7 de julho de 2013
A pergunta da Veja é um monumento ao cinismo.
Há uma cena que conta muito do Brasil nas memórias que o jornalista Carlos Castelo Branco, o Castelinho, escreveu sobre o curto período em que foi assessor do presidente Jânio Quadros, no começo da década de 1960.
Jânio vinha sendo duramente criticado pela imprensa, o Estadão à frente. (Não este jornal enfermiço de hoje, mas o Estadão poderoso de sessenta anos atrás.)
Jânio programou uma fala em cadeia nacional.
Castelinho foi checar a sala em que ele falaria, e encontrou uma edição dominical do Estadão, repleta de cadernos. “Favor não mexer”, dizia um bilhete escrito por Jânio.
Na fala, Jânio brandiu o jornal e disse que tudo ali era pago pelo contribuinte.
As empresas jornalísticas não pagavam imposto pelo papel, gozavam de empréstimos a juros maternos e se ficavam inadimplentes perante o Banco do Brasil quitavam com anúncios.
Bem, para encurtar, Jânio passou e as mamatas permaneceram. Na verdade, aumentaram: as empresas de mídia conseguiram posteriormente aprovar – e manter até hoje – uma esdrúxula reserva de mercado que veda a concorrência estrangeira.
Num artigo antológico que escreveu para o Globo em defesa da reserva, o atual ministro do STF Luís Roberto Barroso, disse que bloquear a competição externa era importante para evitar pregações perigosas como as de Mao Tsetung e para preservar preciosidades culturais brasileiras como as novelas. (Barroso escreveu esse bestialógico quando era advogado da associação que faz o lobby da Globo, uma amizade que foi vital para que os colunistas da emissora apoiassem sua indicação para o STF.)
Tudo isso me veio à mente quando soube que a Veja fizera uma lista de coisas que deveriam ser submetidas a plebiscito. Uma das questões era a seguinte: pessoas que recebem ajuda do governo deveriam ser impedidas de votar por causa de um conflito de interesses?
Claro que a revista se referia à Bolsa Família.
Mas sigamos no mesmo caminho. O que fazer, então, com as empresas de mídia, ao longo de décadas vergonhosamente amparadas pelo dinheiro público, como denunciou Jânio sem conseguir mexer em nada?
Os acionistas não poderiam votar, por essa lógica. Nem os editores. Talvez aos repórteres também devesse se estender a proibição.
Dinheiro que deveria construir escolas e hospitais acabou sendo torrados em empresas jornalísticas ao longo dos tempos.
Sob FHC, a Globo conseguiu um financiamento governamental de 200 milhões de dólares em dinheiro da época para construir uma supergráfica que virou um patético elefante branco.
A ideia era que se pudesse rodar o Globo com uma tiragem de 1 milhão de exemplares. Logo veio a internet e o Globo jamais chegou remotamente perto do milhão.
O que foi um investimento horroroso acabou não afetando a empresa porque o dinheiro do financiamento era público.
Uma foto de FHC com Roberto Marinho na inauguração da gráfica é o retrato de um país cuja administração foi sequestrada pela mídia.
O favorecimento foi torrencial em todas as áreas.
Na publicidade, por exemplo. Nos anos 1980, todos os anunciantes já não pagavam o preço de tabela da publicidade na mídia. Os descontos passaram a ser enormes. Só o governo continuava a pagar o preço cheio.
Por tudo isso, só pode ser uma piada a proposta da Veja.
Porque se for para levar a sério as companhias de mídia – bafejadas com dinheiro equivalente a múltiplas Bolsas Famílias – deveriam estar impedidas de votar desde sempre.
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Há uma cena que conta muito do Brasil nas memórias que o jornalista Carlos Castelo Branco, o Castelinho, escreveu sobre o curto período em que foi assessor do presidente Jânio Quadros, no começo da década de 1960.
Jânio vinha sendo duramente criticado pela imprensa, o Estadão à frente. (Não este jornal enfermiço de hoje, mas o Estadão poderoso de sessenta anos atrás.)
Jânio programou uma fala em cadeia nacional.
Castelinho foi checar a sala em que ele falaria, e encontrou uma edição dominical do Estadão, repleta de cadernos. “Favor não mexer”, dizia um bilhete escrito por Jânio.
Na fala, Jânio brandiu o jornal e disse que tudo ali era pago pelo contribuinte.
As empresas jornalísticas não pagavam imposto pelo papel, gozavam de empréstimos a juros maternos e se ficavam inadimplentes perante o Banco do Brasil quitavam com anúncios.
Bem, para encurtar, Jânio passou e as mamatas permaneceram. Na verdade, aumentaram: as empresas de mídia conseguiram posteriormente aprovar – e manter até hoje – uma esdrúxula reserva de mercado que veda a concorrência estrangeira.
Num artigo antológico que escreveu para o Globo em defesa da reserva, o atual ministro do STF Luís Roberto Barroso, disse que bloquear a competição externa era importante para evitar pregações perigosas como as de Mao Tsetung e para preservar preciosidades culturais brasileiras como as novelas. (Barroso escreveu esse bestialógico quando era advogado da associação que faz o lobby da Globo, uma amizade que foi vital para que os colunistas da emissora apoiassem sua indicação para o STF.)
Tudo isso me veio à mente quando soube que a Veja fizera uma lista de coisas que deveriam ser submetidas a plebiscito. Uma das questões era a seguinte: pessoas que recebem ajuda do governo deveriam ser impedidas de votar por causa de um conflito de interesses?
Claro que a revista se referia à Bolsa Família.
Mas sigamos no mesmo caminho. O que fazer, então, com as empresas de mídia, ao longo de décadas vergonhosamente amparadas pelo dinheiro público, como denunciou Jânio sem conseguir mexer em nada?
Os acionistas não poderiam votar, por essa lógica. Nem os editores. Talvez aos repórteres também devesse se estender a proibição.
Dinheiro que deveria construir escolas e hospitais acabou sendo torrados em empresas jornalísticas ao longo dos tempos.
Sob FHC, a Globo conseguiu um financiamento governamental de 200 milhões de dólares em dinheiro da época para construir uma supergráfica que virou um patético elefante branco.
A ideia era que se pudesse rodar o Globo com uma tiragem de 1 milhão de exemplares. Logo veio a internet e o Globo jamais chegou remotamente perto do milhão.
FHC e Roberto Marinho comemoram a gráfica da Globo financiada com dinheiro público
O que foi um investimento horroroso acabou não afetando a empresa porque o dinheiro do financiamento era público.
Uma foto de FHC com Roberto Marinho na inauguração da gráfica é o retrato de um país cuja administração foi sequestrada pela mídia.
O favorecimento foi torrencial em todas as áreas.
Na publicidade, por exemplo. Nos anos 1980, todos os anunciantes já não pagavam o preço de tabela da publicidade na mídia. Os descontos passaram a ser enormes. Só o governo continuava a pagar o preço cheio.
Por tudo isso, só pode ser uma piada a proposta da Veja.
Porque se for para levar a sério as companhias de mídia – bafejadas com dinheiro equivalente a múltiplas Bolsas Famílias – deveriam estar impedidas de votar desde sempre.
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