A senhora Ângela Merkel, tenha disso consciência ou não, age de acordo
com a velha arrogância prussiana, ao convidar François Hollande a
visitar Berlim, no próximo dia 16 – logo depois de empossado. Foi quase
uma convocação. Ela deixou claro, ao cumprimentar o novo presidente, que
podem falar de tudo, menos do essencial: da “austeridade” orçamentária.
Austeridade, na visão germânica da política européia, significa seguir o
caminho percorrido até agora, com os bancos recebendo bilhões e bilhões
de euros, emitidos sem lastro, e os usando para as especulações de seu
interesse e para encalacrar ainda mais os países meridionais. Os bancos
receberam o dinheiro do Banco Central Europeu a 1% ao ano e os repassam,
ao estados em crise a juros de 6 a 9% ao ano. Um “spread” escorchante.
Se François Hollande, fatigado pela campanha e pelos festejos da
vitória, não estivesse desatento, poderia ter sugerido que o encontro se
fizesse em Bruxelas, sede da União Européia, e não em Berlim. Se ela
pretende discutir o desenvolvimento econômico continental, o lugar do
encontro não poderia ser outro que não Bruxelas, a menos que ela, em
gesto de boa diplomacia, houvesse proposto visitar Paris.
A senhora Merkel faz lembrar um de seus antecessores na Chancelaria do
Reich, que convocou a Munique os primeiros ministros da França
(Daladier), da Itália (Mussolini) e da Inglaterra (Chamberlain) a fim de
lhes impor sua vontade, a de apoderar-se de grande parte do território
tchecoslovaco. O fantasma de Hitler está sob o portal de Brandenburgo.
Hollande só conseguirá reaver-se do descuidado “oui”, que deve ter soado
aos ouvidos de Ângela Merkel como um obediente “jawohl!”, se – diante
da imposição alemã – se mantiver firme, em seu propósito de aliviar os
sacrifícios impostos aos trabalhadores europeus, com a chamada
“austeridade”. A Europa será devolvida aos seus cidadãos, ou continuará
dirigida e saqueada pelos banqueiros do Goldman Sachs e associados
menores, que hoje exercem o poder de fato no continente, e disso retiram
seu proveito.
Para os observadores desinformados e irônicos, o encontro – antes mesmo
que Hollande se sinta em seu gabinete presidencial – poderá ser
entendido como uma audiência para o recebimento de normas e instruções.
Atenas pode não ter a importância – e não tem – de Paris, mas é um símbolo do poder e da razão política bem mais antigo.
A derrota da coligação que se encontrava no governo (só se obtiveram as
cadeiras no parlamento, pela legislação que lhe assegurou 50 vagas a
mais do que os escrutínios), e a vitória da esquerda, eram esperadas.
Não se contava com a atrevida emersão do partido neonazista, sob o nome
inocente de “Aurora Dourada” e a suástica, redesenhada, como seu
símbolo. Começou bem, já com tropa de assalto formada, exigindo dos
jornalistas que se levantassem para receber o líder, e expulsando da
sala os que se recusaram ao “gesto de respeito” para com o novo palhaço,
louco e racista. Seu primeiro projeto é o de minar as fronteiras
gregas, a fim de impedir a entrada de estrangeiros.
Uma vez que a coligação que se encontrava no poder não conseguiu formar o
novo governo, caberá à esquerda faze-lo, e nas próximas 48 horas.
Espera-se que as lições européias dos anos 30 inspirem os democratas
gregos, e que eles estabeleçam uma aliança de centro, capaz de vencer as
pressões externas com habilidade, e reendereçar a economia do país
mediante o fortalecimento do Estado e uma política de desenvolvimento
social em busca do pleno emprego.
Hollande lembrou o new deal de Roosevelt em sua campanha. Foi bom que o
fizesse. Há oito décadas, em 1932, diante de uma recessão que alguns
consideram menor do que a de hoje, o Estado foi compelido, à esquerda e à
direita, a intervir diretamente na economia. Na Alemanha, a resposta
foi a do nazismo, com a eleição de Hitler; na Itália, a do Instituto de
Reconstrução Industrial – criado por Alberto Beneduce – que interveio
fortemente nas atividades produtivas, política mantida depois da vitória
aliada, até o neoliberalismo dos anos 80 e 90, que jogou a Europa na
crise atual.
Roosevelt conseguiu impor o seu programa de recuperação industrial, ao
encoleirar os banqueiros e intervir, sem vacilação, em todos os
aspectos da economia e da cultura de seu país, levando-o à vitória na
Segunda Guerra Mundial, que se celebra exatamente hoje. Hollande tem
razão: projeto semelhante ao de Roosevelt pode salvar a Europa.
É preciso impedir que o atrevimento do novo nazismo atinja, de igual
forma, a Itália, a Espanha e a Alemanha – como o de Hitler nos anos 30.
A França de Hollande deve resistir ao Diktat alemão, o que a França de
Pétain não foi capaz de fazer diante de Hitler.
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