Globo + Abril + Folha + Estadão = GAFE
Cachoeira e o desafio da mídia
Nesses tempos de Internet, redes sociais, e-mails, uma das questões mais
interessante é a tentativa de monitorar a notícia por parte de alguns
grandes veículos de mídia.
Refiro-me à cortina de silêncio imposta pelos quatro grandes grupos de
mídia – Folha, Estado, Abril e Globo - às revelações sobre as ligações
perigosas do Grupo Abril – da revista Veja – com o bicheiro Carlinhos
Cachoeira.
As provas estão em duas operações alentadas da Polícia Federal – a Las
Vegas e a Monte Carlo. Até agora vazaram relatórios parciais da Monte
Carlo, referentes apenas aos trechos em que aparece o senador Demóstenes
Torres. Ainda não foram divulgados dois relatórios alentados – ainda
sobre Demóstenes – nem as cerca de 200 gravações de conversas entre o
diretor da Veja em Brasília e Cachoeira e seus asseclas.
O que foi revelado neste final de semana já se constitui nos mais graves
indícios sobre irregularidades na mídia desde o envolvimento de outra
revista semanal com bicheiros de Mato Grosso, anos atrás. E está sendo
divulgado por portais na Internet, por blogs, por emissoras rivais do
grupo, vazando pelas redes sociais, pelo Twitter, Facebook em uma
escalada irreprimível.
Mostra, por exemplo, como Cachoeira utilizou a revista para chantagear o
governador do Distrito Federal, visando receber atrasados acertados no
governo José Roberto Arruda. Os diálogos são cristalinos. A organização
criminosa ordena bater no governador até que ceda.
Outro episódio foi o das denúncias contra o diretor do DNIT
(Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte). Percebe-se que
ele havia endurecido nos contratos com a Construtora Delta, parceira de
Cachoeira. Nos diálogos, Cachoeira diz ter passado informações para Veja
bater no dirigente para acabar com sua resistência.
Em 2005, Cachoeira foi preso. Seu reinado estava prestes a ruir. Sete
anos depois, até ser preso pela Operação Monte Carlo, transformara-se em
um dos mais influentes personagens da República, operando em
praticamente todos os escalões.
Para tanto, foi fundamental sua capacidade de plantar escândalos na Veja
e também sua parceria com Demóstenes Torres – erigido em mais influente
senador da oposição por obra e graça da revista.
Dado o grau de intimidade da revista com o contraventor, há anos Roberto
Civita sabia das ligações de Demóstenes com Cachoeira, assim como o uso
irrestrito que Cachoeira fazia de suas ligações com a revista para
achaques.
Nenhum poder ficou imune a essa aliança criminosa.
O STF (Supremo Tribunal Federal) se curvou ao terrorismo da revista,
denunciando uma suposta “república do grampo” – quando, pelos relatórios
da PF, fica-se sabendo que o verdadeiro porão do grampo estava na
própria ligação da revista com contraventores.
O ápice desse terrorismo foi a provável armação da revista com
Demóstenes, em torno do famoso “grampo sem áudio” – a armação da
conversa gravada entre Demóstenes e o Ministro Gilmar Mendes (ambos
amigos próximos) que ajudou a soterrar a Operação Satiagraha.
Outros poderes cederam à influência ou ao temor do alcance da revista.
O caso do Procurador Geral - 1
Nos diálogos, há conversas entre a quadrilha sugerindo bater no
Procurador Geral da República Roberto Gurgel para ele não ameaçar seus
integrantes. No senado, Demóstenes bateu duro. De repente, mudou de
direção e ajudou na aprovação da recondução de Gurgel ao cargo de
Procurador Geral. Coincidentemente, Gurgel não encaminhou ao STF pedido
de quebra de sigilo de Demóstenes, apanhado nas redes da Operação Las
Vegas.
O caso do Procurador Geral - 2
A assessoria do MPF atribuiu a relutância do Procurador ao fato de haver
outra operação em andamento, a Monte Carlo. Não teria pedido a quebra
de sigilo de Demóstenes, pela Las Vegas, para não prejudicar a Monte
Carlo. Na verdade, a quebra de sigilo teria permitido à Monte Carlo
avançar nas investigações. Agora se sabe que, nesse tempo todo,
Demóstenes ficou livre para continuar nos achaques aos órgãos públicos.
A autorregulação da mídia - 1
Em fins dos anos 90, houve grandes abusos na mídia, com denúncias
destruindo a vida de muitas pessoas, sem que o Poder Judiciário se
mostrasse eficaz contra os abusos. Na época, havia a possibilidade de
uma lei ser votada, assegurando direito de defesa aos atingidos. A
própria grande mídia aventou a possibilidade da autorregulação, órgão
similar ao Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária).
A autorregulação da mídia - 2
A maneira como se está restringindo o acesso da opinião pública aos
dados sobre a Abril enfraquece bastante a tese. Pior, o populismo
irrefreável do presidente do STF, Ministro Ayres Britto, influenciou
para acabar com a Lei de Imprensa e, com ela, os procedimentos visando
assegurar direito de resposta aos atingidos, deixando centenas de
pessoas sem acesso à reparação. Tudo isso ajudou a ampliar os exageros.
A autorregulação da mídia - 3
Na Inglaterra, publicações de Rupert Murdoch se aliaram a setores da
polícia para vazar informações sigilosas de inquérito e atentar contra o
direito à privacidade de centenas de cidadãos ingleses. A constatação
do Judiciário inglês foi o de que as ferramentas de autorregulação não
foram suficientes para impedir abusos. Em vista disso, está sendo criada
uma agência para garantir a defesa dos direitos dos cidadãos.
A autorregulação da mídia – 4
No caso da Abril, a aliança foi com o próprio crime organizado. Hoje em
dia há um fortalecimento da imprensa regional, da blogosfera, de
portais de notícia, que ajudam a quebrar cortinas de silêncio. Isso tudo
levará, dentro em breve, a uma discussão aprofundada sobre liberdade de
opinião – um direito sagrado, uma das maiores conquistas democráticas –
e as formas de impedir seu uso para atividades criminosas.
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