Socióloga Julie Feinsilver foi entrevistada por Jorge Pontual no Globo News, ver aqui |
Estudiosa da diplomacia médica cubana, a socióloga norte-americana Julie Feinsilver, formada pela Universidade de Yale, é uma exceção em seu país. Admiradora da medicina praticada no país governado pelos irmãos Raúl e Fidel Castro, ela lançou em 1993 o livro "Healing the Masses" ("Curando as massas", em tradução livre), no qual abordava o modelo implantado na ilha.
"Healing the Masses", livro no qual a socióloga explica o modelo de medicina cubano; a obra é inédita no Brasil |
"Acho condenável os médicos brasileiros assediarem os cubanos, que foram
para o seu país ajudar os mais pobres entre os pobres", disse
Feinsilver em entrevista, por e-mail, ao UOL. "Houve protestos por parte de algumas sociedades médicas por causa de um medo infundado: a concorrência."
No Brasil, o salário de um médico
cubano que participa do programa Mais Médicos será de R$ 10.000, ou
cerca de US$ 4.000. No entanto, 85% desse valor vai para o governo
cubano. Cuba sempre faz esse tipo de acordo?
Julie Feinsilver - Sim, o governo oferece educação gratuita e
muito mais para os médicos, e atua como um headhunter encontrando os
postos de trabalho e gerenciando a contratação. Em um país capitalista,
os profissionais pagariam impostos por todos os serviços e necessidades
sociais básicas fornecidas, além de uma taxa para o headhunter. Não é
razoável que o governo cubano negocie um acordo que seja bom para ele e
para os médicos?
Em relação à porcentagem real de dinheiro no contrato com os médicos
cubanos, não sei se 85% é a parte do governo. Falo baseada no caso
típico em que o governo recebe a parte do leão. Um amigo me informou que
o Brasil tem uma lei de transparência que torna pública a informação
dos salários (Lei Complementar 131, também conhecida como Lei da
Transparência, sancionada em 2009 e que obriga a União, os Estados e
municípios com menos de 50 mil habitantes a divulgarem seus gastos na
web), o que eu acho uma excelente ideia. Infelizmente, isso não é comum
na maioria dos lugares e, em alguns casos, pela própria lei, essa
informação fica "escondida", ou seja, não é fácil de ser encontrada.
Sabe qual é o salário médio que os médicos recebem em Cuba e em outros países?
Feinsilver - Não há uma média. Salários dependem do acordo feito
entre governo e o país interessado. No entanto, os salários em Cuba são
muito baixos porque toda a educação e cuidados de saúde são gratuitos e o
restante é altamente subsidiado. Isso não quer dizer que tudo seja
maravilhoso em Cuba. Não é, mas os custos beiram o insignificante para
necessidades muito básicas. Você não pode comparar preços, salários e
custos em Cuba aos de qualquer outro lugar. Toda economia de lá é
diferente da dos países capitalistas.
Como o governo cubano repassa o dinheiro para os médicos? É possível monitorar se eles estão repassando os valores corretamente?
Feinsilver - Seus salários são pagos para suas famílias em Cuba
com bônus por estarem no exterior, e o adicional é pago a eles no país
onde estão, mas eu tenho sérias dúvidas de que isso possa ser
monitorado. O governo brasileiro ou empresas brasileiras permitem que
estranhos monitorem como pagam seu próprio pessoal? Eu duvido. Então,
por que esperar que os cubanos façam isso?
Aqui no Brasil, os médicos cubanos
vão trabalhar nas regiões mais pobres e remotas, onde os profissionais
brasileiros não querem ir por falta de estrutura no local. Essa
diferença foi vista no Brasil, por opositores ao programa federal Mais
Médicos, como uma forma de exploração de médicos cubanos. Você concorda
com essa afirmação?
Feinsilver – Não. Cubanos têm uma ideologia muito diferente da
dos brasileiros. Eles se voluntariam para ir a áreas remotas e carentes
em outros países e consideram um dever servir no exterior e ajudar os
necessitados. Ganham muito mais dinheiro e obtêm vantagens fazendo isso,
apesar de parecer um ganho muito baixo para os brasileiros. Claro que
também estão altamente motivados pelo dinheiro extra e benefícios que
receberão prestando serviço internacional.
Queria salientar que sua formação ideológica, desde a infância, é muito
diferente da de pessoas de países capitalistas. No entanto, isso não
significa que eles não estão interessados em ganhar muito mais dinheiro,
principalmente porque nas recentes reformas econômicas (os cubanos
gostam de chamar de "atualização de sua economia"), os médicos ficaram
em desvantagem se comparados às pessoas que trabalham no turismo, área
na qual gorjetas e ganhos em moedas fortes são comuns.
Missões no exterior ajudam a nivelar as condições de igualdade para
eles, mas com grande sacrifício pessoal, pois deixam o seu país e os
seus entes queridos para viver em condições ainda mais modestas e, por
vezes, muito pior em outros países onde servem os pobres. Motivação
ideológica dos médicos (saúde é um direito humano básico para todos)
fornece uma justificativa importante para esse sacrifício, assim como o
dinheiro que ganham.
As principais entidades médicas
brasileiras são contra a vinda de médicos estrangeiros, especialmente os
cubanos, por serem a maioria, pois não vão fazer a mesma avaliação
exigida aos que estudam fora para exercer a medicina no Brasil. Concorda
com esse argumento?
Feinsilver – Não, médicos cubanos vão trabalhar em áreas
carentes, onde a população tem necessidades básicas de saúde e pode ser
mais do que adequadamente tratada por eles. A formação e o treinamento
dos cubanos são diferentes das dos brasileiros (e de profissionais de
outros países) porque junto com a medicina curativa, estudam e enfatizam
a atenção primária, a prevenção de doenças e epidemias e a promoção da
saúde. Eles avaliam o paciente como um ser vivo bio-psico-social e
trabalham em um ambiente específico que também deve ser avaliado para
melhorar a saúde da população.
Médicos cubanos foram perseguidos em outros países?
Feinsilver – Não! Eu acho condenável os médicos brasileiros
assediarem os cubanos, que foram para o seu país ajudar os mais pobres
entre os pobres. Eles [brasileiros] podem protestar para o seu governo,
mas o tratamento que deram aos médicos cubanos foi antiprofissional e
desumano. Houve protestos por parte de algumas sociedades médicas por
causa de um medo infundado: a concorrência. Porém, os médicos locais se
recusam a trabalhar onde os cubanos estão dispostos a ir: as áreas
remotas e os bairros pobres.
O que motivou a senhora a estudar a medicina cubana?
Feinsilver – Vi as desigualdades dentro e entre os países
enquanto pegava carona ao redor da América do Sul e Europa, muitos anos
atrás. Isso me levou a estudar o que, na época, era um experimento
social fascinante. E a saúde universal grátis era uma parte importante
dessa experiência. O fato de um país pobre e em desenvolvimento decidir
ajudar outros países prestando serviços de saúde gratuitos aos pacientes
foi muito impressionante e esse é o tipo de ajuda externa que muitas
nações mais desenvolvidas poderiam proporcionar.
O que atrai sua atenção na medicina cubana?
Feinsilver - A vontade e a capacidade de compartilhar seus
conhecimentos e habilidades, da atenção primária à evolução do
desenvolvimento da biotecnologia (de vacinas e tratamentos) e
transplantes de órgãos sofisticados, entre outros, a populações carentes
de outros países. Além de fornecer gratuitamente educação médica para
dezenas de milhares de estudantes pobres do mundo em desenvolvimento
desde 1961, apesar de ter perdido metade de seus próprios médicos à
emigração logo após a revolução (1959).
Como foi sua experiência como consultora na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)? (A socióloga morou um período no Brasil em 1996.)
Feinsilver – Foi maravilhosa, porém, eu só fiz uma breve
consultoria, muitos anos atrás. Os executivos e cientistas que conheci
eram altamente qualificados, muito bem educados, trabalhadores, pessoas
dedicadas, além de serem interessantes e agradáveis para se trabalhar em
grupo. Eu ficaria feliz em fazer outra consultoria se surgisse uma
oportunidade.
Lembra-se do que viu aqui e de como era a saúde quando nos visitou?
Feinsilver - Lembro-me muito do Brasil, pois quando fui
consultora da Fiocruz não foi a única vez que eu estive aí. Na verdade,
eu peguei carona por todo o país, inclusive para Manaus, muitos anos
antes e até assisti a algumas conferências. Também já passei férias aí.
No que diz respeito à saúde, lembro-me de muitas áreas com necessidades
de melhoria e de médicos de classe mundial no Rio de Janeiro e em São
Paulo. Eu não posso falar sobre todas as cidades, mas tenho certeza de
que muitas tenham igualmente bons médicos... se você puder pagar por
eles.
Do Blog COM TEXTO LIVRE.
Um comentário:
Saraiva
Excelente, aproveito para colocar em meu blog para que mais pessoas se conscientizem.
Concordo inteiramente com esta frase:
"O tratamento que deram aos médicos cubanos foi antiprofissional e desumano".
Caiu a máscara da classe médica no Brasil!
Um grande abraço meu amigo
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