Audiência com Gilmar Mendes, no STF, intermediada por Marconi Perillo e Demóstenes Torres. Da esquerda para a direita: Perillo, Mendes, o deputado Carlos Leréia, o diretor-geral da SAMA Rubens Rela e Élio Martins, presidente do Grupo Eternit. Foto: Gervásio/SCO/STF |
2012: O império do amianto está ruindo, a olhos vistos.
Em 13 de fevereiro, a Justiça italiana anunciou a condenação dos
ex-proprietários da Eternit, o barão belga Jean-Louis de Cartier de
Marchienne e o magnata suíço Stephan Schmidheiny, a 16 anos de prisão e
ao pagamento de quase 100 milhões de euros.
Nem mesmo o informe publicitário publicado na ocasião pela Eternit do Brasil nos principais veículos de comunicação (CartaCapital foi a única a recusar o anúncio), negando qualquer relação com a empresa incriminada, diminuiu o amargor da derrota.
Agora, o lobby do amianto sofre novos reveses. Indiretamente, a
Operação Monte Carlo, da Polícia Federal (PF), atingiu em cheio o
império do amianto. Seus mais ilustres e ferrenhos defensores no meio
político brasileiro são acusados de envolvimento com os esquemas do
bicheiro Carlinhos Cachoeira.
São eles o senador Demóstenes Torres (DEM-GO, até 4 de abril), o
deputado federal Carlos Alberto Leréia (PDSB-GO) e o governador Marconi
Perillo (PSDB-GO). Os três integram a “bancada da crisotila”. São
parlamentares que, em troca de defender a fibra cancerígena no
parlamento, recebem apoio financeiro da indústria amiantífera em suas
campanhas. Crisotila, ou amianto branco, é o tipo existente e ainda
permitido no País.
A primeira baixa, aliás, já ocorreu. Demóstenes Torres deixou a
relatoria do projeto de lei 371/2011, do senador Eduardo Suplicy
(PT-SP), que “dispõe sobre a proibição da extração, da importação, do
transporte, do armazenamento e da industrialização do amianto”.
Outro revés: o Instituto Crisotila do Canadá anunciou oficialmente, em
28 de abril deste ano, o encerramento de suas atividades. Durante
quase três décadas, ele coordenou globalmente os esforços da indústria
do amianto para promover o chamado “uso controlado da crisotila”. Uma
tese enganosa de que a exploração do mineral, assim como a fabricação e a
utilização de produtos, contendo suas fibras, seriam inofensivos à
saúde humana. O instituto canadense foi copiado em todo o mundo. Aqui,
deu origem ao Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), sediado em
Goiânia.
“São dois golpes mortais, que prenunciam o fim da produção da fibra
assassina aqui”, observa a engenheira Fernanda Giannasi, auditora fiscal
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e coordenadora da Rede
Virtual-Cidadã para o Banimento do Amianto para a América Latina. “É
como diz o ditado popular ‘a Justiça tarda, mas não falha’.”
LOBBY PARLAMENTAR INTERMEDIA VISITA DE PRESIDENTE DA ETERNIT A GILMAR MENDES NO STF
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, anualmente, 107 mil
pessoas morrem em todo o mundo devido a doenças causadas pelo amianto ou
asbesto – um reconhecido cancerígeno para os seres humanos.
“Todo tipo de amianto — inclusive a crisotila — é comprovadamente
cancerígeno, e o seu uso controlado, uma ilusão total”, alerta o
pneumologista Hermano Albuquerque de Castro, professor da Escola
Nacional de Saúde Pública e pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do
Trabalhador e Ecologia Humana, da Fiocruz, no Rio de Janeiro. “No
máximo, as indústrias conseguem reduzir a exposição dentro das fábricas.
Não conseguem controlar depois que o produto sai e vai para o público.
Isso é impossível.”
Apesar de essa advertência ser feita há mais de duas décadas,
o governo brasileiro ignorou o problema. E mais. Nos últimos anos,
perdeu diversas oportunidades de proibir o uso do amianto no território
nacional.
Em boa parte devido ao poderoso lobby no Congresso Nacional, que sempre
agiu com presteza para atender os interesses da indústria amiantífera.
Demonstração emblemática dessa força aconteceu em setembro de 2008.
Havia indícios de que o Supremo Tribunal Federal (STF) iria julgar
celeremente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4066, que pede a
decretação da inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 9055/95; ela
trata do “uso seguro e responsável do amianto”.
“A Lei 9055 é inconstitucional em função da lesividade de todo tipo de
amianto à saúde humana”, diz o advogado Mauro Menezes, que, na ação,
representa a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a
Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) “Ela não se compatibiliza com uma questão maior que está garantida na nossa Constituição, que é o direito à saúde e à vida.”
Pois bem, à época, o então senador Marconi Perillo e o colega
Demóstenes Torres intermediaram encontro de representantes da Eternit
com o ministro Gilmar Mendes (naquele momento, presidente do STF) para
tratar do assunto.
Assim, no dia 30 de setembro de 2008, o presidente do Grupo Eternit,
Élio Martins, o diretor-geral da SAMA, Rubens Rela Filho, Perillo e o
deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB, GO) foram recebidos no STF
por Gilmar Mendes.
O Grupo Eternit é o maior produtor de amianto e de artefatos de
cimento-amianto do Brasil. A mineradora SAMA pertence a ele. É a
responsável pela mina de Cana Brava, a única ainda em exploração no
País; fica em Minaçu, norte de Goiás, a 500 quilômetros da capital
Goiânia.
Leréia, proveniente de Minaçu, foi um dos maiores beneficiados pelas
verbas da SAMA em sua campanha como deputado federal. Segundo matéria
publicada na revista CartaCapital, de junho de 2005, recebeu sozinho 300 mil reais da mineradora.
Na agenda de Gilmar Mendes para o dia 30 constava apenas: 17h30 –
Recebe em audiência os senadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Demóstenes
Torres (DEM-GO)
Sobre o encontro, o site do STF noticiou: “O senador goiano Marconi
Perillo (PSDB) esteve no início da noite desta terça-feira (30) com o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes,
para entregar documentos contra o banimento do amianto crisotila no
país. ‘Temos estudos científicos que foram preparados pelas principais
universidades brasileiras que nos tranquilizam em relação à utilização
do amianto sem qualquer mal à saúde’, afirmou.” Parêntese: o Viomundo
denunciou em várias reportagens a falta de isenção dos pesquisadores
de “tais estudos científicos”, financiados pelo próprio interessado em
tais resultados.
O site do STF prosseguiu: “Segundo o senador, o objetivo dos documentos
é ‘dar esclarecimentos e embasamento aos ministros do Supremo Tribunal
Federal em relação à matéria’”.
Curiosamente, o nome do presidente do grupo Eternit, presente ao encontro, não constou da matéria publicada no site do STF.
Tampouco o nome de Élio Martins apareceu nas legendas das fotos divulgadas sobre a reunião. Nem mesmo na que apareceu cumprimentando Gilmar Mendes. Mencionaram-se apenas os nomes dos parlamentares.
Da esquerda para a direita: Élio Martins, presidente do Grupo Eternit; Rubens Rela Filho, diretor-geral da SAMA; deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO); e ministro Gilmar Mendes, do STF, encobrindo o então senador Marconi Perillo (PSDB-GO). Foto: Gervásio/SCO/STF |
“Na prática, a Operação Monte Carlo acertou o core do lobby do
amianto no Brasil” reforça Fernanda Giannasi. “Da mesma forma, com
certeza, o fechamento do Instituto Crisotila do Canadá terá repercussões
no Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) e nos demais institutos
clones, que perdem seu mentor e grande financiador e apoiador.”
INSTITUTO DO CRISOTILA DO CANADÁ PROPAGANDEOU INFORMAÇÕES ENGANOSAS
O IBC (também chamado de Crisotila Brasil) foi criado à imagem e semelhança do Instituto Canadense do Crisotila (antes chamado Asbestos Institute).
Até no estilo de tentar silenciar os que denunciam os malefícios do
amianto e as ações do lobby pró-fibra cancerígena são muito parecidos.
O IBC recorreu à Justiça contra Fernanda Giannasi, o procurador Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues, do Ministério Público do Trabalho de Goiás (MPT-GO), que queria, entre outras ações, o fim das atividades do IBC, e o pneumologista, professor e pesquisador Hermano Albuquerque de Castro.
O Instituto Crisotila do Canadá teve o desplante de atuar fora de sua
jurisdição. Em abril de 2001, o seu diretor, Denis Hamel, mandou uma
carta ao então Ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, Francisco
Dornelles, pedindo para repreender e enquadrar a engenheira Fernanda
Giannasi. Não conseguiu o seu intento.
No documentário A morte lenta pelo amianto, Hamel justifica a
retaliação: “Ela [Fernanda Giannasi] dá declarações mentirosas,
exageradas, que prejudicam enormemente os esforços da indústria”.
Consequentemente, o fechamento das portas do Instituto Crisotila do
Canadá representa uma derrota importantíssima de um dos lobbies mais
eficientes na promoção de produtos tóxicos no mundo, só comparável ao do
tabaco. Não é à toa que é festejado globalmente.
“Essa é mais uma auspiciosa notícia, que nos anima a multiplicar
esforços para a concretização do banimento do amianto em nosso país, o
quanto antes”, afirma o advogado Mauro Menezes. “Afinal, a entidade que
tanto promoveu a falaciosa tese de que a crisotila seria inofensiva à
saúde humana, contava com apoio do governo canadense e coordenava um
poderoso lobby, modelo que inspirou a criação do Instituto Brasileiro do
Crisotila.”
“Sinaliza um passo importante para o fim da exploração e exportação do
amianto pelo Canadá”, saúda Linda Reinstein, presidente da Asbestos
Disease Awareness Organization (ADAO), ONG estadunidense que se dedica à
conscientização das doenças do amianto. “Simboliza um futuro promissor
para o esforço global de proteger a saúde pública.”
Para Pat Martin, membro do Parlamento canadense, ex-mineiro e crítico
de longa do data da indústria do amianto, o fechamento do Instituto do
Crisotila do Canadá é a sentença de morte da mineração do amianto
naquele país.
Kathleen Ruff, ativista canadense dos direitos humanos e pelo banimento
do amianto, fez questão de ir até o escritório do Instituto do
Crisotila para se certificar de que a informação era verdadeira. As
portas da sala 1.640 estavam fechadas; nem mensagem para deixar recado
na secretária eletrônica havia mais.
“O Instituto Crisotila pressionou o governo canadense para que ele
continuasse financiando-o como fez durante 27 anos, do contrário,
fecharia as portas”, conta Kathleen Ruff. “Devido à fortes críticas, o
governo não cedeu. E, agora, uma alegria toma conta de todos aqueles que
lutam para proteger as pessoas dos perigos do amianto.”
Laurie Kazan-Allen, editora do site e coordenadora do Ibas — International Ban Asbetos Secretariat (Secretariado Internacional do Banimento do Amianto) –, sediado em Londres, Inglaterra, ao comemorar a queda do Instituto Crisotila, põe o dedo na ferida:
“Mesmo depois de o amianto ter sido proibido em países
industrializados, o seu consumo aumentou muito em todo o mundo em
desenvolvimento. Isso aconteceu graças principalmente aos esforços e à
contribuição financeira do Instituto do Crisotila do Canadá, que
permitiu a criação de 12 entidades ao redor do mundo, para transmitir de
forma mais eficaz a mensagem pró-amianto. Não por coincidência o uso
do amianto continua na Índia, Tailândia, Brasil, Colômbia e México,
países onde existem estas organizações”.
“Indubitavelmente, o império do amianto está desabando”, arremata
Fernanda Giannasi. “Esperamos, agora, que se faça Justiça às vítimas do
amianto e seus familiares.”
Conceição LemesNo Viomundo
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