terça-feira, 27 de abril de 2010
"Conceito é antigo, mas Bolsa Família é criação do presidente Lula", diz ex-ministro de Desenvolvimento Social em entrevista ao iG
Marcelo Diego e Nara Alves, iG São Paulo
Um dos pré-candidatos do PT ao governo de Minas Gerais, Patrus Ananias deixou o governo Lula depois de seis anos à frente da pasta de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Em entrevista ao iG, o ex-ministro defende que o programa Bolsa Família é uma criação do governo Lula, ao contrário do que pregam os tucanos. Ele admite, no entanto, que o conceito não é novo. “Se formos investigar as origens dos conceitos de programas de transferência de renda chegaremos ao século 18, quando pensadores liberais já discutiam propostas de renda mínima”, diz.
No discurso no lançamento da candidatura de José Serra à presidência pelo PSDB, o ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, advogou a maternidade do programa para a ex-primeira dama Ruth Cardoso, que teria desenvolvido o esboço dos projetos de transferência de renda ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. A discussão sobre a criação do Bolsa Família deve pautar tanto a campanha de Serra como a de Dilma Rousseff, pré-candidata petista à presidência, que ressalta ter participado da decisão de todos os reajustes do programa quando era ministra-chefe da Casa Civil.
Para Patrus Ananias, os programas sociais do governo FHC eram “dispersos e fragmentados” e o Cadastro Único, além do aumento no orçamento, foram essenciais para a criação do Bolsa Família como política pública. O ex-ministro reforça, ainda, que o programa não é uma política de educação, e que a qualificação profissional é, ou deveria ser, a “porta de saída” para que beneficiários possam prescindir da ajuda financeira do governo.
Foto: Agência Estado
Patrus: programas sociais do governo FHC eram "dispersos e fragmentados"
Leia abaixo a entrevista concedida por Patrus Ananias por email:
iG - O Bolsa Família é uma criação do governo Lula ou a oposição pode ter alguma razão quando diz que se trata de uma unificação de uma série de programas sociais que já existiam na gestão FHC?
Patrus Ananias - O Bolsa Família foi criado no governo do presidente Lula, por meio de decreto presidencial em outubro de 2003, transformado em Lei 10.836/2004, e regulamentado pelo decreto 5.209/2004. É um programa que atinge 12,5 milhões de famílias e está estruturado numa ampla rede nacional de proteção e promoção social, articulando-se com programas do Sistema Único de Assistência social (SUAS) e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).
Os programas que existiam no governo anterior eram dispersos e fragmentados e não se organizavam em torno do Cadastro Único, como temos agora. O Bolsa Família institui um modelo mais vigoroso de transferência de renda, fundamentado no Cadastro Único e na integração das políticas. Integra uma concepção de valorização de políticas sociais, como podemos perceber pelos próprios números. O orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome deste ano é de R$ 38,9 bilhões e, em 2002, o orçamento total dos programas das áreas que hoje estão sob a competência da pasta não passava de R$ 7,2 bilhões. Se formos investigar as origens dos conceitos de programas de transferência de renda chegaremos ao século 18, quando pensadores liberais já discutiam propostas de renda mínima. Certo que essas políticas só ganham força no início do século 20. Na história brasileira, em um corte histórico bem mais recente, a orientação para políticas de assistência social é incorporada na Constituição de 1988 e as primeiras experiências de renda mínima começam a ser adotadas em esferas municipais e regionais nos anos 1990. Na sequência, são adotadas pelo governo federal, mas de maneira dispersa e fragmentada, sem uma orientação de política pública como a que foi construída com o Bolsa Família criado em 2003.
iG - Críticos do programa dizem que o Bolsa Família não criou uma porta de saída sustentável. Há a velha cantilena de que ele dá o peixe e não ensina a pescar. Como o senhor responde a estas críticas?
Patrus Ananias - Costumo dizer que quem coloca nestes termos, “ou” dar o peixe “ou ensinar a pescar, não faz nenhuma coisa nem outra. Ganhamos mais com a conjuntiva “e”. Ensinar a pescar não nos impede de cumprir com o nosso dever de dar o peixe a quem está com fome. A pessoa com fome não vai aprender a pescar. É isso que o Bolsa Família faz. A demanda por uma “porta de saída” não pode significar pressa para tirar as pessoas de um programa. É necessário que o programa, assim como faz o Bolsa Família, se estruture de modo que consolide a entrada dos beneficiários a direitos elementares de cidadania. E esses direitos, dentro de um processo bem planejado, deve conduzir à emancipação das pessoas. É bom observar também que o Bolsa Família é um programa estruturante em si mesmo. Garante direito fundamental, que é constitucional, que é o direito à alimentação. E, se exige condicionalidades, ele dá o apoio necessário para que as famílias tenham como cumprir essas condições. Claro que a questão do trabalho é fundamental. É um direito de todo cidadão e uma necessidade da sociedade. Atentos a essa dimensão, o governo federal tem investido nos programas de inclusão produtiva, nos programas de capacitação profissional, como o Primeiro Passo e o Plano Setorial de Qualificação Profissional (Planseq).
iG - O programa, de qualquer forma, é reconhecido pela oposição, que prega sua manutenção e ampliação. Recentemente, um senador de oposição inclusive conseguiu aprovação de um projeto que prevê pagamento maior ao estudante que conseguir melhores notas na escola. O que o senhor acha deste projeto?
Patrus Ananias - A proposta da oposição revela um pouco a dimensão republicana do programa. Aprovamos projetos importantes para as políticas sociais com apoio da oposição. O próprio senador Tasso Jereissati participou disso. Temos uma boa relação. Mas há alguns equívocos no projeto, pois não houve discussão prévia com a equipe do ministério, com governos estaduais e nem com governos municipais para discutir um desenho do programa, que é bastante definido. O Bolsa Família tem foco na família e transferência de renda. A condicionalidade escolar é muito importante, mas não é o único aspecto do programa. Outro problema é que o projeto não especificou a origem dos recursos necessários para sua implementação. O Bolsa Família tem um impacto importante na educação, na medida em que está ajudando a garantir maior permanência dos mais pobres na escola. Mas não vai resolver os problemas da educação. A melhora no desempenho escolar passa, obrigatoriamente, por um programa de qualificação do ensino público, como vem sendo feito pelo governo federal por meio de projetos importantes, ampliando investimentos na educação básica pro meio do Fundeb, por exemplo, dentre outras ações.
iG - Outra crítica ao Bolsa Família é que ele não veio acompanhado de um aparelhamento mais cuidadoso do sistema educacional. Ou seja, uma das premissas do recebimento é que os alunos deveriam ficar na escola, mas essa escola não teria atrativos suficientes para manter o aluno em seus bancos. Houve uma falha neste quesito?
Patrus Ananias - Essa questão pede alguns esclarecimentos. Primeiro, é necessário ter clareza das naturezas das políticas públicas. Estão relacionadas e assim desejamos que se organizem cada vez mais. Mas as áreas têm competências específicas. O Bolsa Família se articula com a educação, da mesma maneira que se articula com a saúde, com o combate ao trabalho infantil e também com qualificação profissional e processos de inclusão produtiva. Mas não é uma política de educação. Independente disso, a segunda questão que tem de ser posta é que o governo federal tem feito, sim, investimentos significativos na educação. Por exemplo: o governo substituiu o antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O propósito foi ampliar o atendimento da educação, incluindo da creche ao ensino médio e aumentar os recursos. O Fundeb aumenta em dez vezes os recursos federais aplicados na área. Essa política é acompanhada por ações de valorização e qualificação da educação, de processo de avaliação constante. Mas não podemos nos esquecer que este trabalho é um processo longo, pois nossa dívida social é muito grande. O processo está em discussão e sabemos que os desafios ainda são grandes e estou convencido que o Brasil precisa de uma ação enérgica na educação infantil. Precisamos fazer nesta área o que fizemos no combate à fome e universalizar a educação infantil de qualidade, que acompanhe a criança desde o nascimento, com escolas bem equipadas e professores e funcionários valorizados, reforçando essa estrutura principalmente nas áreas mais pobres.
Marcelo Diego e Nara Alves, iG São Paulo
Um dos pré-candidatos do PT ao governo de Minas Gerais, Patrus Ananias deixou o governo Lula depois de seis anos à frente da pasta de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Em entrevista ao iG, o ex-ministro defende que o programa Bolsa Família é uma criação do governo Lula, ao contrário do que pregam os tucanos. Ele admite, no entanto, que o conceito não é novo. “Se formos investigar as origens dos conceitos de programas de transferência de renda chegaremos ao século 18, quando pensadores liberais já discutiam propostas de renda mínima”, diz.
No discurso no lançamento da candidatura de José Serra à presidência pelo PSDB, o ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, advogou a maternidade do programa para a ex-primeira dama Ruth Cardoso, que teria desenvolvido o esboço dos projetos de transferência de renda ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. A discussão sobre a criação do Bolsa Família deve pautar tanto a campanha de Serra como a de Dilma Rousseff, pré-candidata petista à presidência, que ressalta ter participado da decisão de todos os reajustes do programa quando era ministra-chefe da Casa Civil.
Para Patrus Ananias, os programas sociais do governo FHC eram “dispersos e fragmentados” e o Cadastro Único, além do aumento no orçamento, foram essenciais para a criação do Bolsa Família como política pública. O ex-ministro reforça, ainda, que o programa não é uma política de educação, e que a qualificação profissional é, ou deveria ser, a “porta de saída” para que beneficiários possam prescindir da ajuda financeira do governo.
Foto: Agência Estado
Patrus: programas sociais do governo FHC eram "dispersos e fragmentados"
Leia abaixo a entrevista concedida por Patrus Ananias por email:
iG - O Bolsa Família é uma criação do governo Lula ou a oposição pode ter alguma razão quando diz que se trata de uma unificação de uma série de programas sociais que já existiam na gestão FHC?
Patrus Ananias - O Bolsa Família foi criado no governo do presidente Lula, por meio de decreto presidencial em outubro de 2003, transformado em Lei 10.836/2004, e regulamentado pelo decreto 5.209/2004. É um programa que atinge 12,5 milhões de famílias e está estruturado numa ampla rede nacional de proteção e promoção social, articulando-se com programas do Sistema Único de Assistência social (SUAS) e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).
Os programas que existiam no governo anterior eram dispersos e fragmentados e não se organizavam em torno do Cadastro Único, como temos agora. O Bolsa Família institui um modelo mais vigoroso de transferência de renda, fundamentado no Cadastro Único e na integração das políticas. Integra uma concepção de valorização de políticas sociais, como podemos perceber pelos próprios números. O orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome deste ano é de R$ 38,9 bilhões e, em 2002, o orçamento total dos programas das áreas que hoje estão sob a competência da pasta não passava de R$ 7,2 bilhões. Se formos investigar as origens dos conceitos de programas de transferência de renda chegaremos ao século 18, quando pensadores liberais já discutiam propostas de renda mínima. Certo que essas políticas só ganham força no início do século 20. Na história brasileira, em um corte histórico bem mais recente, a orientação para políticas de assistência social é incorporada na Constituição de 1988 e as primeiras experiências de renda mínima começam a ser adotadas em esferas municipais e regionais nos anos 1990. Na sequência, são adotadas pelo governo federal, mas de maneira dispersa e fragmentada, sem uma orientação de política pública como a que foi construída com o Bolsa Família criado em 2003.
iG - Críticos do programa dizem que o Bolsa Família não criou uma porta de saída sustentável. Há a velha cantilena de que ele dá o peixe e não ensina a pescar. Como o senhor responde a estas críticas?
Patrus Ananias - Costumo dizer que quem coloca nestes termos, “ou” dar o peixe “ou ensinar a pescar, não faz nenhuma coisa nem outra. Ganhamos mais com a conjuntiva “e”. Ensinar a pescar não nos impede de cumprir com o nosso dever de dar o peixe a quem está com fome. A pessoa com fome não vai aprender a pescar. É isso que o Bolsa Família faz. A demanda por uma “porta de saída” não pode significar pressa para tirar as pessoas de um programa. É necessário que o programa, assim como faz o Bolsa Família, se estruture de modo que consolide a entrada dos beneficiários a direitos elementares de cidadania. E esses direitos, dentro de um processo bem planejado, deve conduzir à emancipação das pessoas. É bom observar também que o Bolsa Família é um programa estruturante em si mesmo. Garante direito fundamental, que é constitucional, que é o direito à alimentação. E, se exige condicionalidades, ele dá o apoio necessário para que as famílias tenham como cumprir essas condições. Claro que a questão do trabalho é fundamental. É um direito de todo cidadão e uma necessidade da sociedade. Atentos a essa dimensão, o governo federal tem investido nos programas de inclusão produtiva, nos programas de capacitação profissional, como o Primeiro Passo e o Plano Setorial de Qualificação Profissional (Planseq).
iG - O programa, de qualquer forma, é reconhecido pela oposição, que prega sua manutenção e ampliação. Recentemente, um senador de oposição inclusive conseguiu aprovação de um projeto que prevê pagamento maior ao estudante que conseguir melhores notas na escola. O que o senhor acha deste projeto?
Patrus Ananias - A proposta da oposição revela um pouco a dimensão republicana do programa. Aprovamos projetos importantes para as políticas sociais com apoio da oposição. O próprio senador Tasso Jereissati participou disso. Temos uma boa relação. Mas há alguns equívocos no projeto, pois não houve discussão prévia com a equipe do ministério, com governos estaduais e nem com governos municipais para discutir um desenho do programa, que é bastante definido. O Bolsa Família tem foco na família e transferência de renda. A condicionalidade escolar é muito importante, mas não é o único aspecto do programa. Outro problema é que o projeto não especificou a origem dos recursos necessários para sua implementação. O Bolsa Família tem um impacto importante na educação, na medida em que está ajudando a garantir maior permanência dos mais pobres na escola. Mas não vai resolver os problemas da educação. A melhora no desempenho escolar passa, obrigatoriamente, por um programa de qualificação do ensino público, como vem sendo feito pelo governo federal por meio de projetos importantes, ampliando investimentos na educação básica pro meio do Fundeb, por exemplo, dentre outras ações.
iG - Outra crítica ao Bolsa Família é que ele não veio acompanhado de um aparelhamento mais cuidadoso do sistema educacional. Ou seja, uma das premissas do recebimento é que os alunos deveriam ficar na escola, mas essa escola não teria atrativos suficientes para manter o aluno em seus bancos. Houve uma falha neste quesito?
Patrus Ananias - Essa questão pede alguns esclarecimentos. Primeiro, é necessário ter clareza das naturezas das políticas públicas. Estão relacionadas e assim desejamos que se organizem cada vez mais. Mas as áreas têm competências específicas. O Bolsa Família se articula com a educação, da mesma maneira que se articula com a saúde, com o combate ao trabalho infantil e também com qualificação profissional e processos de inclusão produtiva. Mas não é uma política de educação. Independente disso, a segunda questão que tem de ser posta é que o governo federal tem feito, sim, investimentos significativos na educação. Por exemplo: o governo substituiu o antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O propósito foi ampliar o atendimento da educação, incluindo da creche ao ensino médio e aumentar os recursos. O Fundeb aumenta em dez vezes os recursos federais aplicados na área. Essa política é acompanhada por ações de valorização e qualificação da educação, de processo de avaliação constante. Mas não podemos nos esquecer que este trabalho é um processo longo, pois nossa dívida social é muito grande. O processo está em discussão e sabemos que os desafios ainda são grandes e estou convencido que o Brasil precisa de uma ação enérgica na educação infantil. Precisamos fazer nesta área o que fizemos no combate à fome e universalizar a educação infantil de qualidade, que acompanhe a criança desde o nascimento, com escolas bem equipadas e professores e funcionários valorizados, reforçando essa estrutura principalmente nas áreas mais pobres.
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