domingo, 7 de julho de 2013

Nos EUA os economistas pensam diferente dos economistas brasileiros

Nos EUA, um pouquinho de inflação para ajudar no PIB

Economistas de renome defendem que BC americano adote meta maior para aliviar

Flávia Barbosa 

Foto: Susana Gonzalez/Bloomberg
Susana Gonzalez/Bloomberg
WASHINGTON — Pecado abaixo da linha do Equador, a aceleração da inflação é crescentemente vista como uma bênção à lenta recuperação do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) dos EUA por economistas americanos de renome. Enquanto o Brasil luta pelo terceiro ano consecutivo para manter os preços dentro da meta, Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), está entre as vozes que acreditam que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deveria perseguir um objetivo de inflação pelo menos o dobro maior do que os atuais 2% ao ano. Segundo Rogoff, isso ajudaria na redução do endividamento de famílias e governo e promoveria um realinhamento dos salários, incentivando o consumo e cortando o custo do trabalho. A inflação dos EUA está acumulada em menos de 1% em 12 meses.
Rogoff, que sugeriu a política pela primeira vez em 2009, auge da crise financeira, e escreveu mês passado novo e comentado artigo com a recomendação, está acompanhado nesta defesa por peso-pesados como Paul Krugman, colunista do “New York Times” e prêmio Nobel de Economia, e Janet Yellen, atual vice-presidente do Fed e uma das favoritas à sucessão de Ben Bernanke, que comanda a instituição mas deve deixá-la no início de 2014.
— Cinco anos depois da crise, a economia americana continua muito endividada no setor privado e cada vez mais também no setor público. Os salários não se ajustaram completamente ao choque financeiro, e isso é necessário. Inflação não é a cura para todos os males dos EUA, que precisam de uma ampla reforma tributária, aceleração dos investimentos em infraestrutura e mais desregulamentação. Mas ajudaria imensamente na recuperação da atividade — afirmou Rogoff ao GLOBO.
Em termos simples, a inflação maior ajudaria a corroer o valor das dívidas — embora em queda, há nos EUA US$ 13 trilhões só em financiamentos imobiliários pendentes e US$ 12 trilhões em endividamento público. Isso significa que famílias e governo desembolsam muito, em relação à renda, ao patrimônio e ao Orçamento. Uma dívida menor, corroída pela inflação, abriria espaço para um aumento das despesas, acelerando os motores da economia.
Empurrão ao consumo
Um patamar maior de inflação também tende a empurrar as pessoas ao consumo imediato, para driblar perda de poder de compra, e a enfraquecer o dólar, o que torna as exportações mais competitivas. Além disso, diz Rogoff, “ajudaria a economia a funcionar melhor num mundo em que ninguém quer reduzir o salário de ninguém” e incentivaria a queda do desemprego, que, para ele e outros economistas, deveria ser a preocupação central do Fed. A taxa de desocupação dos EUA está em 7,6%, ainda muito acima dos 6,5% que a autoridade monetária tem como alvo.
Para fabricar mais inflação, diz Rogoff, o Fed precisaria dirigir-se ao mercado afirmando que perseguirá um objetivo maior, porque a inflação está abaixo da meta desde a crise. Paralelamente, sinalizaria a manutenção dos juros quase zero e as compras mensais de US$ 85 bilhões em títulos públicos. O problema é que Bernanke já informou que o Fed acredita que a economia tem sinais vitais animadores que permitem a redução gradual, a partir do fim do ano, do programa de estímulo.
— Simplesmente não compreendo por que o Fed abandonaria a política expansionista quando a inflação não é uma ameaça e nem seria o fim do mundo — questiona Rogoff, que ressalta que a receita se aplica também ao Japão e à União Europeia, mas não ao Brasil, que não passou por choque financeiro e têm desequilíbrios fiscais, monetários e estruturais de outra natureza.
Para o economista, a condução da política monetária parece obedecer a um acordo de cavalheiros entre os integrantes conservadores e moderados da diretoria do Fed:
— Acho que os conservadores deixaram lá atrás os moderados afrouxarem bastante a política monetária sob a condição de que, quando a economia começasse a reagir, os estímulos cairiam. Agora que há sinais, estão cobrando o acordo. Mas ignoram o balanço de riscos. Ter inflação de 4% ao ano é de longe um problema menor do que retirar os estímulos antes de uma retomada sólida e ter taxa de desemprego elevada por mais alguns anos.
Volker: difícil reversão
Bernanke, após a última reunião do Fed, afirmou que não está preocupado com a baixa inflação, por não considerá-la mal permanente. Voto dissidente, a diretora Esther L. George foi adiante e defendeu o fim antecipado do programa de estímulo por seu potencial de “ao longo do tempo, aumentar as expectativas de inflação”.
Economista-chefe do HSBC para os EUA, Kevin Logan acredita que o caminho indicado por Rogoff e outros “faz sentido”. Mas ele pondera que o Fed prefere olhar para a inflação pelas lentes do Índice de Preços de Gastos de Consumo Pessoal (PCE), e não pelo índice oficial. E boa parte das quedas pelo PCE é temporária — como a entrada de medicamentos genéricos no mercado.
— O Fed vem dizendo que não vai perseguir uma política ainda mais expansionista com base em questões transitórias, pois acredita que no próximo ano a inflação subirá — explica Logan.
Czar do Fed por oito anos, quando patrocinou estupenda alta de juros para derrubar a inflação de 15%, em 1979, para 2%, em 1987, Paul Volcker acrescenta outro argumento: uma vez desperto o monstro, é difícil domá-lo.
— O pressuposto implícito é que a taxa de inflação pode ser manipulada para alcançar objetivos econômicos e recuada por comando. As experiências demonstram amplamente que a inflação, quando iniciada, é difícil de controlar e reverter — afirmou Volcker no Clube Econômico de Nova York.
Rogoff diz que Volcker está parcialmente certo: uma vez a 4%, levará tempo para voltar a 2%. Porém, diz, a inflação não se move “num piscar de olhos” numa economia como a dos EUA — ainda mais em condições excepcionais trazidas pela pior crise em 80 anos. Para ele, quando a economia estiver sólida, volta-se a atacar a variação de preços:
— O banco central economiza credibilidade para usá-la em tempos chuvosos. O dia hoje é de chuva.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/nos-eua-um-pouquinho-de-inflacao-para-ajudar-no-pib-8944135#ixzz2YNMmuC3L
© 1996 - 2013. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

Nenhum comentário: