Não entendo quase nada dessa disciplina chamada Direito. Sei apenas que
as leis fazem parte de toda sociedade civilizada e que o sistema
judiciário é tão importante para a saúde das nações quanto, por exemplo,
boas escolas, moradias e transporte público decentes ou bastante
emprego.
Sem juízes em quem confiar, sem que os cidadãos saibam o bê-a-bá da
máquina da Justiça, não há democracia nem perspectiva de construção de
um país moderno.
Essas coisas me vieram à cabeça depois de ver os rumos que o julgamento do caso do tal mensalão está tomando.
Ontem, segunda-feira, em mais uma das intermináveis sessões do Supremo
Tribunal Federal, houve o caso de um ministro que quis condenar um
sujeito que nem fazia parte do processo e outro que, segundo li,
inverteu o ônus da prova, ou seja, condenou o réu porque ele não soube
provar que não cometeu o crime.
Ora, se tais barbaridades realmente aconteceram nesse que é definido
pelos jornalões como o mais importante julgamento da história, o que se
há de pensar sobre outros casos julgados pelos notáveis magistrados do
Supremo que não têm nem um milésimo da cobertura da imprensa, ou dos
quais simplesmente ninguém, a não ser os envolvidos, toma conhecimento?
Desde criança - e isso já faz muito tempo - ouço dizer que o ônus da prova cabe ao acusador.
Sempre achei que essa fosse uma regra de ouro do Direito, justamente
para evitar que a força da fofoca, dos boatos, da maledicência, da
calúnia, da difamação ou da injúria se sobrepujasse aos fatos.
Sempre achei que o mundo estivesse longe da época em que acusar uma
pessoa de ser uma bruxa bastava para enviá-la à morte: se resistisse às
torturas, isso era uma prova de sua condição maléfica; se confessasse
para se livrar das dores, estaria também se condenando.
Imputar o ônus da prova a quem acusa, se não garante um julgamento 100%
justo, pelo menos equilibra a balança da Justiça, já que não basta um
Roberto Jefferson da vida dizer que José Dirceu é chefe de uma
quadrilha: ele, pelo menos é o que supunha, teria de levar ao Ministério
Público as provas de que quem acusou é um criminoso. Se não fizer isso,
o criminoso passa a ser o acusador, por falso testemunho.
Quando, porém, um ministro do Supremo, um sujeito que, teoricamente,
estudou e se dedicou a vida inteira para chegar onde chegou, afirma que o
ônus da prova agora cabe ao acusado, a nossa cabeça entra em parafuso e
a gente se interroga se essa nova regra da Justiça vai valer para todos
de agora em diante ou se ela será adotada apenas nesse julgamento do
tal mensalão.
Se a resposta for a segunda opção, significa que o STF realmente, como
muitas pessoas já suspeitavam, transformou o julgamento numa pantomina
para agradar a determinados setores da sociedade que já condenaram os
réus do processo por motivos político/ideológico/eleitorais.
Se a resposta for a primeira alternativa, quer dizer que agora todo o
país está convidado a exercer livremente o mais elementar e vil
dedo-durismo, sob as mais variadas justificativas.
Sem alarde, ao acolher, de modo tão entusiasmado, a palavra de um reles
delator, o Supremo Tribunal Federal inaugura uma nova era na república
brasileira, a da infâmia.
Como se vê, esse processo do tal mensalão está mesmo dando frutos.
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Do Blog O Esquerdopata.
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