segunda-feira, 2 de julho de 2012

EUA sustentam ditadura militar no Egito


Paulo Moreira Leite

Se você está preocupado com as causas do golpe militar no Egito, que já traiu as principais conquistas da primavera árabe, vale a pena ler um artigo de Sara Khorshid, publicada no New York Times e reproduzido na edição de hoje (21/06) do Estadão.

O texto tem a utilidade de desmontar mentiras estabelecidas sobre o que está ocorrendo naquele país.

A principal é mostrar que a força por trás do golpe militar não é uma suposta falta de cultura democrática do país, como a maioria dos antropólogos de botequim gosta de afirmar.

O artigo de Sara Khorshid recorda que os militares são sustentados pelo governo americano, com uma ajuda anual de US$ 1,8 bilhão por ano. Essa ajuda foi restaurada após a revolução e é ela que garante o poder supremo dos generais. Sem esse dinheiro, eles teriam sido escorraçados.

O povo, como se vê nos jornais, está na rua berrando a todos pulmões que quer democracia. Compareceu em massa às urnas. Denunciou fraudes e tentativas. Mas isso não interessa a todos.

Como o repórter José Antonio Lima demonstrou após uma viagem ao Cairo, onde cobriu a revolução, as verbas americanas garantem até um constrangedor reforço mensal no soldo dos generais, que embolsam milhares de dólares por mês e vivem como nababos numa terra de miseráveis.

Também permitem a aquisição de equipamentos modernos, ajudando a fazer do Exército o verdadeiro pilar do Estado Nacional, uma força que ninguém ousa desafiar.

Corrupto e autoritário, Hosni Mubarack era um fantoche nas mãos desse poder militar. Os recentes arranjos no Egito se destinam a manter essa situação. A ideia é transformar o novo presidente num Mubarack com votos. Por isso o resultado do segundo turno presidencial está demorando. Por trás da vontade popular, tenta-se negociar um acordo nos bastidores.

Falta de cultura democrática? Nada disso. Excesso de dólares no bolso de quem não quer democracia.

A noção de que os povos árabes são intolerantes e dão pouco valor à democracia integra uma das noções típicas do pensamento neo-conservador de nossa época e costumam ser transmitidos, de jornal em jornal, de comentarista para comentarista, como se fossem uma verdade científica.

Essa visão foi elaborada no início dos anos 90, num artigo célebre, Choque de Civilizações, de um professor americano chamado Samuel Huntington.

Para Huntington, o grande conflito de nossa época envolve valores culturais e morais – e não mais ideologias. Essa visão tem uma utilidade política clara. Serve para justificar o esforço norte-americano para manter seu domínio imperial em várias partes do mundo, inclusive no Oriente Médio. Em vez de dizer que os EUA querem petróleo, Huntington garante que querem defender valores moralmente mais elevados. .

O problema é que os compromissos externos dos EUA com valores democráticos são determinados por interesses concretos, que não se submetem aos caprichos da antropologia cultural. Podem ser abandonados quando não tem maior serventia, como acontece no Egito.

A manutenção de uma ditadura militar no Egito é de extremo interesse dos EUA. Contribui para preservar as boas relações com Israel, prioridade número 1 dos EUA naquela parte do mundo.

Por essa razão, a Casa Branca até fechou os olhos para uma lei do Congresso que limita a ajuda militar a regimes que defendem liberdades fundamentais. Já assegurava isso nos tempos de Mubarack e segue na mesma linha, quando o ditador já foi destronado.
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