Relações
incestuosas e, portanto, desvirtuadas entre jornalistas e fontes já
causaram prisões e fecharam uma publicação secular. Na Inglaterra, ano
passado. Diretora executiva da News Corp., o conglomerado de mídia do
magnata Ruppert Murdoch, a jornalista Rebekah Brooks chegou a ser presa
pela polícia inglesa, interrogada por 12 horas e libertada sob fiança
somente após contar o que sabia a respeito do trabalho de apuração que
incluía escutas ilegais sobre personalidades do país e aquisição de
informações com policiais mediante pagamentos em dinheiro.
O
jornal The News of the World, que veiculava o material obtido na maior
parte das vezes por aqueles métodos, teve de ser fechado por Murdoch,
depois de mais de cem anos de publicação, por força dos protestos dos
leitores e do público em geral. Eles se sentiram ultrajados com o,
digamos, jeitinho que a redação agia para obter seus furos. Os patrões
Ruppert e seu filho James precisaram dar explicações formais ao
Parlamento Britânico sobre as práticas obscuras. Ali, foram humilhados
até mesmo por um banho de espuma a contragosto.
No
Brasil, neste exato momento, a revista impressa de maior circulação do
país está com seus métodos de apuração igualmente colocados em xeque.
Afinal, o caso das duzentas ligações telefônicas grampeadas pela
Polícia Federal, nas investigações da Operação Monte Carlo, envolve num
circuito fechado, e privilegiado, um contraventor especializado em se
infiltrar em grandes estruturas do establishment e o atual número dois
da revista. O jornalista Policarpo Jr., que acumula o cargo de diretor
da sucursal de Brasília, pode até ser visto como o número três ou
quatro na hierarquia interna, à medida em que, em seu último arranjo de
poder, o diretor de redação Eurídes Alcântara estabeleceu o singular
modelo de ter três editores-chefe na publicação. Mas com pelo menos
quinze anos de serviços prestados à revista no coração do poder,
Policarpo, reconhece-se, é “o cara”. Ele foi repórter especial e seu
estilo agressivo de atuar influenciou a atual geração de profissionais
de Veja. Eles são temidos por sua capacidade de levantar escândalos,
promover julgamentos morais e decretar o destino de reputações. A
revista, a cada semana, se coloca como uma espécie de certificadora da
moral e dos bons costumes no País, sempre pronta a baixar a marreta
sobre o que julga fora dos seus padrões.
O
problema, para Veja, é que o jogo de mão entre Policarpo Jr. e
Carlinhos Cachoeira pode ter sido pesado, apesar de ainda não estar
claro. O silêncio da revista a respeito não contribui em nada para o
seu esclarecimento. A aparente relação de intimidade pessoal entre
editor-chefe e o contraventor não apenas não é um fato como outro
qualquer, como pode ser a ponta do maior escândalo de mídia já visto no
Brasil. A não publicação, na edição de Veja que está nas bancas, da
surpreendente descoberta de ligações perigosas entre o senador
Demóstenes Torres (DEM-GO) – que na terça-feira 26, sob intensa
pressão, renunciou ao posto de líder do partido no Senado – e Cachoeira
acentuou a percepção generalizada de que o bicheiro e o jornalista
tinham um ou alguns pactos de proteção e ajuda. Será?
Em
nome de ter a notícia em primeira mão, é admissível, do ponto de vista
ético, ao profissional da mídia, manter relacionamentos privilegiados
com quem ele considerar importante para este fim. Inclusive
contraventores. O que não é eticamente aceitável é fazer com que esses
relacionamentos derivem para a não publicação de notícias ou a
divulgação parcial dos fatos.
O
ex-governador José Serra, recentemente, foi apontado pelo ex-ministro
em plena queda Wagner Rossi como um dos pauteiros (aquele que define os
assuntos a serem abordados) de Veja. Pode ter sido um efeito de
retórica do Rossi flagrado pela revista como dono de uma mansão
incompatível com seu histórico de homem público. Mas jamais, como agora,
houve a suspeita real de que um contraventor pudesse exercer o mesmo
papel de, digamos, pauteiro externo da revista. A interrogação é
procedente à medida em que, especialmente em Brasília, circulam rumores
de que Policarpo comentaria abertamente com Cachoeira os assuntos que
seriam abordados em edições futuras da revista e as angulações
editoriais das reportagens.
Para
qualquer um que trabalhe com informação, conhecer por antecipação o
conteúdo de Veja é uma grande vantagem competitiva. Um assessor de
imprensa, por exemplo. A posse desse tipo de ativo pode representar a
diferença entre um bom contrato e nenhum contrato. Se se abre o espaço
para a indicação de assuntos, então, ai o lobista entra no paraíso,
passando a ter condições de posicionar seus interesses em espaços nobres
que vão da capa à última folha do papel tipo bíblia de Veja, passando
pela prestigiada sessão de entrevistas, as páginas amarelas. Será?
Na
Inglaterra, em meio às primeiras informações sobre o real modo de agir
dos jornalistas do The News of the World, a primeira reação da casa
foi também a de silêncio. Em seguida, negativas. Mas os desdobramentos
do caso, que incluíram o suicídio de um ex-alto funcionário do governo
britânico, levantaram o véu da farsa e a verdade, finalmente, mostrou
sua face. Na versão tupi, a suspeita é de que tenha ocorrido, entre
Policarpo e Cachoeira, bem mais do que acontece num relacionamento
normal entre jornalista e fonte de informação. Cachoeira, via
Policarpo, talvez tenha se tornado um observador privilegiado da
construção semanal da pauta política da revista, especialmente durante a
eclosão do escândalo do mensalão, como afirmou ao 247 o ex-prefeito de
Anápolis, Ernani de Paula.
Em
nome de ter a notícia em primeira mão, é admissível, do ponto de vista
ético, ao profissional da mídia manter relacionamentos privilegiados
com quem ele considerar importante para este fim. Mas quase nunca é
aceitável fazer com que esses relacionamentos derivem para a não
publicação de notícias ou a divulgação parcial dos fatos.
Normalmente,
o mundo político espera uma edição da revista Veja para conhecer o
conteúdo que ela apresenta sobre os outros. Neste final de semana, o
que se quer saber é o que Veja falará dela mesma.
Do Grupo Beatrice.
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