Luis Fernando Veríssimo
Já existe dia de quase tudo. Ou quase todos. Começou com o Dia das Mães.
Um americano, cujo nome até hoje é reverenciado onde quer que diretores
lojistas se reúnam, mas que no momento me escapa, foi o inventor do Dia
das Mães. Fez isso pensando na própria mãe.
Naquela mulher extraordinária que o carregara no ventre durante nove
meses sem cobrar um tostão, que o amamentara, que o embalara em seu
berço, costurara a sua roupa, forçara óleo de rícino pela sua goela
abaixo e uma vez, quando o descobrira dando banho no cachorro no panelão
de sopa, quebrara uma colher de pau na sua cabeça. Sim, aquela mulher
que se sacrificara por ele sem pedir nada de volta, mas que agora exigia
uma mesada maior porque estava perdendo demais nos cavalos. De nada
adiantara o seu protesto.
- Não posso, mamãe. Os negócios não vão bem.
- Não interessa.
- Nós só ganhamos dinheiro mesmo no Natal. No resto do ano...
E então o rosto dele se iluminara. Tivera uma idéia. A mãe não entendeu e
espalhou para os seus amigos no hipódromo que o filho finalmente
perdera o juízo que tinha. Mas a idéia era brilhante. Ele a apresentou
numa reunião de varejistas naquele mesmo dia.
- Precisamos criar dois, três, muitos Natais!
- Espera aí - disse alguém. - Mas só houve um Jesus Cristo.
- E os apóstolos? São doze apóstolos. Cada um também não tinha o seu aniversário?
- Mas ninguém sabe o dia.
- Melhor ainda. Inventaremos, todo mês, o aniversário de um apóstolo. Teremos natais o ano inteiro!
Mas a idéia não agradou. Apóstolo não tinha o apelo de vendas de um
Jesus Cristo. Mesmo assim, a idéia de criar outras datas para os
fregueses se darem presentes era boa. Era preciso motivar as pessoas.
Era preciso forçar as vendas. Era preciso ganhar mais dinheiro. Nem que
fosse para a mãe perder nos cavalos.
- Aquela bruxa velha - murmurou ele.
- O que foi?
- Estava pensando na mãe.
- A mãe! É isso!
- O quê?
- A mãe! O Dia das Mães. Você é um gênio!
Foi um sucesso. Ninguém podia chamar aquilo de oportunismo comercial,
pois ser contra o Dia das Mães equivaleria a ser contra a Mãe como
instituição. Isto chocaria a todos, principalmente às mães. Que, como se
sabe, formam uma irmandade fechada com ramificações internacionais.
Como a Máfia. As mães também oferecem proteção e ameaçam os que se
rebelam contra elas com punições terríveis que vão da castração
simbólica à chantagem sentimental. Pior que a Máfia, que só joga as
pessoas no rio com um pouco de cimento em volta.
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