O
Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana, no
JB online:
O julgamento político como legítima defesa
por Mauro Santayana
Coube a Robespierre definir o
julgamento político como legítima defesa das sociedades nacionais. Ao
defender o julgamento de Luís 16, que condenaria o rei à morte, e lhe
dar toda a legitimidade, o líder revolucionário explicou que o poder
legislativo, a Convenção Nacional, não atuava como um tribunal comum.
Atuava como um corpo político da nação. Se o rei fosse inocente,
culpados seriam os 387 deputados que haviam votado pela morte do
soberano. Como constituíssem a maioria dos delegados do povo, culpada
seria a nação francesa. Sendo um julgamento político, a sentença
condenatória era um ato de defesa da pátria contra aquele que ela
identificara como inimigo.
Ao defender antes de se iniciar
o julgamento, a atuação dos convencionais, disse: “não se trata de um
processo, mas medida de segurança pública, ato de providência
nacional a ser exercido. Luis deve morrer, para que a pátria viva”.
A Revolução Francesa foi um dos
momentos mais fortes do homem. Nele houve de tudo, na grandeza e na
traição, na força demolidora e construtora das idéias, no avanço
republicano da liberdade, com a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão – e na contra-revolução termidoriana, no surgimento de Napoleão,
na Santa Aliança, na derrota de Waterloo, na restauração monárquica.
A direita sempre a desdenha. Em
1934, pouco antes que Hitler o matasse, a fim de eliminar um provável
inimigo, Ernst Roehm diria que a nova ordem do nazismo iria eliminar os
efeitos da Revolução Francesa na História.
As grandes revoluções iludem os
que dela são contemporâneos. Elas só são avaliadas muito depois. Uma
tese histórica coerente é a de que estamos sempre em uma revolução, com
momentos mais agudos e menos agudos e eventuais pausas de pasmaceira.
Nem todos nos damos conta de que vivemos, nestes dias, no Brasil e no
mundo, uma situação revolucionária, mas desprovida de grandes líderes.
Os estados nacionais minguam. O poder financeiro, astuto, passou a
dirigi-los, mediante o controle dos parlamentos – mas como foi com muita
sede ao pote, encontrou a resistência, ainda desorganizada, dos
cidadãos. É nesse quadro que, no Brasil, se iniciam os trabalhos da CPI
destinada a desemaranhar a teia enovelada do governo paralelo do
empresário Carlos Cachoeira.
O Parlamento se encontra em
situação parecida à da Convenção Nacional nos últimos meses de 1792.
Para que a Revolução se salvasse, em seus efeitos históricos, era
necessário que o rei morresse. Para que a República se salve e, com ela,
o povo brasileiro, é necessário que a CPI vá às últimas conseqüências. A
nação está clamando por uma devassa, não para que se erga, em alguma
praça, a máquina do doutor Guillotin. Ao contrário do que muitos pensam,
não é preciso que o sangue lave a honra das nações. Mas os ladrões do
Erário, que roubam dos que trabalham e produzem, devem ser conhecidos e
levados aos tribunais. Não se trata de conflito ideológico, mas de ato
de legítima defesa nacional. Os que roubam, ao subtrair os bens comuns,
contribuem para que o estado republicano desmorone e, com ele, a nação.
Desmorone nos hospitais precários, que não salvam vidas e,
frequentemente, apressam a morte; desmorone nas escolas públicas em que
as crianças não aprendem, mas se expõem aos perigos, que vão das
humilhações à tortura, cometidas pelos fortes contra os fracos, quando
não aos massacres; desmorone nos serviços de segurança, dos quais surgem
esquadrões da morte e milicianos quadrilheiros.
Nesta visão, correta e ampla,
dos efeitos da corrupção, os corruptos não são apenas larápios: são, da
mesma forma, bandidos e assassinos. Uma coisa é o financiamento de
campanhas políticas pelos empresários, outra o enriquecimento de agentes
públicos, mediante as promíscuas relações, nas quais se superfaturam
obras públicas e serviços, para a divisão do butim entre os parceiros. O
que todos os cidadãos conscientes exigem é o financiamento público das
campanhas, a fim de evitar essa poluição do sistema democrático.
O rigor nas investigações,
atinja a quem atingir, é ato de legítima defesa do sistema republicano
e, particularmente, do poder legislativo. Há, crescente, na opinião
pública – a partir das informações que recebe – o equivocado juízo de
que os senadores e deputados são inúteis. Se essa CPI se frustrar, os
cidadãos podem supor que os parlamentares não são apenas inúteis, mas
também complacentes com os seus pares aquadrilhados, como os
representantes de Goiás fisgados pela língua, entre eles esse comediante
menor, o senador Demóstenes Torres, que fez, durante tanto tempo, o
papel de catão.
Devemos entender que a maioria
parlamentar não é feita de bandoleiros, embora possa ter sua parcela de
incompetentes. Espera-se que, na CPI, os homens de bem sejam tão ousados
como costumam ser os canalhas – e os vencer – para lembrar a
constatação de Disraeli sobre a Inglaterra de seu tempo. Hoje,
provavelmente, o grande conservador não teria o mesmo juízo dos homens
de bem ingleses, acoelhados diante do atrevimento dos camerons e blaires
contemporâneos.
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