Marcos Coimbra
Na semana que passou, o ex-presidente Fernando Henrique voltou aos
jornais em um novo artigo. Seu título era “Política e moral”.
Tratava do recente livro de seu amigo, o sociólogo Alain Touraine,
dedicado à interpretação da vitória de François Hollande. Nele,
Fernando Henrique entendeu haver uma discussão útil para a compreensão
da sociedade brasileira.
O artigo está longe de ser uma obra-prima. Mas é importante pelo que
revela do momento pelo qual passam as forças oposicionistas no País.
FHC continua a ser, para elas, a principal referência intelectual.
Nenhuma de suas outras lideranças pretende – ou consegue – ocupar o
lugar.
É possível que essa ascendência seja uma espécie de compensação dos
correligionários. Desde quando deixou a Presidência, nenhum candidato a
cargo majoritário de seu partido quis se mostrar verdadeiramente
alinhado com ele ou foi firme em sua defesa, quando atacado.
Restou-lhe o papel de líder intelectual, seja da oposição partidária,
seja dos segmentos da opinião pública que com ela simpatizam. Suas
perplexidades e contradições assumem, portanto, relevância maior.
No artigo, FHC concorda com Touraine no diagnóstico da crise da
“sociedade industrial” e do lugar da política dentro dela. A crise
teria feito com que as formas clássicas de confrontação política – a
“luta entre partidos, com programas e interesses opostos, marcados por
conflitos diretos entre as classes” – fossem substituídas por outras.
Em razão “da globalização e do predomínio do capital
financeiro-especulativo”, o confronto teria passado a ser entre o “mundo
do lucro” e o “mundo da defesa dos direitos humanos e de um novo
individualismo com responsabilidade social”. Nesse novo ambiente, a
política estaria perante um novo desafio: “Contrapor os temas morais ao
predomínio do econômico”.
Não faria sentido lutar pela social-democracia e, muito menos, o
neoliberalismo. Como diz Fernando Henrique: “Trata-se de fazer o mundo
dos interesses ceder lugar ao mundo dos direitos” e “libertar o
pensamento político da mera análise econômica”. A política precisaria
entrar na era “pós-econômica”.
Na sociedade que visualiza, os partidos não têm razão de existir, pois estão “petrificados” – como as demais instituições.
Qual a saída? “Só os movimentos sociais e de opinião, movidos por um
novo humanismo expresso por lideranças respeitadas, podem despertar a
confiança perdida”.
E o Brasil? Que temos a ver com isso? Tudo, segundo FHC. Em suas
palavras: “Mutatis mutandi (Sic) a temática referida por Touraine está
presente entre nós”. Ou seja: não apenas a análise, mas também suas
implicações políticas seriam válidas para a nossa realidade.
Tanto nos momentos em que concorda com Touraine quanto naqueles em que
expõe suas próprias opiniões a respeito do Brasil, Fernando Henrique
realiza, no artigo, a proeza de “desdizer quase tudo que lhe disse
antes” – e negar boa parte do que fez como presidente.
Agora que, aos olhos da população, existe um governo mais competente
que o seu, nega mérito ao desempenho. Se os outros têm mais sucesso,
que se acabe com a noção de eficiência. E ainda há quem brinque com
Lula, dizendo que é a “metamorfose ambulante” de que falava Raul
Seixas!
Parece que Fernando Henrique acha que Brasil e França são iguais. Que a
agenda das duas sociedades é a mesma. Que também nós superamos a luta
pela social-democracia e estamos na época da “pós-economia”.
Como se não soubesse que nossa tarefa mais urgente é assegurar a todos o
mínimo de participação na sociedade e na riqueza. Que antes de
ultrapassar a social-democracia temos de experimentá-la, como dizia
Fernando Henrique à época da fundação de um partido que tinha esse
projeto no nome.
Parece que se esquece: se houve um governo legitimado pelo
economicismo, foi o seu. Eleito e reeleito pelo Plano Real, subindo e
descendo na aprovação popular em função da evolução dos indicadores
econômicos, com FHC tivemos o ápice da despolitização, em que mais
faltou aquilo de que hoje sente falta.
Mas suas opiniões são explicáveis: ao decretar que os partidos
caducaram e imaginar uma política de “base moral pós-econômica”, regida
por “lideranças respeitadas” (será que está se oferecendo para o
papel?), FHC reconhece que o espaço das oposições se reduziu a ponto de
ser preciso inventar um novo.
Se, fazendo política, as perspectivas para elas são ruins, que tal
inventar a pós-política? Resta saber se é isso o que o País deseja. Ou,
como diria Mané Garrincha, se os russos estão de acordo.
O Esquerdopata
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