“O debate a ser posto na mesa pela petista trata de estabelecer o seguinte: em qual momento o Brasil tomou seu atual rumo de desenvolvimento econômico com estabilidade, crescimento da classe média e do consumo interno, com um papel de maior inserção no cenário internacional?”
As últimas inserções comerciais do PT – as que foram proibidas pela Justiça Eleitoral e as duas outras colocadas no ar substituindo-as – contêm a chave do que será o discurso eleitoral de Dilma Rousseff na disputa pela sucessão do presidente Lula em outubro. Se for ao ar o programa do partido na quinta-feira, 13 de maio (há também uma ação dos partidos de oposição tentando suprimi-lo), um pouco mais poderá ser visto pelo eleitor.
Não se trata simplesmente de buscar estabelecer uma comparação entre o governo Lula e o governo Fernando Henrique. Não se trata simplesmente de um mero campeonato de números entre Dilma, representando a continuidade, e Serra, representante da era FH. É um pouco mais complexo. Mas, se for bem explorado pelos responsáveis pela campanha de Dilma, pode vir a ser mesmo a diferença a marcar a opção de voto nela. O debate a ser posto na mesa por Dilma trata de estabelecer o seguinte: em qual momento o Brasil tomou seu atual rumo de desenvolvimento econômico com estabilidade, crescimento da classe média e do consumo interno, com um papel de maior inserção no cenário internacional?
São dados da realidade que o país atingiu um patamar de estabilidade econômica talvez nunca visto. Que uma imensa parcela da população menos favorecida foi inserida na classe média. Que essa nova classe média fez aquecer a economia, aumentar o consumo interno e melhorar o desempenho das indústrias. Que esse aumento da economia interna não se deu em detrimento das exportações. E que o Brasil hoje não desempenha apenas um papel de mero coadjuvante tímido no cenário internacional. É claro que o Brasil não resolveu todos os seus problemas. Ainda possui um dos quadros mais graves de desigualdade social do mundo. Ainda possui um sistema educacional lamentável e uma taxa alta de analfabetismo muito alta. Mas é inegável o quanto o país avançou. Um bocado da tese do pós-Lula, lançada por Aécio Neves e encampada por José Serra vem disso, da necessidade de construção de um discurso alternativo que não pode simplesmente negar o atual estágio do país.
A discussão proposta por Dilma e pelos responsáveis pela sua campanha quer estabelecer qual foi o conjunto de situações, escolhas e decisões que levaram à construção dessa realidade. Serra dirá que é tudo consequência do Plano Real e da condução da economia durante o governo Fernando Henrique. Que o único mérito de Lula foi ter tido a sabedoria de não alterar esse rumo como prometeu na campanha de 2002 com a Carta aos Brasileiros. E que mais não foi feito pela ineficiência da máquina petista. E que, assim, portanto, ele deve ser eleito porque conseguirá tornar mais eficaz o modelo acelerando o desenvolvimento.
O que Dilma prepara-se para dizer com relação a isso é que o estágio atual do país é fruto das escolhas e decisões que foram tomadas pelo governo Lula. E que provavelmente não teriam sido tomadas por um governo de conformação mais conservadora. Ao resumir o governo Lula, os formuladores da campanha de Dilma o dividem em duas etapas: na primeira, que durou um pouco mais da primeira metade do primeiro mandato, foram criadas as condições para a aceleração da economia, característica da segunda etapa.
Segundo Dilma dirá, quando Lula assumiu o governo, a situação econômica do país era de estagnação e desigualdade. Ao longo dos seus oito anos de governo, Lula conseguiu, então, imprimir ações que derrubaram alguns tabus. O primeiro: aumento de salário gera inflação. O segundo: não dá para crescer distribuindo renda (a velha ideia de que primeiro é preciso crescer para distribuir depois). Na verdade, a campanha de Dilma prepara-se para tentar mostrar que foi justamente por melhorar salários e distribuir renda – aumentando o mercado consumidor interno – que Lula fez o país o crescer. Hoje, 60% do país está acima da classe D, ou seja, pelo menos na classe média.
Na tal primeira etapa, era necessário um voo mais conservador para fazer com que o país recuperasse as condições para a etapa seguinte. O Brasil saneou suas dívidas e recuperou suas reservas. Dilma não dirá – porque, é claro, agora não lhe convém – que divergiu muito do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na intensidade e na extensão da sua ortodoxia naquele momento. Ou seja: se dependesse de Dilma, a primeira etapa talvez tivesse sido mais curta. Mas, se o doutor Palocci, na época, overdosou ou não o paciente, isso hoje importa menos, acredita-se no comando da campanha de Dilma. O importante é que foram criadas as condições para a segunda etapa.
Para o surgimento da nova classe média – que, não sem razão, se tornou o principal esteio eleitoral de Lula –, conjugou-se uma forte política social com uma forte política de crédito. Enquanto a política social garantia às famílias mais pobres o básico, o crédito, associado à estabilidade, assegurou o acesso a bens duráveis e a outros produtos que antes estavam a milhares de quilômetros de distância da possibilidade de consumo dessas pessoas. Em 2003, o crédito disponível no sistema brasileiro girava em torno de R$ 380 bilhões. Em março deste ano, o valor disponível era de R$ 1,4 trilhão. É crédito consignado, crédito para bens duráveis, crédito agrícola, etc. Consumindo, essa população aqueceu a economia e fez o país crescer. E melhorou substancialmente a sua própria qualidade de vida.
Na eleição em 2006, essa realidade já se verificava. E foi principalmente essa nova classe média, essa nova população mais diretamente beneficiada com a condução do governo Lula, que pendeu a balança para fazer com que ele se reelegesse na disputa com Geraldo Alckmin. Agora, Lula não será o candidato. E eis aí o desafio de Dilma: sua tarefa é mostrar ao eleitor que a continuidade dessa situação naturalmente é ela.
O que ela dirá, então, é que Lula a escolheu como sucessora exatamente porque foi ela a operadora dessa segunda etapa do governo, em que, postas as condições básicas, operou-se a tal mudança. Da Casa Civil, era Dilma quem criava – é o que ela pretende demonstrar – as condições para que acontecesse a tal etapa de crescimento econômico com estabilidade e igualdade social. Se era ela, então, quem materializava esse discurso no governo Lula, é ela a melhor escolha de quem quer manter as coisas no mesmo rumo.
Em síntese, esse é o discurso construído. Algumas atitudes da oposição mostram a existência talvez de um certo desconforto em aceitar o debate nesses termos propostos por Dilma e pelo PT. É um sinal de que o discurso pode colar. Se, em outubro, o eleitor sentir-se bem com a sua situação, se entender que ela é fruto das decisões tomadas por Lula, e que a continuação dessas decisões faz mais sentido que venha de alguém ligado a ele, então Dilma terá vencido a parada.
*É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, Rudolfo Lago atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultaram na cassação do senador Luiz Estevão.
As últimas inserções comerciais do PT – as que foram proibidas pela Justiça Eleitoral e as duas outras colocadas no ar substituindo-as – contêm a chave do que será o discurso eleitoral de Dilma Rousseff na disputa pela sucessão do presidente Lula em outubro. Se for ao ar o programa do partido na quinta-feira, 13 de maio (há também uma ação dos partidos de oposição tentando suprimi-lo), um pouco mais poderá ser visto pelo eleitor.
Não se trata simplesmente de buscar estabelecer uma comparação entre o governo Lula e o governo Fernando Henrique. Não se trata simplesmente de um mero campeonato de números entre Dilma, representando a continuidade, e Serra, representante da era FH. É um pouco mais complexo. Mas, se for bem explorado pelos responsáveis pela campanha de Dilma, pode vir a ser mesmo a diferença a marcar a opção de voto nela. O debate a ser posto na mesa por Dilma trata de estabelecer o seguinte: em qual momento o Brasil tomou seu atual rumo de desenvolvimento econômico com estabilidade, crescimento da classe média e do consumo interno, com um papel de maior inserção no cenário internacional?
São dados da realidade que o país atingiu um patamar de estabilidade econômica talvez nunca visto. Que uma imensa parcela da população menos favorecida foi inserida na classe média. Que essa nova classe média fez aquecer a economia, aumentar o consumo interno e melhorar o desempenho das indústrias. Que esse aumento da economia interna não se deu em detrimento das exportações. E que o Brasil hoje não desempenha apenas um papel de mero coadjuvante tímido no cenário internacional. É claro que o Brasil não resolveu todos os seus problemas. Ainda possui um dos quadros mais graves de desigualdade social do mundo. Ainda possui um sistema educacional lamentável e uma taxa alta de analfabetismo muito alta. Mas é inegável o quanto o país avançou. Um bocado da tese do pós-Lula, lançada por Aécio Neves e encampada por José Serra vem disso, da necessidade de construção de um discurso alternativo que não pode simplesmente negar o atual estágio do país.
A discussão proposta por Dilma e pelos responsáveis pela sua campanha quer estabelecer qual foi o conjunto de situações, escolhas e decisões que levaram à construção dessa realidade. Serra dirá que é tudo consequência do Plano Real e da condução da economia durante o governo Fernando Henrique. Que o único mérito de Lula foi ter tido a sabedoria de não alterar esse rumo como prometeu na campanha de 2002 com a Carta aos Brasileiros. E que mais não foi feito pela ineficiência da máquina petista. E que, assim, portanto, ele deve ser eleito porque conseguirá tornar mais eficaz o modelo acelerando o desenvolvimento.
O que Dilma prepara-se para dizer com relação a isso é que o estágio atual do país é fruto das escolhas e decisões que foram tomadas pelo governo Lula. E que provavelmente não teriam sido tomadas por um governo de conformação mais conservadora. Ao resumir o governo Lula, os formuladores da campanha de Dilma o dividem em duas etapas: na primeira, que durou um pouco mais da primeira metade do primeiro mandato, foram criadas as condições para a aceleração da economia, característica da segunda etapa.
Segundo Dilma dirá, quando Lula assumiu o governo, a situação econômica do país era de estagnação e desigualdade. Ao longo dos seus oito anos de governo, Lula conseguiu, então, imprimir ações que derrubaram alguns tabus. O primeiro: aumento de salário gera inflação. O segundo: não dá para crescer distribuindo renda (a velha ideia de que primeiro é preciso crescer para distribuir depois). Na verdade, a campanha de Dilma prepara-se para tentar mostrar que foi justamente por melhorar salários e distribuir renda – aumentando o mercado consumidor interno – que Lula fez o país o crescer. Hoje, 60% do país está acima da classe D, ou seja, pelo menos na classe média.
Na tal primeira etapa, era necessário um voo mais conservador para fazer com que o país recuperasse as condições para a etapa seguinte. O Brasil saneou suas dívidas e recuperou suas reservas. Dilma não dirá – porque, é claro, agora não lhe convém – que divergiu muito do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na intensidade e na extensão da sua ortodoxia naquele momento. Ou seja: se dependesse de Dilma, a primeira etapa talvez tivesse sido mais curta. Mas, se o doutor Palocci, na época, overdosou ou não o paciente, isso hoje importa menos, acredita-se no comando da campanha de Dilma. O importante é que foram criadas as condições para a segunda etapa.
Para o surgimento da nova classe média – que, não sem razão, se tornou o principal esteio eleitoral de Lula –, conjugou-se uma forte política social com uma forte política de crédito. Enquanto a política social garantia às famílias mais pobres o básico, o crédito, associado à estabilidade, assegurou o acesso a bens duráveis e a outros produtos que antes estavam a milhares de quilômetros de distância da possibilidade de consumo dessas pessoas. Em 2003, o crédito disponível no sistema brasileiro girava em torno de R$ 380 bilhões. Em março deste ano, o valor disponível era de R$ 1,4 trilhão. É crédito consignado, crédito para bens duráveis, crédito agrícola, etc. Consumindo, essa população aqueceu a economia e fez o país crescer. E melhorou substancialmente a sua própria qualidade de vida.
Na eleição em 2006, essa realidade já se verificava. E foi principalmente essa nova classe média, essa nova população mais diretamente beneficiada com a condução do governo Lula, que pendeu a balança para fazer com que ele se reelegesse na disputa com Geraldo Alckmin. Agora, Lula não será o candidato. E eis aí o desafio de Dilma: sua tarefa é mostrar ao eleitor que a continuidade dessa situação naturalmente é ela.
O que ela dirá, então, é que Lula a escolheu como sucessora exatamente porque foi ela a operadora dessa segunda etapa do governo, em que, postas as condições básicas, operou-se a tal mudança. Da Casa Civil, era Dilma quem criava – é o que ela pretende demonstrar – as condições para que acontecesse a tal etapa de crescimento econômico com estabilidade e igualdade social. Se era ela, então, quem materializava esse discurso no governo Lula, é ela a melhor escolha de quem quer manter as coisas no mesmo rumo.
Em síntese, esse é o discurso construído. Algumas atitudes da oposição mostram a existência talvez de um certo desconforto em aceitar o debate nesses termos propostos por Dilma e pelo PT. É um sinal de que o discurso pode colar. Se, em outubro, o eleitor sentir-se bem com a sua situação, se entender que ela é fruto das decisões tomadas por Lula, e que a continuação dessas decisões faz mais sentido que venha de alguém ligado a ele, então Dilma terá vencido a parada.
*É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, Rudolfo Lago atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultaram na cassação do senador Luiz Estevão.
Um comentário:
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