditadura e, depois, a mediocriade e o entreguismo dos governos neoliberais nos deixaram, rebrotamos, como nos versos de Neruda sobre a Espanha destruída pela barbárie franquista:
“mas de cada buraco da Espanha, sai Espanha, e de cada criança morta nasce um fuzil com olhos”.
Pois correndo o risco de parecer primário, poderíamos dizer que sai agora um fuzil com teclas. Esta nova “arma”, a internet, foi posta à prova, nestas semanas, em rápidas escaramuças: o clipe serrista da Globo e as manipulações difamatórias dos tucanos. Os tanques pesados da grande mídia continuam rolando, potentíssimos. Mas nós já podemos fustigá-los e fazer recuar.
Nós, os que estamos ainda no começo da caminhada, que temos o coração em chamas pelo Brasil, precisamos muito dos corações que nunca deixaram esta brasa apaixonada se apagar. Precisamos de sua sabedoria e de sua coragem, que certamente é maior que a nossa, pois já passou por batalhas mais longas e mais duras.
Somos soldados deste combate pelo povo brasileiro. Precisamos de comandantes que nos ajudem a lutar e vencer. A paixão e o amor não nos faltam.
Então, quem sabe, juntos, poderemos soprar as brasas que se reduziram pela descrença, pelas decepções, pelas derrotas e, finalmente, em nome de milhões de nossos irmãos que nada têm de rico, senão a esperança, em nome de um país que não quer mais viver na barbárie de uma condição colonial, possamos enfim dar ao Brasil o destino próprio que uma nação e um povo como o nosso merecem.

Um comentário:

Pedro Jacintho disse...

BRIZOLA NETO, que texto fantástico, mas com certeza não é para O FANTÁSTICO. Ao ler estas palavras fico imaginando como seria fácil para os VERDADEIROS ganhar num enfrentamento eleitoral com os sínicos e falsos. Podem alguém perguntar, isto não é uma questão ideológica? Não, pois se observarmos atentamente a política no BRASIL nos últimos anos tem de num lado a mentira a ironia e a omissão da grande mídia e até a complacência dela de fazer deste "estado de coisa" em verdade, de outro lado, pessoas com ideais mais nítidos em contrapor com aqueles no sentido de buscar reais mudanças para o povo brasileiro. A história nos prova isto. Todas as vezes que governantes na iminência de produzir o diferencial na política em favor de povo, o BRASIL teve o curso natural de sua história interrompido, é como se a democracia tivesse um apogeu, e como todo apogeu seu declínio, mas sabemos que tal apogeu é a liberdade e a força do voto consciente que é certamente de depositá-lo na urna dos VERDADEIROS. Posso citar momentos decisivos de nossa história que nos impediram de seguir em frente: Vargas em 54, João Goulart em 64 e até mesmo na eleição de Collor e FHC com a Fraude da mentira Midiática com sua opção velada por aqueles, os representantes do “estado de coisa”. Se a grande mídia fosse imparcial DILMA seria eleita no primeiro turno, mas talvez com muito trabalho e afinco nós compensemos esta dificuldade e possamos ganhar ainda assim, pois acredito que o povo já está esperto com a farsa midiática. Saudações!