sexta-feira, 6 de julho de 2012

DEMOCRATURA.

 
 

No Paraguai ou no Egito, tudo sempre pode acabar em ‘democratura’


Pepe Escobar (Asia Times Online)

No plano geopolítico, todos os progressistas – da América do Norte e do Sul, ao mundo árabe – bem fariam se começassem a pensar sobre como aconteceu que, a partir de junho de 2009, quando do golpe contra Manuel Zelaya em Honduras, a América Latina foi transformada em uma espécie de laboratório gigante, no qual se testam todos os tipos de mutações e variantes de golpes “democráticos” de estado.

Comecemos com uma bomba. Aconteceu no Paraguai um golpe de estado novinho em folha, contra o presidente eleito Fernando Lugo. Passou praticamente sem registro na mídia-empresa global.

Surpresa? Não. Telegrama da embaixada dos EUA em Assunção, de março de 2009, revelado por WikiLeaks, já trazia informes detalhados de como oligarcas paraguaios davam tratos à bola para montar um “golpe democrático” no Congresso, para depor Lugo.

Naquele momento, a embaixada dos EUA constatava que as condições políticas não eram ideais para o golpe. Destacado articulador golpista, naquele momento, era o ex-presidente Nicanor Duarte (2003 a 2008), severamente criticado pelos governos progressistas na América do Sul por ter aberto as portas do Paraguai a Forças Especiais dos EUA para que ministrassem “cursos educacionais” em solo paraguaio, além de “operações domésticas de manutenção da paz” e de “treinamento para contraterrorismo”.

Esse movimento das Forças Especiais dos EUA acontecia décadas depois de “um dos nossos [deles] filhos-da-puta”, afamado general-ditador Alfredo Stroessner (que permaneceu no poder de 1954 a 1989) ter permitido a criação de uma pista de pouso gigantesca, semiclandestina, próxima da Tríplice Fronteira Argentina-Brasil-Paraguai – que adiante seria usada na guerra às drogas e, depois, na guerra ao terror.

Assim sendo, ninguém se surpreenderá ao saber que os EUA foram o primeiro governo a reconhecer os golpistas da semana passada como novo governo paraguaio.

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DIVIDIR O BOLO?

Os egípcios progressistas estão-se dando conta agora de que novas democracias exigem anos, às vezes décadas, de íntima convivência com o pesadelo da ditadura. Aconteceu, por exemplo, no Brasil – hoje universalmente saudado como nova potência global. Durante os anos 80 e 90, houve alguma modalidade de redemocratização de algumas instituições. Mas o Brasil, por anos a fio, continuou sem ser melhor democracia do que antes – economicamente, socialmente e culturalmente.

O país teve de esperar longos 17 anos – até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegar à presidência, pela primeira vez, em 2002 –, quando o Brasil afinal pôde começar a trilhar o caminho que levará o país a ser menos escandalosamente desigual do que nos sonhos das rapaces elites locais.
O mesmo processo histórico opera agora no Egito e no Paraguai. Os dois países enfrentaram décadas de ditadura. Quando uma ditadura entra nos estertores finais, nas vascas da morte, só partidos políticos unidos ao – ou tolerados pelo – antigo regime estão em posição interessante para aproveitarem-se da longa e sempre tortuosa transição até a democracia. Certos países então se convertem no que Emir Sader, cientista político brasileiro, apelidou de “democraturas”.

Aplica-se bem ao Partido Liberal no Paraguai e à Fraternidade Muçulmana no Egito. Nas eleições presidenciais no Egito, concorreram um ex-ministro do governo de Hosni Mubarak e um quadro da Ikhwan (Fraternidade Muçulmana). Resta saber: (a) se o orwelliano Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito permitirá que essa nova democratura venha algum dia a ser democracia real; e (b) em que medida a Ikhwan está realmente comprometida com a ideia de democracia.

O Paraguai estava em estágio mais avançado que o Egito. Mesmo de pois de quatro anos de uma eleição presidencial democrática, o Congresso continuava dominado por dois partidos amigos-de-ditaduras, o Partido Liberal e o Partido Colorado. A operação foi mamão com açúcar, e essa oligarquia bipartidária conseguiu derrubar o governo de Lugo.

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