Atrasado para sessão de filme e
inconformado por ter que esperar, cliente dispara ofensas contra a
atendente. Entre outras coisas, diz que ela deveria estar na África,
cuidando de orangotangos
A
Polícia Civil investiga a denúncia de discriminação racial em um
shopping da Asa Norte, na tarde do último domingo. O acusado fugiu após
clientes e funcionários do estabelecimento chamarem seguranças do
centro comercial. Os agentes tentam identificar o suspeito por meio de
imagens do circuito interno e dos depoimentos das testemunhas. Até a
noite de ontem, no entanto, ele não havia sido encontrado.
A vítima é a atendente de cinema Marina Serafim dos Reis, 25 anos. De pele negra, ela trabalhava na bilheteria quando um homem de aproximadamente 40 anos começou a confusão na fila para compra dos tíquetes. Ele teria chegado atrasado à sessão e queria passar na frente dos demais. Os insultos começaram quando a funcionária disse que ele teria de esperar. “Ele disse que meu lugar não era ali, lidando com gente. Falou que eu deveria estar na África, cuidando de orangotangos ”. Indignados, clientes e funcionários acionaram a segurança, mas o homem conseguiu fugir. A 5ª Delegacia de Polícia (Área Central) investiga o caso.
O acusado chegou a comprar o ingresso para assistir ao filme Habemus Papam, mas não conseguiu chegar até a sala. Quando percebeu a reação dos demais espectadores na fila, caminhou rápido até as escadas rolantes. Vídeos gravados pela segurança interna do shopping mostram o momento em que o homem começou a correr pelo shopping na fuga. As testemunhas o chamavam de racista e pediam aos vigilantes que o detivessem. Mas ele correu até o carro. “Conseguimos ouvir os gritos e ainda tentamos segui-lo, mas ele conseguiu entrar no carro e fugir”, contou um segurança, que preferiu não se identificar.
A arquiteta Viviane Sobral, 50 anos, esperava na fila com o marido para ver o mesmo filme e afirma ter presenciado as ofensas. “Tinha duas mulheres na frente dele. Todos chegamos atrasados para a sessão das 15h e ele queria entrar primeiro. A menina (bilheteira) foi supereducada com ele. Enquanto esse homem a insultava, gritava, ela só balançava a cabeça”, contou. “Não acreditei no que vi. Achei que esse tipo de coisa não acontecia mais. Gritei pelos corredores para que os seguranças conseguissem pegá-lo. Afinal, ele cometeu um crime”, completou.
Humilhação
Abalada, Mariana disse nunca ter passado por algo parecido. “Fiquei muito nervosa, me senti humilhada. Nem tratei ele mal. Trabalho há três anos nesse ramo e nunca imaginei tal acontecimento. Nem consegui dormir à noite”, desabafou. A diretora do cinema, Anna Karina de Carvalho, também ficou indignada. Ela acompanhou a funcionária até a 5ª DP para registrar ocorrência. “Não podemos deixar casos como este impunes. Ela é uma ótima funcionária, sempre atendeu bem aos clientes. Não merecia ter passado por tal discriminação”, enfatizou.
Os relatos delas e de testemunhas levaram à abertura de inquérito. A delegada Thaisa Mayra Botelho, plantonista da 5ª DP, explicou que os xingamentos proferidos contra a moça se enquadram no crime de injúria racial. “A princípio, não vamos tratar como racismo, pois esse crime só ocorre quando a pessoa ofende toda uma raça. Neste caso, foi algo destinado apenas à jovem”, explicou.
De acordo com a descrição feita por testemunhas, o suspeito é professor universitário. Duas mulheres o viram correr pelo shopping e o reconheceram. “Pedimos as imagens do shopping e sabemos onde ele trabalha. O próximo passo é chamá-lo para depor”, completou a delegada. Após a investigação, o caso será encaminhado à Justiça. Se condenado, o homem pode ficar preso de um a três anos (veja O que diz a lei).
O que diz a lei
O crime de injúria racial está previsto no artigo 140 do Código Penal. O texto prevê pena de um a três anos de prisão e multa. Ele ocorre quando um indivíduo fere a honra com o uso de palavras depreciativas referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Já o crime de racismo está previsto na Lei nº 7.716/89 e ocorre quando a discriminação é dirigida a um determinado grupo ou coletividade.
A lei brasileira considera racismo um crime inafiançável. As penas estão previstas na Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Estão citados como crime: impedir a ascensão profissional de alguém com base na cor da pele, dificultar ou proibir o acesso a um estabelecimento comercial, vetar o ingresso em escola ou hotel, entre outras situações onde a discriminação é tido com base na cor da pele. A mesma legislação classifica como crime fabricar e distribuir material referente ao nazismo. As penas variam de um a cinco anos, além de pagamento de multa.
"Tinha duas mulheres na frente dele. Todos chegamos atrasados para a sessão das 15h
e ele queria entrar primeiro. A menina (bilheteira) foi supereducada com ele. Enquanto
esse homem a insultava, gritava, ela só balançava a cabeça”
Viviane Sobral, testemunha
Memória
2012
Após receber quase 70 mil denúncias, a Polícia Federal prendeu, em 22 de março, dois homens que planejavam um ataque a estudantes de ciências sociais da Universidade de Brasília (UnB). Por meio de um site, o ex-estudante da UnB Marcelo Valle Silveira Mello e o especialista em informática Emerson Eduardo Rodrigues postaram mensagens combinando o massacre. Marcelo Valle já havia sido condenado por racismo, em 2009. Ele mantinha uma página na internet na qual incitava a violência contra negros, homossexuais, mulheres, nordestinos e judeus, além pregar o abuso sexual contra menores.
2011
Em agosto, um morador de Brasília recebeu indenização em dinheiro por ter sido vítima de racismo. Um vizinho ofendeu-o com palavras e tentou atropelá-lo, motivado por ódio racial, e teve de pagar R$ 8 mil devido a essas atitudes. O homem negro precisou mudar de endereço, por conta da perseguição.
2004
A dona de uma pousada na Asa Sul foi acusada de racismo por recusar um grupo de negros em seu estabelecimento. Segundo denúncia feita por sete descendentes de escravos, moradores do quilombo de Vila Bela (MT), ela teria afirmado que os hóspedes sujariam os lençóis da pousada. O grupo veio a Brasília a convite do governo federal para conhecer projetos de valorização da raça negra. A dona da pousada escapou da prisão porque havia passado o prazo de 24 horas para o flagrante.
Em março do mesmo ano, um jantar de confraternização no Hotel Nacional acabou na delegacia. Seis mulheres, entre elas uma representante do governo de Moçambique, declararam ter sido vítimas de racismo. Garçons perguntaram várias vezes “quem iria pagar a conta”, deixando-as constrangidas. O incidente ocorreu justamente quando comemoravam o encerramento da Semana Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, organizada pelo governo brasileiro, com representantes de países africanos. Os envolvidos no atendimento foram indiciados por racismo.
» MANOELA ALCÂNTARA
Marina Serafim dos Reis, a vítima, diz que nunca enfrentou algo parecido: Fiquei muito nervosa, me senti humilhada. Nem tratei ele mal. |
A vítima é a atendente de cinema Marina Serafim dos Reis, 25 anos. De pele negra, ela trabalhava na bilheteria quando um homem de aproximadamente 40 anos começou a confusão na fila para compra dos tíquetes. Ele teria chegado atrasado à sessão e queria passar na frente dos demais. Os insultos começaram quando a funcionária disse que ele teria de esperar. “Ele disse que meu lugar não era ali, lidando com gente. Falou que eu deveria estar na África, cuidando de orangotangos ”. Indignados, clientes e funcionários acionaram a segurança, mas o homem conseguiu fugir. A 5ª Delegacia de Polícia (Área Central) investiga o caso.
O acusado chegou a comprar o ingresso para assistir ao filme Habemus Papam, mas não conseguiu chegar até a sala. Quando percebeu a reação dos demais espectadores na fila, caminhou rápido até as escadas rolantes. Vídeos gravados pela segurança interna do shopping mostram o momento em que o homem começou a correr pelo shopping na fuga. As testemunhas o chamavam de racista e pediam aos vigilantes que o detivessem. Mas ele correu até o carro. “Conseguimos ouvir os gritos e ainda tentamos segui-lo, mas ele conseguiu entrar no carro e fugir”, contou um segurança, que preferiu não se identificar.
A arquiteta Viviane Sobral, 50 anos, esperava na fila com o marido para ver o mesmo filme e afirma ter presenciado as ofensas. “Tinha duas mulheres na frente dele. Todos chegamos atrasados para a sessão das 15h e ele queria entrar primeiro. A menina (bilheteira) foi supereducada com ele. Enquanto esse homem a insultava, gritava, ela só balançava a cabeça”, contou. “Não acreditei no que vi. Achei que esse tipo de coisa não acontecia mais. Gritei pelos corredores para que os seguranças conseguissem pegá-lo. Afinal, ele cometeu um crime”, completou.
Humilhação
Abalada, Mariana disse nunca ter passado por algo parecido. “Fiquei muito nervosa, me senti humilhada. Nem tratei ele mal. Trabalho há três anos nesse ramo e nunca imaginei tal acontecimento. Nem consegui dormir à noite”, desabafou. A diretora do cinema, Anna Karina de Carvalho, também ficou indignada. Ela acompanhou a funcionária até a 5ª DP para registrar ocorrência. “Não podemos deixar casos como este impunes. Ela é uma ótima funcionária, sempre atendeu bem aos clientes. Não merecia ter passado por tal discriminação”, enfatizou.
Os relatos delas e de testemunhas levaram à abertura de inquérito. A delegada Thaisa Mayra Botelho, plantonista da 5ª DP, explicou que os xingamentos proferidos contra a moça se enquadram no crime de injúria racial. “A princípio, não vamos tratar como racismo, pois esse crime só ocorre quando a pessoa ofende toda uma raça. Neste caso, foi algo destinado apenas à jovem”, explicou.
De acordo com a descrição feita por testemunhas, o suspeito é professor universitário. Duas mulheres o viram correr pelo shopping e o reconheceram. “Pedimos as imagens do shopping e sabemos onde ele trabalha. O próximo passo é chamá-lo para depor”, completou a delegada. Após a investigação, o caso será encaminhado à Justiça. Se condenado, o homem pode ficar preso de um a três anos (veja O que diz a lei).
O que diz a lei
O crime de injúria racial está previsto no artigo 140 do Código Penal. O texto prevê pena de um a três anos de prisão e multa. Ele ocorre quando um indivíduo fere a honra com o uso de palavras depreciativas referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Já o crime de racismo está previsto na Lei nº 7.716/89 e ocorre quando a discriminação é dirigida a um determinado grupo ou coletividade.
A lei brasileira considera racismo um crime inafiançável. As penas estão previstas na Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Estão citados como crime: impedir a ascensão profissional de alguém com base na cor da pele, dificultar ou proibir o acesso a um estabelecimento comercial, vetar o ingresso em escola ou hotel, entre outras situações onde a discriminação é tido com base na cor da pele. A mesma legislação classifica como crime fabricar e distribuir material referente ao nazismo. As penas variam de um a cinco anos, além de pagamento de multa.
"Tinha duas mulheres na frente dele. Todos chegamos atrasados para a sessão das 15h
e ele queria entrar primeiro. A menina (bilheteira) foi supereducada com ele. Enquanto
esse homem a insultava, gritava, ela só balançava a cabeça”
Viviane Sobral, testemunha
Memória
2012
Após receber quase 70 mil denúncias, a Polícia Federal prendeu, em 22 de março, dois homens que planejavam um ataque a estudantes de ciências sociais da Universidade de Brasília (UnB). Por meio de um site, o ex-estudante da UnB Marcelo Valle Silveira Mello e o especialista em informática Emerson Eduardo Rodrigues postaram mensagens combinando o massacre. Marcelo Valle já havia sido condenado por racismo, em 2009. Ele mantinha uma página na internet na qual incitava a violência contra negros, homossexuais, mulheres, nordestinos e judeus, além pregar o abuso sexual contra menores.
2011
Em agosto, um morador de Brasília recebeu indenização em dinheiro por ter sido vítima de racismo. Um vizinho ofendeu-o com palavras e tentou atropelá-lo, motivado por ódio racial, e teve de pagar R$ 8 mil devido a essas atitudes. O homem negro precisou mudar de endereço, por conta da perseguição.
2004
A dona de uma pousada na Asa Sul foi acusada de racismo por recusar um grupo de negros em seu estabelecimento. Segundo denúncia feita por sete descendentes de escravos, moradores do quilombo de Vila Bela (MT), ela teria afirmado que os hóspedes sujariam os lençóis da pousada. O grupo veio a Brasília a convite do governo federal para conhecer projetos de valorização da raça negra. A dona da pousada escapou da prisão porque havia passado o prazo de 24 horas para o flagrante.
Em março do mesmo ano, um jantar de confraternização no Hotel Nacional acabou na delegacia. Seis mulheres, entre elas uma representante do governo de Moçambique, declararam ter sido vítimas de racismo. Garçons perguntaram várias vezes “quem iria pagar a conta”, deixando-as constrangidas. O incidente ocorreu justamente quando comemoravam o encerramento da Semana Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, organizada pelo governo brasileiro, com representantes de países africanos. Os envolvidos no atendimento foram indiciados por racismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário