A
Globo confirma a saída de Fátima Bernardes do “JN”. No lugar dela deve
entrar Patrícia Poeta – atual apresentadora do “Fantástico”.
Fiz
hoje pela manhã – no twitter e no facebook – algumas observações sobre a
troca; observações que agora procurarei consolidar nesse post. Vejo que
há leitores absolutamente céticos: “ah, essa troca não quer dizer
nada”. Até um colunista de TV do UOL, aparentemente mal infomado, disse o
mesmo. Discordo.
Primeiro ponto:
a Patrícia Poeta é mulher de Amauri Soares. Nem todo mundo sabe, mas
Amauri foi diretor da Globo/São Paulo nos anos 90. Em parceria com
Evandro Carlos de Andrade (então diretor geral de jornalismo), comandou a
tentativa de renovação do jornalismo global. Acompanhei isso de perto,
trabalhei sob comando de Amauri. A Globo precisava se livrar do estigma
(merecido) de manipulação – que vinha da ditadura, da tentativa de
derrubar Brizola em 82, da cobertura lamentável das Diretas-Já em 84
(comício em São Paulo foi noticiado no “JN” como “festa pelo aniversário
da cidade”), da manipulação do debate Collor-Lula em 89.
Amauri
fez um trabalho muito bom. Havia liberdade pra trabalhar. Sou
testemunha disso. Com a morte de Evandro, um rapaz que viera do jornal
“O Globo”, chamado Ali Kamel, ganhou poder na TV. Em pouco tempo,
derrubou Amauri da praça São Paulo.
Patrícia
Poeta no “JN” significa que Kamel está (um pouco) mais fraco. E que
Amauri recupera espaço. Se Amauri voltar a mandar pra valer na Globo,
Kamel talvez consiga um bom emprego no escritório da Globo na Sibéria,
ou pode escrever sobre racismo, instalado em Veneza ao lado do amigo
(dele) Diogo Mainardi.
Conheço
detalhes de uma conversa entre Amauri e Kamel, ocorrida em 2002, e que
revelo agora em primeira mão. Amauri ligou a Kamel (chefe no Rio), pra
reclamar que matérias de denúncias contra o governo, produzidas em São
Paulo, não entravam no “JN”. Kamel respondeu: “a Globo está fragilizada
economicamente, Amauri; não é hora de comprar briga com ninguém”. Amauri
respondeu: “mas eu tenho um cartaz, com uma frase do Evandro aqui na
minha sala, que diz – Não temos amigos pra proteger, nem inimigos para
perseguir”. Sabem qual foi a resposta de Kamel? “Amaury, o Evandro está morto”.
Era a senha. Algumas semanas depois, Amauri foi derrubado.
Kamel foi o ideólogo da “retomada consevadora” na Globo durante os anos Lula. Amauri foi “exilado” num cargo em Nova Yorque. Patrícia Poeta partiu com ele. Os dois aproveitaram a fase de “baixa” pra fazer “do limão uma limonada”. Sobre isso, o Marco Aurélio escreveu, no “Doladodelá”.
Alguns
anos depois, Amauri voltou ao Brasil para coordenar projetos especiais;
Patrícia Poeta foi encaixada no “Fantástico”. Só que Amauri e Kamel não
se falavam. Tenho informação segura de que, ainda hoje, quando se
cruzam nos corredores do Jardim Botânico, os dois se ignoram. Quando são
obrigados a sentar na mesma mesa, em almoços da direção, não dirigem a
palavra um ao outro. Amauri sabe como Kamel tramou para derrubá-lo.
Pois bem. Já há alguns meses, logo depois da eleição de 2010, recebemos a informação de que Ali Kamel estava perdendo poder.
Claro, manteria o cargo e o status de diretor, até porque prestou
serviços à família Marinho – que pode ser acusada de muita coisa, mas
não de ingratidão.
Otavio
Florisbal, diretor geral da Globo, deu uma entrevista ao UOL no primeiro
semestre de 2011 dizendo que a Globo não falava direito para a classe C
(o Brasil do lulismo). Por isso, trocou apresentadores tidos como
“elitistas” (Renato Machado saiu pra dar lugar ao ótimo Chico Pinheiro –
aliás, também amigo de Amauri). A Globo do Kamel não serve mais.
Lembremos que, desde
o começo do governo Lula, a Globo de Kamel implicava com o
“Bolsa-Família”. Kamel é um ideólogo conservador. Por isso, nós o
chamávamos de “Ratzinger” na Globo. É contra quotas nas universidades,
acha que racismo não existe no Brasil. Botou a Globo na oposição
raivosa, promoveu a manipulação de 2006 na reeleição de Lula (por não
concordar com isso, eu e mais três ou quatro colegas fomos expurgados da
Globo em 2006/2007). E promoveu a inesquecível cobertura da “bolinha de
papel” em 2010 – botando o perito Molina no “JN”. Nas reuniões
internas do “comitê” global, ao lado de Merval Pereira, tentava
convencer os irmãos Marinho dos “perigos” do lulismo.
Lula
sabe o que Kamel aprontou. Tanto que no debate do segundo turno, em
2006, nem cumprimentou Kamel quando o viu no estúdio da Globo. Isso me
contou uma amiga que estava lá.
Os irmãos Marinho parecem ter percebido que Kamel os enganou.
O lulismo, em vez de perigo, mudou o Brasil pra melhor. Mais que isso: a
Globo agora precisa de Dilma para enfrentar as teles, que chegam com
muito dinheiro e apetite para disputar o mercado de comunicação. Kamel
já não serve para os novos tempos. Assim como os “pitbulls” Diogo
Mainardi e Mario Sabino não servem para a “Veja”.
Dilma
buscou os donos da mídia, passada a eleição, e propôs a “normalização”
de relações. O governo seguiu apanhando, na área “ética” – é verdade. O
que não atrapalha a imagem de Dilma. Há quem veja na tal “faxina” um
jogo combinado entre a presidenta e os donos da mídia. Será? Dilma
tiraria as “denúncias” de letra (o custo ficaria para Lula e os
aliados). Do outro lado, os “pitbulls” perderiam terreno na mídia. É a
tal “normalização”. Considero um erro estratégico de Dilma. Mas quem sou
eu pra achar alguma coisa. O fato é que a estratégia hoje é essa!
Patricia
Poeta no “JN” parece indicar que a “normalização” passa por Ali Kamel
longe do dia-a-dia na Globo (ele ainda tenta manobrar aqui e ali, mas já
sem a mesma desenvoltura). Isso pode ser bom para o Brasil.
Não é coincidência que a Globo tenha permitido, há poucos dias, aquela entrevista do Boni admitindo manipulação do debate de 89.
A entrevista (feita pelo excelente jornalista Geneton de Moraes Neto)
foi ao ar na “Globo News”. Alguém acha que iria ao ar sem conhecimento
da família Marinho? Isso não acontece na Globo!
Durante
os anos de poder total de Kamel, a Globo tentou “reescrever” o passado –
em vez de reconhecer os erros. Kamel chegou a escrever artigo hilário,
tantando negar que a Globo tenha manipulado a cobertura das Diretas.
Virou piada. Até o repórter que fez a “reportagem” em 84 contou pros
colegas na redação (eu estava lá, e ouvi) – “o Ali é louco de tentar
negar isso; todo mundo viu no ar”.
Ali Kamel nega o racismo, nega a manipulação, nega a realidade. Freud explica.
Agora,
Boni reconhece que a Globo manipulou em 89. Isso faz parte do movimento
de “normalização”. O enfraquecimento de Kamel também faz.
Tudo
isso está nos bastidores da troca de apresentadores do “JN”. Mas claro
que há mais. Há a estratégia televisiva, pura e simples. Fátima
Bernardes deve comandar um programa matutino na Globo. As manhãs são
hoje o principal calcanhar de aquiles da emissora carioca. A Record
ganha ou empata todos os dias. Com o “Fala Brasil”, e com o “Hoje em
Dia”. Ana Maria Braga não dá mais conta da briga – apesar de ainda
trazer muita grana e patrocinadores.
Fátima
deve ter um novo programa nas manhãs. Ana Maria será mantida. Até
porque na Globo as mudanças são sempre lentas – como no Comitê Central
do PC da China. A Globo é um transatlântico que se manobra lentamente.
Se
a Fátima emplacar, pode virar uma nova Ana Maria. O programa dela deve
contar com outras estrelas globais (Pedro Bial, quem sabe?).
A
mudança de apresentadores tem esse duplo sentido: enfraquecimento de
Kamel (que continuará a ter seu camarote no transatlântico global, mas
talvez já não frequente tanto a cabine de comando); e estratégia pra
recuperar audiência nas manhãs.
A conferir.
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