Wálter Fanganiello Maierovitch,
via Portal
Terra
A correta decisão do ministro Ricardo Lewandowski de liberar – para a Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito e o Conselho de Ética do Senado – todas as peças
da investigação policial sigilosa sobre o chamado caso Carlinhos Cachoeira resultou
em uma enxurrada de vazamentos à imprensa. As peças se referem às operações Vegas
– que apesar da gravidade dormiu no gabinete de Gurgel de 2009 a 2012 –, e Monte
Carlo.
Na essência, o sigilo é imposto no interesse da investigação. Um vazamento
– como sabem até os rábulas de porta de cadeia de periferia – pode prejudicar uma
apuração criminal. Por isso, e finda a investigação, o inquérito deveria, mas isso
não acontece no Brasil, ser levantado.
Entre nós, e infelizmente, o sigilo visa manter distante do conhecimento
público falcatruas apuradas por poderosos e potentes que gozam de foro privilegiado.
Por evidente, as increpações – contidas no inquérito policial e se objeto de ação
penal – ficam sujeitos à confirmação no devido processo legal, que tem na ampla
defesa a sua pedra angular e na presunção de não culpabilidade (não se confunde,
como já escrevi milhões de vezes, com a presunção de inocência, não acolhida na
Constituição brasileira) uma garantia fundamental.
Das várias interceptações telefônicas realizadas, uma chama a atenção em
especial. Ela mostra como a organização criminal de Carlinhos Cachoeira era tentacular,
como a Cosa Nostra, quer a siciliana, quer a siculo-norte-americana. Ambas têm o
polvo (la piovra) como símbolo.
De pronto, friso, que me refiro – sobre a atenção especial – ao teor da
interceptação publicada na coluna do Ilimar Franco do jornal O Globo e sobre a conversa entre Cachoeira
e o governador Marconi Perillo.
Antes da divulgação da peça, Perillo sustentava que apenas uma vez atendeu
Cachoeira e por ter ele pedido uma audiência. A revelação contida na supramencionada
coluna do Ilimar Franco mostra a mentira de Perillo. E basta atentar para a consideração
de Perillo para com Cachoeira, na conversa interceptada e que segue: “Parabéns.
Que Deus continue te abençoando aí, te dando saúde, sorte. Um grande abraço pra
você, viu”.
Não me refiro, ainda, à “cachaçada” relatada por Demóstenes, num jantar
entre ele, Cachoeira e Perillo, tudo conforme contado, ainda, na citada coluna do
Ilimar Franco e publicada na edição de O Globo.
Também não me refiro à gravação que revela mais uma das mil farsas do senador
Demóstenes Torres. O senador, quando divulgado o escândalo, sustentou que havia
conversado com Cachoeira para ajudar numa pendência entre o seu suplemento no Senado
e o bicheiro. Na coluna do Jorge Bastos Moreno, intitulada “Nhenhenhém” e publicada
em O Globo, está revelado que a companheira
e convivente de Cachoeira, Andressa Mendonça, era casada com Wilder Pedro de Morais,
ex-sócio de Cachoeira e suplemente do senador Demóstenes Torres. Como se percebe,
Demóstenes até aceitou, como suplemente de senador, pessoa da organização delinquencial
de Cachoeira.
O fato grave a chamar a atenção diz respeito ao litígio pouco digno, segundo
os dados revelados, entre o procurador geral da República, Roberto Gurgel, e o senador
Demóstenes.
Gurgel, como circulou por todo Ministério Público, teve a recondução no
cargo de procurador-geral da República cuidada por Antônio Palocci, então ministro-chefe
da Casa Civil. Quando estourou o escândalo Palocci, o procurador Gurgel, inusitadamente,
enviou-lhe um ofício para explicar as gravíssimas suspeitas que pesavam contra ele.
Palocci, que preferiu silenciar sobre os clientes de sua imobiliária (ele
tinha uma imobiliária que não cuidava de imóveis), respondeu que tinha feito fortuna
com assessoria dada em sua empresa e quando estava fora do governo. Gurgel, por
incrível que possa parecer, não requisitou inquérito apuratório e determinou o arquivamento
do escândalo Palocci.
Sobre essa conduta de Gurgel, o senador Torres, com o discurso correto e
apoio da sociedade civil que luta pela restauração da moralidade pública, criticou
o procurador geral da República (a escolha para a função é do presidente da República
pela nossa Constituição) com veemência.
Na interceptada conversa entre Cachoeira e Demóstenes, publicada no
jornal O Estado de S.Paulo, ficou clara
a verdadeira razão do protesto de Demóstenes contra Gurgel, do plenário do Senado:
“Se não der nele, ele [Gurgel] começa
a pegar a gente , entendeu?” (a interceptação é de 7 de julho de 2011).
Trocado em miúdos essa conversa entre Demóstenes e Cachoeira, fica patente
a pressão em razão de Gurgel estar com o inquérito Vegas, que apurou a atuação criminosa
de Cachoeira e já envolvia Demóstenes.
Não passou muito tempo para Demóstenes concordar, no Senado e expressamente,
com a recondução de Gurgel. E Gurgel, por coincidência ou não, ficou com o inquérito
Vegas em seu gabinete de 2009 a 2012. Só mexeu nele quando pressionado por cobrança
de parlamentares baseada na Operação Monte Carlo.
Gurgel informou, com relação a Demóstenes e envolvimento no esquema Cachoeira,
“que R$1 milhão foi depositado” na cona do senador. Gurgel fez a afirmação sem ainda
ter a movimentação da conta corrente de Demóstenes, que nega haver recebido.
Com a experiência que possui, Gurgel deveria esperar para verificar a movimentação
bancária de Demóstenes, pois, se não verdadeiro o mencionado, acaba por favorecer,
“encher a bola” o senador, ou melhor, de um farsante do tipo tartufo de Molière.
De boa cautela, até porque “embalou” e fez adormecer no seu gabinete o caso
Vegas, que Gurgel se desse por impedido e deixasse de atuar, com o caso sendo passado
ao seu substituto. Afinal, Gurgel atua como representante da sociedade civil e é,
pelo foro privilegiado de Demóstenes, o único que poderá propor ação penal pública
contra ele.
Nesse quadro de bas-fond do Irajá,
pontifica, também, o petista Humberto Costa, relator na Comissão de Ética no processo
por quebra de decoro parlamentar contra Demóstenes. Costa anunciou que não irá usar
dados de interceptações telefônicas colhidas na Operação Monte Carlo. Em outras
palavras, vai aliviar para o lado de Demóstenes, ou seja, se contentará, no relatório,
com fatos indecorosos menores, como o exuberante presente de casamento escolhido
pelo senador Demóstenes e pago e importado por Cachoeira.
Pano rápido. Viva o Brasil.
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