Escrevi recentemente um artigo para o Global Voices
sobre o rapaz Paulo Sérgio, negro e pobre, humilhado em um programa da
Bandeirantes da Bahia por uma jornalista branca e obviamente
privilegiada, mas acredito que eu precise expressar minha opinião de
forma ainda mais clara. E o faço a seguir.
No vídeo, Paulo Sérgio chora, se desespera, enquanto é chamado de
estuprador - o que ele nega - mas, no fim, pouco importa. O desrespeito
da repórter - e do programa, da Bandeirantes e da falta de regulação da
mídia que o governo nega à sociedade - não é só ao rapaz, mas também à
suposta vítima de estupro, pois se tivesse efetivamente sido estuprada
estaria vendo o crime ser tratado como galhofa na TV.
Mesmo que um ladrão - e confesso, mesmo que sem julgamento - Paulo
Sérgio não merecia ser tratado da forma que foi. aos criminosos a lei, a
prisão, e não a humilhação pública sob a tese de que estaria "pagando"
pelo que fez. Ser humilahdo e ter a vida destruída em público não é
"pagamento", é tortura.
A jornalista, branca, bonita, com educação (em tese), não faz ideia, por
exemplo, de onde vem Paulo Sérgio, do que passou. Não que isto, em si,
desculpe atos criminosos, mas ao menos nos permite compreender parte
do problema. E a própria jornalista não é a única culpada, mas sim um
produto do jornalismo brasileiro atual, com felizes ecxeções, que busca
apenas o entretenimento e que é capaz de transformar até o estupro
(suposto) em uma forma de fazer rir.
Processo
O ministério Público da Bahia irá processar a jornalista... Mas só ela?
Ela é culpada, claro, mas não é a única. Não saiu só de sua cabeça a
ideia de humilhar o rapaz, mas este é o mote do programa da qual faz
parte, assim como de vários outros, e de sua rede de TV. Não partiu dela
unicamente a iniciativa de humilhar o rapaz, ou qualquer pessoa em
situação semelhante, mas é a regra deste tipo de programa, incentivado
por seus diretores e donos de TV.
Não faltam jornais que pingam sangue, com closes grotescos de vítimas -
inocentes ou não - que tratam o ser humano como lixo sem respeito por
sua dignidade e pelos direitos humanos. Na TV a mesma coisa.
Não adianta punir (apenas) a jornalista, reclamar do programa e dar um
tapinha na cabeça da Band a título de "não façam mais isso, ok?". É
preciso ir atrás da concessão da rede, realmente causar algum dano,
ameaçar de forma que haja uma mudança. Da forma como tudo acontece hoje,
a rede finge que reconehceu o erro e o repete na semana seguinte. E é
isto mesmo que acontecerá, já que a Band ameaça demitir a jornalista, mas não comenta sobre o nojo que é seu programa e dificilente mudará alguma coisa.
E não podemos nos esquecer da conivência de agentes do Estado -
policiais - e do governo da Bahia por permitir que um canal de TV entre
da forma como fazem em delegacias para humilhar presos, que estão sob a
tutela e responsabilidade do Estado.
Comédia versus jornalismo
Será que teremos no futuro repórteres fazendo paidas de desastreas
aéreos? Já temos o CQC, cujos comediantes se auto-declaram
"jornalistas", mas são repudiados por muitos dos verdadeiros
trabalhadores de jornais, rádios e TV's, pois não exercem a profissão
com ética e dignidade, mas transformando tudo numa grande piada. E,
infelizmente, os policialescos que pipocam pela TV fazem um serviço
semelhante, mas adicionando a degradação social no hall da comédia.
Trata-se de um jornalismo feito pela elite e para as elites, para que
estas possam rir da desgraça alheia, de onde não querem se aproximar.
Estereotipam a periferia, aplaudem a violência contra o pobre, contra o
negro, criminalizam as lutas e tem medo, pavor, de que haja uma reação
capaz de subverter essa realidade. É o serviço oficial da elite para
manter seus privilégios e manipular mesmo - ou especialmente - aqueles
"do andar de baixo" para que aceitem sua posição.
Oras, riam de sua desgraça e da de seus semelhantes. Mas façam isso em casa.
A Confecom aconteceu há anos, o Ministério das Comunicações não se moveu desde então e a farra continua.
Manipulação é a regra
Um jornalismo emancipatório, crítico, faria com que houvesse ação,
revolta, talvez até mudanças. Uma regulação da mídia, impondo a ética e
punindo coisas grotescas como programas policalescos onde as vítimas
são ridicularizadas tanto quanto os que as vitimam em um show de
horrores em busca de ibope, apavora os donos do poder, que perderiam
seu principal instrumento de doutrinamento e controle.
É interessante que na mesma semana em que surge este caso - apesar do
vídeo não ser exatamente novo - tenhamos (com seus respectivos limites
de comparação e tamanho, claro) por exemplo um jornalista da Globo
chamando de 'babaca" um jogador que se recusou a participar de um quadro
do principal dominical da rede. Ao fazer 3 gols, Herrera, do botafogo,
teria "direito" a pedir uma música no programa. E se recusou, dando a
entender que achava uma tolice.
E é de fato uma tolice. Em seu direito de se recusar a participar
involuntariamente de um programa de TV, Herrera despertou a ira daqueles
que tomam o jornalismo (seja o policial, o esportivo ou qualquer
outro) como simples entretenimento, até mesmo humor. Me recordo de
quando um jogador de futebol americano ao fazer 3 touchdowns pediu uma música
de uma banda de metal extremo em outro programa da mesma Globo, mas
editaram o vídeo fazendo aprecer que ele pedira o de uma cantora
qualquer, porque o metal, talvez, fosse demais para os ouvidos do pobre
telespectador e, afinal, a cantora era parte do cast era da gravadora
da... Globo!
A manipulação é clara, a falta de ética mais clara ainda.
É um exemplo que parece não ter relação, mas mostra como é fácil e comum
a manipulação da mídia, a falta de ética e como tudo fica impune,
apesar do governo ter noção do que acontece. Mas nada faz.
Em São Paulo, estamos no meio de uma greve do Metrô e trens e em todos
os jornais não ouvimos a voz ou não lemos a opinião de nenhum
metroviário, apenas do governador e de seus imediatos. Não há espaço
para as reividnicações dos trabalhadores, apenas para a criminalização
da greve através de frases como "São paulo está um caos" e afins. Esta é
a regra. A voz dos patrões frente o resto.
A mídia faz o que quer, como quer e nada a impede.
Não se trata, porém, apenas de regular a mídia, de impor limties éticos,
mas de se investir em educação, em cultura. Há quem consuma este lixo,
há uma retroalimentação. Esta que só pode mudar com conscientização,
com longo trabalho de ensinar direitos humanos, com educação de
qualidade e emancipatória e a intenção de mudar a sociedade.
Raphael Tsavkko GarciaNo Blog do Tsavkko - The Angry Brazilian
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