Caso
Serra seja o escolhido nas prévias do PSDB para concorrer à Prefeitura
de São Paulo, será também escolhido o mais novo lema do partido: em time
que está perdendo não se mexe. A pior forma de solidão é a companhia de
José Serra. É por isso que o PSDB está na iminência de cometer mais um
erro político: escolhê-lo como candidato a prefeito de São Paulo. O
candidato derrotado por Dilma Rousseff de maneira acachapante não prima
por ser um homem partidário. Não custa lembrar o que ele fez na última
eleição para prefeito de São Paulo: apoiou um candidato de outro
partido, Gilberto Kassab, fazendo tudo para que Geraldo Alckmin, o
candidato do PSDB, fosse derrotado.
É
impressionante que haja tucanos dispostos a apoiar um político que fez
isso. Aliás, trata-se de um comportamento inimaginável no PT. Se Geraldo
Alckmin não tivesse sido candidato a prefeito em 2008, contra a vontade
de Serra, provavelmente ele não seria hoje o governador de São Paulo. É
preciso sublinhar a gravidade desse comportamento e chamar a atenção
para o fato de Serra ter traído os interesses de seu partido em 2008.
Vale repetir: ele não apoiou o candidato de seu partido na última
eleição para prefeito, ele apoiou um candidato de outro partido, de um
concorrente do PSDB. Não se tratou de algo sem consequências para o
PSDB. Isso contribuiu para que o partido perdesse votos e densidade
política.
omportamentos
antipartidários não param aí. Enquanto exerceu o cargo de prefeito e de
governador, houve muito pouco espaço para importantes deputados
federais do PSDB de São Paulo que hoje fazem um excelente trabalho como
secretários de Estado de Alckmin. Tais secretários são homens
partidários de primeira qualidade que foram colocados quase inteiramente
de lado no período em que Serra governou São Paulo.
A
falta de compromisso do candidato derrotado com seu partido tem como um
dos maiores símbolos as suas campanhas eleitorais para presidente.
Serra jamais defendeu o que foi realizado por Fernando Henrique Cardoso.
A propósito, a importância política que Serra passou a ter no cenário
nacional deve muito a FHC. Não tivesse ele sido ministro da Saúde,
dificilmente teria alcançado o "recall" que possibilitou sua primeira
candidatura a presidente em 2002. Porém, Serra não se sente devedor de
ninguém, nem mesmo de um ex-presidente. Nas campanhas eleitorais de 2002
e de 2010, ele ignorou solenemente tudo o que foi feito quando o Brasil
foi governado pelo PSDB. O ponto culminante desse comportamento
antipartidário foi quando Serra colocou em sua propaganda eleitoral de
2010 ninguém menos do que Lula.
Aliás,
a campanha de 2010 foi absolutamente sofrível. O candidato derrotado
não permitiu que seu partido tivesse nenhum controle sobre a propaganda;
ele tomou sozinho todas as decisões importantes. Justamente por isso
ele negou ser um tucano. Ele não fez uma campanha para presidente, mas
para prefeito de cidade pequena. Não falou de grandes temas como o
consumo da população pobre, mas somente de questões provincianas, tais
como mutirões de cirurgia de próstata, varizes e cataratas, dois
professores por sala de aula, 400 quilômetros de metrô nas principais
capitais, multiplicação de Fatecs pelo Brasil afora, enfim, um rosário
interminável de questiúnculas irrelevantes para o eleitor médio. Não por
acaso foi humilhado por Dilma nas urnas. Quando tratou do tema das
privatizações, Serra acusou o PT de ser privatista, ou seja, ele negou
de forma veemente ser favorável a algo que foi muito importante no
governo de FHC.
Serra
é tão desagregador que a simples colocação de seu nome como
pré-candidato já resulta em uma importante cizânia interna. No último
fim de semana foi amplamente noticiada pela mídia uma discussão pública
entre o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e o senador Aloysio Nunes. O
motivo do conflito público, obviamente, gravitava em torno de Serra. A
natureza desagregadora de Serra é amplamente conhecida no meio político.
Na famosa entrevista que FHC deu a "The Economist" em janeiro, o
ex-presidente chamou a atenção para o fato de que não foi possível
sequer unir todo o partido em torno de Serra em 2010. Se isso acontecer
novamente nas eleições para prefeito de São Paulo, será mais uma prova
da dificuldade que os tucanos têm de aprender com os próprios erros.
O
comportamento político recente de Serra mostra que ele não é confiável
para o PSDB. Assim, caso o PSDB o escolha candidato a prefeito em 2012,
estará optando por perder a eleição qualquer que seja o resultado dela. É
uma obviedade que, se o candidato Serra perder, se tratará de mais uma
derrota para os tucanos. Porém, se Serra for eleito, também será uma
derrota. Uma vez na prefeitura e diante da eleição para governador de
Estado em 2014, caso Kassab seja candidato enfrentando Alckmin, o
prefeito da capital vai apoiar Kassab. Ele já fez isso uma vez, o que
torna mais fácil ainda fazer uma segunda vez. Ainda mais quando se sabe
que a entrada de Serra no páreo das prévias em muito deve aos movimentos
políticos de Kassab.
Caso
Kassab seja candidato em 2014 e Serra o apoie, a tarefa de Geraldo
Alckmin rumo à reeleição será muito mais arriscada. Kassab,
diferentemente do PT, disputa o mesmo eleitorado de Alckmin. Isso está
mais do que provado pelo resultado eleitoral da última eleição para
prefeito na capital paulista. Kassab, junto com Serra em 2014, vai tirar
votos do atual governador fazendo com que a eleição ocorra entre três
candidatos competitivos e não somente dois, como seria o caso de uma
disputa entre o PT e o PSDB. É exatamente por isso que Kassab quer muito
que Serra se torne prefeito de São Paulo.
Adicionalmente,
Serra já declarou que o sonho dele de se candidatar a presidente está
adormecido. O que está adormecido pode acordar a qualquer momento, basta
um despertador com um som alto o suficiente. Serra prefeito será uma
pedra no sapato de Aécio Neves. Enganam-se os que acham que Serra é
controlável e, uma vez na prefeitura, ele vai apoiar de maneira decidida
e inquestionável Aécio. É mais fácil acreditar na existência de Papai
Noel. Serra fará com Aécio no futuro o que fez com Fernando Henrique no
passado: não o defenderá. Serra vai agir politicamente para prejudicar
ao máximo Aécio.
A
eventual escolha de Serra para ser o candidato do PSDB estará mais
baseada no medo de perder as eleições do que na disposição de se renovar
e dar ares novos para o partido. O PT tem se renovado e o PSDB não.
Pode-se dizer tudo de Dilma, menos que ela não é renovação. Lula
escolheu uma pessoa que nunca tinha disputado uma eleição, mais
renovação é impossível. O mesmo está ocorrendo agora para a Prefeitura
de São Paulo. A escolha do PT foi a favor da renovação - buscou-se um
político inteiramente novato em eleições. Funcionou com Dilma e pode
funcionar novamente.
A
possível escolha de Serra como candidato terá a função de diminuir o
medo que o PSDB tem de perder as eleições. De um lado medo e falta de
ousadia, de outro Lula com sua enorme capacidade de arriscar e apostar. O
medo dos tucanos é tecnicamente infundado. No Município de São Paulo
qualquer candidato do PT ou do PSDB será eleitoralmente competitivo. Não
é preciso ser um estudioso da geografia eleitoral da cidade nem dos
resultados das últimas eleições para prefeito para detectar que PT e
PSDB têm, cada um, pelo menos 30% de votos certos. Lula tomou a decisão
tecnicamente correta. Os tucanos, como de costume, movem-se orientados
pela cautela e pelo medo.
Todos
se recordam de que Serra derrotou Marta na eleição para prefeito de
2004. Poucos se lembram, todavia, que foi uma eleição muito difícil e
que no primeiro turno Marta cresceu mais do que Serra. Além disso,
quando em 2009 as pesquisas testavam separadamente os nomes de Serra e
Alckmin para governador de São Paulo, Alckmin, que não era governador,
se saía melhor do que Serra, que era o governador. Ou seja, Serra é um
político sem carisma. Até pode ganhar uma eleição, mas é um processo bem
mais sofrido do que quando o PSDB lança um candidato simpático e com
carisma.
A
derrota de Serra nas prévias é improvável, mas possível. Não há nenhuma
pesquisa feita junto aos habilitados a votar. A cobertura de mídia
desse evento foi muito ruim. Não houve sequer uma matéria baseada em uma
boa apuração do que pensam aqueles que vão escolher o candidato tucano a
prefeito. A mídia se limitou a cobrir a disputa dentro da elite
política. Há muito tempo, no Brasil, os de baixo deixaram de ser
carneirinhos nas mãos dos de cima. Os filiados com direito a voto no
PSDB não vão necessariamente seguir esta ou aquela liderança. O voto no
Brasil de hoje é muito menos controlado do que pensam muitos de nossos
analistas. Foi graças a isso que Lula chegou ao poder, será somente
graças a isso que o PSDB vai de fato se renovar.
Quanto
a uma eventual vitória de Serra nas prévias, Lula e o PT agradecem.
Afinal, o PSDB terá consagrado seu mais novo lema: "Em time que está
perdendo não se mexe".
Alberto Carlos Almeida,
sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do
Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo". E-mail:
alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida
No Valor Econômico
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