A Privataria Tucana
por Jorge Furtado
Terminei de ler o extraordinário trabalho jornalístico de Amaury Ribeiro
Jr., “A Privataria Tucana”, (Geração Editorial), o livro mais
importante do ano. Para quem acompanha a vida política do país através
de alguns blogs e da revista Carta Capital, não há grandes novidades
além dos documentos que comprovam o que já se sabia: a privatização no
Brasil, comandada pelo governo tucano, foi a maior roubalheira da
história da república. O grande mérito do livro de Amaury é a síntese
que faz da rapinagem, e a base factual de suas afirmações, amparadas em
documentos, todos públicos. Como bom jornalista, Amaury economiza nos
adjetivos e esbanja conhecimento sobre o seu tema: o mundo dos crimes
financeiros.
A reportagem de Amaury esclarece em detalhes como os protagonistas da
privataria tucana enriqueceram saqueando o país. De um lado, no governo,
vendendo o patrimônio público a preço de banana. Do outro, no mercado,
comprando as empresas e garantindo vida mansa aos netos. Entre as duas
pontas, os lavadores de dinheiro, suas conexões com a mídia e com o
mundo político.
Os personagens principais da maracutaia, fartamente documentada, são
gente do alto tucanato: Ricardo Sérgio de Oliveira (senhor dos caminhos
das offshores caribenhas, usadas pela turma para esquentar o dinheiro),
Gregório Marin Preciado (sócio de José Serra), Alexandre Bourgeois
(genro de José Serra), a filha de Serra, Verônica (cuja offshore
caribenha, em sociedade com Verônica Dantas, lavou pelo menos 5 milhões
de dólares), o próprio José Serra e o indefectível Daniel Dantas. Mas o
livro tem também informações comprometedoras sobre o comportamento de
petistas (Ruy Falcão e Antonio Palocci), sobre Ricardo Teixeira e sobre
vários jornalistas.
A quadrilha de privatas tucanos movimentou cerca de 2,5 bilhões de
dólares, há propinas comprovadas de 20 milhões de dólares, dinheiro que
não cabe em malas ou cuecas. O livro revela também o indiciamento de
Verônica Serra por quebra de sigilo de 60 milhões de brasileiros e traz
provas documentais de sua sociedade com Verônica Dantas, irmã de Daniel
Dantas, do Banco Opportunity, numa offshore caribenha.
Alguns destaques do livro:
As imagens do Citco Building, em Tortola, Ilhas Virgens britânicas,
gavetas recheadas de empresas offshore, "a grande lavanderia", pág. 43.
Sobre a pechincha da venda da Vale, na pág. 70.
Sobre o grande sucesso "No limite da irresponsabilidade", na voz de Ricardo Sérgio., pág. 73.
Sobre o MTB Bank e sua turma de correntistas, empresários, traficantes e
políticos de várias tendências, e a pizza gigante de dois sabores (meio
petista, meio tucana) da CPI do Banestado, pág. 75.
Como a privatização tucana fez o governo (com o seu, meu dinheiro), pagar aos compradores do patrimônio público, pág.171.
Como Daniel Dantas (de olho no fundo Previ, comandado pelo governo) usou sua imprensa para ameaçar José Serra, pág. 183.
A divertida sopa-de-nomes das empresas offshore, massarocas intencionais
para despistar a polícia do dinheiro do crime, pág. 188.
Os grandes personagens do sub-mundo da política, arapongas que trabalham a quem pague mais, pág. 245.
Um perfeito resumo do que realmente aconteceu na noite dos aloprados, no Hotel Ibis, em São Paulo, pág. 282.
Um retrato completo do modus operandi da mídia pró-serra na eleição de 2010, a partir da pág. 295.
Outro resumo perfeito, do caso Lunus, quando a arapongagem serrista detonou a candidatura de Roseana Sarney, pág. 314.
Sobre para-jornalistas que acabam entregando suas fontes e sobre fontes que confiam em para-jornalistas, pág. 325.
O índice remissivo e a quantidade de dados que o livro de Amaury
apresenta já o tornaria uma peça obrigatória na biblioteca de quem
pretende entender o Brasil. Mas "A Privataria Tucana" também lança um
constrangedor holofote sobre a grande imprensa brasileira, gritamente
pró-serra, que é cúmplice, ao menos por omissão, da roubalheira que
tornou o país mais pobre e alguns ricos ainda mais ricos.
Imagine você o que esta imprensa – que gasta dúzias de manchetes e
longos programas de debate na televisão numa tapioca de 8 reais ou em
calúnias proferidas por criminosos conhecidos - diria se um filho de
Lula, Dilma ou qualquer petista fosse réu em processo criminal de quebra
de sigilo bancário. Segundo o livro de Amaury (e os documentos que ele
traz) a filha de José Serra é ré em processo criminal por quebra de
sigilo bancário. (p. 278)
O ensurdecedor silêncio dos grandes jornais e programas jornalísticos
sobre o livro “A privataria tucana” é um daqueles momentos que nos faz
sentir vergonha pelo outro. A imprensa, que não perde a chance - com
razão - de exigir liberdade para informar, emudece quando a verdade
contraria seus interesses empresariais e/ou o bom humor de seus grandes
anunciantes. Onde estão as manchetes escandalosas, as charges de humor
duvidoso, os editoriais inflamados sobre a moralidade pública? Afinal,
cadê o moralista que estava aqui?
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