Sou fã de carteirinha do trabalho da Ministra Maria do Rosário. Já era sua
admiradora antes mesmo dela ser ministra. Acompanho com admiração e entusiasmo o
seu trabalho como parlamentar que trata, historicamente, de temas espinhosos na
área de direitos humanos, a exemplo, dentre outros, do enfrentamento à
homofobia, à exploração sexual de crianças e adolescentes e da sua luta pela
apuração de abusos e violações dos direitos humanos ocorridos na época da
ditadura. E sou fã de carteirinha também do trabalho desenvolvido na Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, em especial o da Secretaria
Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SNPDCA,
capitaneada bravamente pela Carmen Silveira de Oliveira e sua equipe e cujas
ações de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes e do
Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, conheço mais
de perto. O trabalho desenvolvido através destas ações tem mérito reconhecido em
âmbito internacional pelo seu ineditismo e coragem e, no caso específico do
PPCAAM, por exemplo, o governo brasileiro traz a público a dificílima discussão
sobre a letalidade entre crianças e adolescentes, assunto este que nenhuma
sociedade tem coragem de abordar, já que abordá-lo significar assumir a nossa
negligência principalmente com as crianças e adolescentes pobres deste país e
que são abatidos como bichos diariamente nas periferias das nossas grandes
cidades.
Glória Perez deu visibilidade através do seu trabalho a temas cuja
complexidade a sociedade brasileira só teria condições de compreender através
das novelas, atingindo massivamente um grande público e propondo uma discussão
inteligente a partir do entretenimento. Sua próxima novela, por exemplo, entre
outros temas, vai abordar a questão do tráfico de pessoas. Glória Perez é uma
ativista incansável junto às mães e familiares de vítimas de violência, e seu
trabalho como ficcionista é compatível com uma prática que a legitima como
figura fundamental na prevenção à violência no nosso país.
Há centenas de projetos e ações da maior importância na Esplanada dos
Ministérios que a maioria das pessoas desconhece e isto é lamentável, ações
maravilhosas, de impacto decisivo e que as pessoas que não estão diretamente
envolvidas sequer suspeitam existir e isto também é lamentável. É da maior
relevância, portanto, quando celebridades, artistas ou intelectuais assumem
publicamente determinadas causas, principalmente as mais difíceis de tratar como
as relativas ao abuso de crianças e adolescentes, outro tema que, como
sociedade, gostaríamos de esquecer e silenciar, dada a magnitude do horror e do
tamanho das providências que devemos, socialmente, todos, tomar. Este
envolvimento, portanto, do maior número de atores sociais, na iniciativa que
leve ao debate e á reflexão é bem vinda e aplaudida.
Xuxa Meneghel desde 2007 está firmemente engajada no apoio a campanhas
governamentais, como “Não bata, eduque” ou como madrinha nacional da campanha
contra exploração sexual de jovens, entre outros. Seu depoimento no Fantástico
do domingo passado dividiu a opinião pública num grupo que a chama, nas redes
sociais, de vadia, pedófila e oportunista, de um lado e do outro, por pessoas
que a apoiam e são solidárias, tendo em vista a sua situação, sabemos agora, de
adolescente e criança que foi molestada.
Diferentemente do trabalho de Gloria Perez e de outros artistas que apoiam
campanhas e causas desta natureza, o que causa certo desconforto é que o
trabalho de Xuxa Meneghel sempre propôs uma espécie de imbecilização da infância
e da adolescência no nosso país, criando um equivocado e desastroso caldo de
cultura desdobrado ad infinitum numa esteira de discípulos que ainda
não termina de acabar. Incentivou através do seu trabalho tudo aquilo que as
políticas governamentais combatem duramente, como o consumismo infantil, a
sexualidade precoce das crianças, a superexposição midiática mulheres e das
meninas, para não ir muito além.
Talvez seja este descompasso entre a prática e o discurso que traduza, na
verdade, a desconfiança de muitos sobre o seu depoimento. O de um trabalho que
nega, ali, no frigir dos fatos, todo o ideário de autonomia e legitimidade que
estas políticas governamentais trouxeram para a vida das crianças e adolescentes
de forma definitiva.
As ações governamentais para a infância e a adolescência que temos hoje no
Brasil são soberanas, falam por si e estão implementadas em todo o país, algumas
delas se constituem em referência internacional pelo seu ineditismo,
consistência e ousadia. É ingênuo e equivocado pensar que o depoimento da Xuxa
vai fazer com que as pessoas vão se tornar mais conscientes sobre a discussão
sobre o abuso infantil, no mínimo porque a escolha do testemunho, dada a sua
total falta de senso crítico e reflexão sobre o que realmente seja ser criança e
adolescente neste país podem nos fazer pensar, antes de tudo, que a escolha da
tal da rainha dos baixinhos para atender a esta demanda hercúlea, foi um
colossal e desastroso engano.
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