Em editorial publicado hoje (08/05), O Globo, no afã de defender
sua comparsa de denúncias e factoides, a revista Veja, sobe o tom dos
ataques da mídia corporativa contra a blogosfera (veja reprodução
comentada no blog da Maria Frô).
A peça, que vem com as digitais do “imortal” Merval Pereira, intitula-se
“Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, e é nosso dever admitir que, ao
menos no título, está certa. Com efeito, o megaempresário proprietário
do jornal sensacionalista News of the World é acusado tão-somente
de grampear meio mundo no Reino Unido, enquanto as acusações que pesam
sobre a publicação de Civita são muito mais sérias - pois, como aponta
Luis Nassif, "A parceria com Veja tornou Cachoeira o mais poderoso
contraventor do Brasil moderno, com influência em todos os setores da
vida pública".
Quem te viu, quem te vê: O Globo, um jornal sempre tão sensível
às denúncias de corrupção, agora que a casa cai descarta como
insignificante o envolvimento de Veja com o maior contraventor de nossos
dias...
Folha corrida
Em post
histórico, Nassif, que tem o mérito indiscutível de ter revelado com
grande antecedência o grau de perversidade das práticas de Veja -
sofrendo retaliações judiciais e ataques a sua família -, elenca nada
menos do que nove suspeitas "que necessitam de um inquérito policial
para serem apuradas", advindas das relações da publicação com Daniel
Dantas e com Carlos Cachoeira. Há desde invasão de quarto de hotel até
publicação de matéria falsa, passando por tentativa de manipulação da
Justiça e negligência para informar o público como forma de beneficiar o
esquema do bicheiro nos Correios.
Temos, portanto, uma vez mais, de concordar com o perspicaz
editorialista: “Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé”.
Tática desqualificadora
O Globo – que ajudou a repercutir quase todas as denúncias de Veja
contra o governo federal – abre o editorial cuspindo fogo: “Blogs e
veículos de imprensa chapa branca que atuam como linha auxiliar de
setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a
revista 'Veja'”.
É a mesma lenga-lenga de sempre, tentar desautorizar a opinião
divergente desqualificando-a como ideológica e partidariamente engajada
(como se as do jornal não o fossem...). Pior: trata-se de uma dupla
mentira. Primeiro, porque qualquer analista que se dedicar a examinar,
com isenção, os blogs até agora citados neste post – o de Maria Frô, o
de Nassif e este aqui -, além de vários outros, há de constatar a
presença de diversos textos críticos em relação ao governo federal
(sendo que cansei de ler acusações raivosas, por parte de governistas, a
mim e a Frô devido a nossas ponderações).
Jornalismo partidário
A outra mentira é a afirmação de que se trata de uma “campanha
organizada”. O que move a maioria absoluta da blogosfera não é uma
inexistente palavra de ordem partidária, mas a genuína indignação pelo
estado a que chegou o jornalismo brasileiro após uma década de ação
irracional, não profissional, esta sim partidarizada (como a própria
Judith Brito, executiva do Grupo Folha e sindicalista patronal, admitiu,
com a insolência característica).
Uma ação, por um lado, descaradamente engajada na defesa do grande
capital, do demotucanato e do mercado financeiro (como a reação ante o
corte de juros promovido pelo governo federal ilustra de forma
inconteste); por outro lado, hidrófoba no trato com tudo o que diga
respeito a avanços sociais, democracia racial e o cumprimento, ainda que
tímido, do programa das forças de centro-esquerda que venceram, de
forma legítima, as eleições.
Inverdades a granel
Esperar que o editorialista de O Globo admitisse tais fatos seria
o cúmulo da ingenuidade. Ao invés disso, ele prefere gastar parágrafos
numa digressão sobre ética jornalística em que, citando até os
“Prinípios Editoriais das Organizações Globo” - pausa para a gargalhada –
faz uma tremenda ginástica verbal para fingir não apenas que os
procedimentos de Veja não pertencem à esfera criminal, mas que são eticamente legítimos. Mais cara de pau impossível.
Por fim, o editorial recorre a mais uma inverdade, ao afirmar que “não houve desmentidos das reportagens de 'Veja'
que irritaram alas do PT”, emendando com uma das poucas afirmações
verdadeiras da peça: “Ao contrário, a maior parte delas resultou em
atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e
funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma
faxina ética.”
Dilma e a mídia
Neste ponto só nos resta lamentar, por um lado, que o editorialista de O Globo
trate seus leitores como idiotas, ao negligenciar-lhes o fato óbvio de
que houve um cálculo político – em que pesou o receio de que o
bombardeio denuncista midiático pudesse afetar a governabilidade e o
grau de aprovação da administração – a motivar a decisão de Dilma em
relação à maioria das demissões.
Por outro lado – e provando inverídica, uma vez mais, a acusação de
chapa-branquismo – é preciso reafirmar nossa posição contrária à maneira
como Dilma Rousseff administrou suas relações com a mídia no primeiro
ano de seu governo, cortejando-a e cedendo com tibieza às pressões
advindas das denúncias e factóides, ao invés de reagir de forma
condizente e fazer valer o poder do Executivo no sentido de pressionar
por um jornalismo ético.
Crise de confiança
A blogosfera política é muito mais ampla e diversificada do que O Globo
quer fazer crer – e ele poderia facilmente constatar tal fato se se
propusesse a praticar jornalismo de verdade ao invés de se enlamear em
tramas fantasiosas, denuncismo tendencioso e associações suspeitas.
O crescimento e o peso crescente da blogosfera e das redes sociais como
fatores de contrainformação não pode ser explicado pela fórmula
simplista do engajamento partidário. Tal sucesso advém, em larga medida,
justamente da descrença no consórcio Abril-Rede Globo-Grupo Folha,
descrença esta que tende a se difundir exponencialmente à medida que as
reportagens da TV Record sobre a Veja atingirem um público exponencialmente maior.
Um editorial como o de O Globo de hoje só açula o descrédito e a desconfiança em relação ao jornalismo que o jornal pratica e que endossa.
Maurício CaleiroNo Cinema & Outras Artes
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