Em oututro de 2010, inconformada com a vitória de Dilma Rousseff na
eleição presidencial, a estudante paulista Mayara Petruso escreveu no
twitter: “Faça um favor a SP: afogue um nordestino!”
Julgada na semana passada, ela não foi enquadrada por crime de racismo,
que a levaria a passar um mínimo de dois anos e cinco de prisão. Ficou
com uma pena mais leve, de um ano e meio.Isso lhe permitiu trocar a
prisão por R$ 500 mais serviços comunitários. É o racismo por menos que
um salário mínimo.
Não sou daquelas pessoas que acham que penas mais duras são um santo
remédio para a discriminação, a violência, os desvios de comportamento e
outros males da vida contemporânea.
Muitas vezes, isso é apenas demagogia para impressionar o eleitor desavisado.
Mas essa sentença tem um problema conceitual. Admite trocar uma ofensa à
dignidade de milhões de brasileiros por um punhado de reais.
É uma estranha mensagem, vamos combinar.
Punir pessoas por crimes racistas é um ato tão difícil que o craque
Grafite, do São Paulo, que foi chamado e “macaco” e “negro de merda” num
jogo de futebol desistiu de levar o caso adiante, disse ele à repórter
Solange Azevedo. Seu agressor, um jogador argentino, chegou a ser detido
depois do jogo mas nada mais lhe aconteceu.
Muitas condenações até chegam até a Justiça, passam na primeira
instância mas um número acima de qualquer padrão acaba caindo na
segunda, informa uma reportagem da mesma Solange Azevedo.
Encarregado de apurar o caso de um garoto de seis anos expulso de uma
pizzaria do Paraíso, em São Paulo, o delegado do bairro admitiu, em
entrevista, que a lei oferece muitas portas e janelas para um agressor
escapar impunemente. A simples tipificação de racismo exige que se faça
uma ofensa de caráter coletivo.
É mais difícil demonstrar que isso aconteceu com o garoto da pizzaria.
Mas foi exatamente isso que fez a estudante que queria afogar
nordestinos. Mesmo assim, livrou-se de uma punição maior por R$ 500.
Menos que um fim de semana de férias em Porto Galinhas.
Ficou uma mensagem de tolerância com este crime, sutil mais real. Ao
noticiar a punição da estudante, os jornais omitiram um dado essencial
neste episódio. Um deles fez questão de lembrar que “os maiores índices
de votação de Dilma foram registrados no nordeste.”
É claro que ninguém diz que a arrependida estudante tinha razão em sua
reação destemperada mas o tratamento recebido abre caminho para outras
reflexões.
Quem vai negar que o desenvolvimento econômico dos últimos anos
privilegiou o nordeste? E quem vai negar que o governo Lula sempre foi
mais popular no Nordeste do que no Sul e Sudeste? Aliás: onde foi mesmo
que Lula nasceu? Quem vai negar que a eleição teve mesmo um caráter de
disputa regional?
Quem sabe, segue o raciocínio ilustrado, a nossa estudante tenha até
exagerado um pouco na linguagem mas será que não tocou num problema
real?
E aí se vê o absurdo do absurdo, o preconceito do preconceito.
Ao contrário do que sugere o twitter naufragado, a vitória de Dilma em
2010 bastante ampla. Ela ganhou com folga no Nordeste e no Norte mas
teria sido eleita mesmo sem os votos dessa região.
O país mudou e muita gente não percebeu.
Mayara não é a única que não entendeu nada. Muitas gente não enxerga as
mudanças e acha que é possível tratar brasileiros como cidadãos de
segunda classe. Essa é a lição política do episódio.
Paulo Moreira LeiteNo Vamos combinar
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