Por Mair Pena Neto
De todas as manifestações sobre o ingresso da Venezuela no
Mercosul, a mais lúcida e transparente me pareceu a do presidente
uruguaio José Mujica, que a classificou como resposta ao Congresso
paraguaio, que destituiu o presidente Fernando Lugo, e ao surgimento de
novos elementos políticos.
Política é a palavra chave. O Mercosul e a Unasul não são apenas
blocos de interesses comerciais. O mundo não se guia apenas pelo
comércio ou pela economia. As tentativas neste sentido estão aí,
palpáveis, com a crise de gigantescas proporções que assombra o mundo.
Parafraseando o assessor de campanha de Clinton, James Carville, que
cunhou a famosa expressão “É a economia, estúpido!”, para destacar o
impacto da saúde econômica nos resultados eleitorais, diria que “É a
política, estúpido!” quem precisa orientar decisões de governos que
desejam se manter soberanos.
O que Mujica buscou dizer é que o Mercosul corria risco com a
ascensão do governo ilegítimo do Paraguai, que ameaçava contaminar o
bloco ao ignorar suas gestões em prol da legitimidade democrática
naquele país. A decisão do ingresso da Venezuela no Mercosul foi tomada
em 2006, mas o Senado paraguaio, cujo caráter o mundo todo conheceu no
processo sumário de deposição de Lugo, vinha impedindo sua consolidação.
Pelo aspecto puramente comercial, não havia como rejeitar o ingresso
venezuelano, já que o tamanho de sua economia e sua riqueza petrolífera
só contribuiriam para fortalecer o bloco e seus projetos de integração. A
barreira imposta pelo Senado paraguaio era política. A mesma que se viu
por aqui entre forças minoritárias no Congresso nacional. No avanço de
setores progressistas na América do Sul, o Congresso paraguaio ficou
como bastião conservador, uma espécie de UDN ou DEM ao sul do
continente.
O golpe “constitucional” contra Lugo, que ficou isolado em meio às
forças retrógradas do país, foi também um golpe contra o Mercosul e a
Unasul, que precisavam reagir politicamente à ameaça. E o fizeram de
forma clara, dentro dos princípios de respeito à democracia que regem os
grupos. O Paraguai foi suspenso - no âmbito do Mercosul sua expulsão
jamais foi cogitada - e a Venezuela admitida, como desejavam Brasil,
Argentina e Uruguai, que foram unânimes em aprovar seu ingresso.
Mujica conta que na reunião entre os presidentes dos três países
surgiram os “novos elementos políticos”, que evidenciaram que “o
político superava largamente o jurídico”. O presidente uruguaio se
referia a marcos iniciais do Mercosul, que remetem à hegemonia
neoliberal dos anos 90 e que ficaram para trás. O Mercosul e a Unasul
precisam refletir os novos tempos no continente. E eles vão muito além
das relações comerciais, preocupando-se também com infraestrutura,
industrialização, defesa, finanças e saúde, entre outros.
Essa nova concepção se fundamenta na visão de governos progressistas,
que se tornaram majoritários no continente, e precisam estar unidos e
atentos para evitar retrocessos, como o que se viu em Honduras, como o
que acaba de acontecer no Paraguai e que foi tentado, sem sucesso, na
Bolívia e no Equador.
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