Os boatos sobre o apagão de energia
Na Folha de ontem, a jornalista Eliana Cantanhede forneceu a manchete,
ao anunciar uma reunião de emergência do setor elétrico. Segundo a
matéria, “a reunião foi acertada entre Dilma, durante suas férias no
Nordeste, e o Ministro das Minas e Energia Edison Lobão”.
“Dirigentes de órgãos do setor tiveram que cancelar compromissos para
comparecer”, dizia a matéria. Mais: “Dez dias depois de dizer que é
"ridículo" falar em racionamento de energia, a presidente Dilma Rousseff
convocou reunião de emergência sobre os baixos níveis dos
reservatórios, para depois de amanhã, em Brasília.
* * *
Segundo a jornalista, “oficialmente, estarão presentes ao encontro de
quarta-feira os integrantes do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico), que é presidido pelo ministro das Minas e Energia e é
convocado, por exemplo, quando há apagões de grandes proporções, como
ocorreu mais de uma vez em 2012”.
Existe um órgão denominado de Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico
(CMSE) que reúne-se mensalmente para analisar o setor. Participam da
reunião o Ministro, o Operador Nacional do Setor Elétrico (ONS), a
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de
Petróleo (ANP), a Agência Nacional de Águas (ANA), entre outras.
As reuniões são mensais e agenda do ano é definida sempre no mês de
dezembro do ano anterior. Portanto, desde o mês passado a tal reunião
“extraordinária” estava marcada.
* * *
O mercado de energia elétrica é dividido em dois segmentos. Há os
contratos de longo prazo, firmados entre grandes consumidores (entre os
quais as distribuidoras) e fornecedores; e o chamado mercado spot, com
compras de curto prazo.
Uma informação incorreta, como esta, poderia provocar oscilações de
monta nas cotações do mercado spot. Poderia fazer empresas suspenderem
planos de investimento, montarem planos de contingência.
Não afetou o mercado porque as grandes empresas, os grandes investidores
dispõem de canais de informação específicos. E a própria Internet
permitiu a propagação do desmentido do MME acerca do caráter
“extraordinário” da reunião.
Mas a falsa notícia levantou até o argumento de que os problemas eram
decorrentes da redução da conta de luz – que sequer ocorreu ainda.
* * *
De concreto, existe a enorme seca que assola o nordeste, que reduziu as
reservas do sistema. Atualmente os reservatórios da Região Nordeste
operam com 31,6% da sua capacidade, e os da Região Norte com 41,24%.
Limitações ambientais, além disso, obrigaram a uma mudança na
arquitetura das novas usinas hidrelétricas, substituindo os grandes
lagos pela chamada tecnologia de “fio d’água”.
* * *
Mas o modelo prevê um conjunto de usinas termoelétricas de reserva.
Sempre que há problemas no fornecimento, elas são autorizadas a operar
até que o sistema convencional volte a dar conta do recado.
* * *
O episódio mostra, em todo caso, a dificuldade, hoje em dia, de se
dispor de informações objetivas. Na Internet, há um caos informacional;
nos jornais, uma sobreposição diária das intenções políticas sobre a
objetividade das matérias.
Luis NassifNo Advivo
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08/12/2011A cobertura da febre amarela pela Folha
Pesquisadora da USP desconstrói discurso epidêmico da cobertura jornalística sobre febre amarela
Analisar o discurso veiculado pelo jornal Folha de S. Paulo durante a
epizootia de febre amarela silvestre, que atingiu também seres humanos,
foi o objetivo da dissertação de mestrado “Epidemia midiática: um estudo
sobre a construção de sentidos na cobertura da Folha de S.Paulo sobre a
febre amarela, no verão 2007- 2008” , defendida pela jornalista e
pesquisadora Cláudia Malinverni, na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da
USP.
Foram analisadas 118 matérias veiculadas pelo jornal, entre 21 de
dezembro de 2007 e 29 de fevereiro de 2008, recorte temporal que
permitiu localizar a notícia que deu início ao fenômeno de agendamento
midiático, a evolução do grau de noticiabilidade do tema e o seu
desgaste como pauta de relevância. Para apoio à análise, foram
selecionados 40 documentos institucionais sobre a doença, emitidos pela
Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, no mesmo
período.
Os achados indicam que as estratégias discursivas da cobertura
jornalística relativizaram o discurso da autoridade de saúde pública;
enfatizaram o “aumento progressivo” do número de casos; colocaram a
vacinação como o limite entre a vida e a morte, omitindo riscos do uso
indiscriminado da vacina antiamarílica; e propagaram a tese de uma
iminente epidemia de febre amarela de grandes proporções. Essas
estratégias deram novos sentidos à doença, deslocando o evento de sua
forma silvestre, espacialmente restrita e de gravidade limitada, para a
urbana, de caráter epidêmico e potencialmente mais grave.
Secundariamente, a análise permitiu identificar os riscos a que a
população foi exposta em função dos sentidos produzidos pelo discurso
midiático, com a ocorrência de óbitos diretamente relacionados ao
noticiário veiculado pela imprensa, de modo geral, e seus impactos sobre
o sistema público de saúde brasileiro. Como resultado da “epidemia
midiática”, houve uma explosão da demanda pela vacina, que obrigou o
Ministério da Saúde a distribuir, entre dezembro de 2007 e 22/02/2008,
13,6 milhões de doses da vacina antiamarílica, mais de 10 milhões de
doses acima da distribuição média de rotina, para o período. Em menos de
dois meses, mais de 7,6 milhões de doses foram aplicadas na população,
6,8 milhões só em janeiro de 2008, ápice do agendamento midiático. Em
razão do aumento exponencial do consumo de vacina, o Brasil, um dos três
fabricantes mundiais do antiamarílico, suspendeu a exportação do
imunobiológico e pediu à Organização Mundial da Saúde (OMS) mais 4
milhões de doses do estoque de emergência global.
Além disso, a omissão da cobertura jornalística quanto aos riscos
inerentes ao uso indiscriminado da vacina expôs a população brasileira a
riscos letais. Em 2008, a vigilância de eventos adversos pós-vacinal do
Ministério da Saúde registrou 8 casos de reação grave à vacina, dos
quais 6 foram a óbito, 2 deles por doença viscerotrópica (DV), a forma
mais rara e grave de reação ao vírus vacinal. Ressalte-se que, no
Brasil, em nove anos (1999-2007) foram registrados 8 casos de DV, com 7
óbitos.
As matérias produzidas pelo jornal deram intensa visibilidade
(saliência) às informações que visavam relativizar a instância
discursiva oficial, que, por sua vez, não conseguiu impor-se ao fluxo
discursivo midiático. Os sentidos produzidos pela cobertura jornalística
tiraram de perspectiva as complexidades dos processos do adoecimento
humano e os limites do conhecimento no tratamento das doenças. Nesta
luta simbólica, perdeu o sistema público de saúde, mas, sobretudo,
perdeu a população brasileira: mortes ocorreram.
Mais informações com a pesquisadora Claudia, pelo e-mail: Claudia.malinverni@usp.br
Evanildo da SilveiraNo Advivo
No Grupo Beatrice
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