Faltando menos de um mês para o início do julgamento do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), os advogados que defendem os 38 réus na Ação Penal nº 470 esperam dos 11 ministros da corte uma análise técnica do caso – e acreditam que, se ela ocorrer, praticamente não haverá condenações. Os argumentos que sustentam sua crença na absolvição vão desde a ausência de provas técnicas até a jurisprudência do Supremo, que, se seguida pelos ministros, favoreceria os réus. Ainda assim, o grupo – que inclui boa parte dos mais renomados criminalistas do país – não descarta um julgamento político e dá como perdidos os votos do relator Joaquim Barbosa e do presidente da corte, Carlos Ayres Britto.
Responsável pela defesa do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), o criminalista Alberto Toron afirma que, durante uma conversa recente com o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, ouviu dele que o julgamento será eminentemente técnico e jurídico. “O Supremo não vai deixar de seguir sua tradição e fará um julgamento justo”, diz. Seu cliente é acusado de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro por ter assinado, em 31 de dezembro de 2003, um contrato de R$ 9 milhões com a SMP&B Comunicação, do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, que seria mais uma fonte de recursos para a compra de apoio político.
Toron compara o caso do mensalão ao processo penal em que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, hoje senador pelo PTB-AL, foi acusado de corrupção passiva por seu suposto envolvimento no esquema montado pelo tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias, o PC Farias. Collor sofreu processo de impeachment em 1992 e renunciou ao cargo antes de ser afastado da Presidência da República. Em 1994, após quatro dias de julgamento, o Supremo absolveu Collor por falta de provas, mesmo diante da imensa pressão popular e da mídia pela sua condenação. “Não vejo o porquê de o Supremo julgar de forma diferente agora.”
A opinião é compartilhada por vários de seus colegas. “Tenho a mais profunda convicção de que o julgamento será técnico”, diz o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o publicitário Duda Mendonça e seu sócio, Zilmar Fernandes Silveira. Ambos são acusados de evasão de divisas e lavagem de dinheiro por terem recebido valores devidos pelo PT por serviços prestados durante a campanha eleitoral de 2002, supostamente originados de contratos publicitários destinados ao desvio de recursos. “Nossa defesa é 100% técnica”, diz Kakay, que afirma que os valores recebidos por Duda Mendonça referem-se a créditos de campanhas anteriores do PT e que nada têm a ver com o mensalão – que ele nega que tenha existido.
O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que defende a ex-vice-presidente do Banco Rural, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, acusada de formação de quadrilha, gestão fraudulenta de instituição financeira e lavagem de dinheiro, tem a mesma opinião. “O Supremo é um tribunal técnico, há uma diversidade grande de orientações jurídicas, mas todas elas voltadas para a lei e baseadas nas provas dos autos”, diz o criminalista. “É difícil avaliar como o Supremo vai julgar”, afirma Pierpaolo Cruz Bottini, criminalista que defende o ex-deputado federal pelo PT-MG Luiz Carlos da Silva, o Professor Luizinho, acusado de lavagem de dinheiro. No entanto, ele afirma que, ao despachar com os ministros do Supremo, observou que todos eles conheciam profundamente o processo, ouviram com atenção e discutiram temas técnicos. “Não senti nenhuma politização do processo”, diz.
A crença dos criminalistas de que, se o Supremo julgar o processo do mensalão de forma técnica, boa parte dos réus será absolvida baseia-se na instrução criminal – fase do processo em que o Ministério Público Federal tem a função de corroborar as provas colhidas durante o inquérito para confirmar as alegações feitas na denúncia, em face ao contraditório, ou seja, à defesa dos réus. Segundo Pierpaolo Bottini, a maior parte do grande conjunto probatório produzido na fase de inquérito do mensalão não foi corroborada na fase de instrução criminal. “Há uma dificuldade probatória no processo”, afirma. “Para a defesa foi uma instrução criminal muito boa, toda favorável aos réus”, concorda Kakay, para quem o Ministério Público não conseguiu provar as alegações feitas na denúncia.
Os criminalistas se referem às poucas provas técnicas produzidas e à enorme quantidade de testemunhas ouvidas no processo. E são unânimes ao afirmar que nenhuma delas confirmou a existência do mensalão durante a instrução criminal. “A prova decorrente da CPI dos Correios ou do inquérito serve para o oferecimento da denúncia, mas não serve para basear a condenação”, afirma o advogado Marcelo Leonardo, que defende o empresário Marcos Valério, acusado de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Ele diz que o Código de Processo Penal prevê que o juiz, na formação de seu conhecimento, deve se basear nas provas produzidas em juízo, e que é essa a jurisprudência do Supremo em relação a provas. “E o Ministério Público Federal, em suas alegações finais, só se refere às provas do inquérito, que não podem servir de fundamento para a condenação.” Segundo ele, não há prova produzida na fase de instrução criminal, sob o crivo do contraditório, que confirme as acusações do Ministério Público. “Foram ouvidas 600 testemunhas e não teve uma que confirmou a existência do mensalão”, afirma.
A exceção é o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). Presidente de seu partido, ele relatou a existência de um esquema de pagamento de mesada a parlamentares da base aliada em troca de votos favoráveis aos projetos de interesse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso em 2005. Cassado pela Câmara dos Deputados, o delator do mensalão acabou tornando-se réu no processo, e não apenas testemunha, como era sua intenção. E essa condição, para a defesa dos réus, faz toda a diferença. “Se ele fosse testemunha teria o compromisso de falar a verdade, mas como réu não tem”, diz Marcelo Leonardo. Na ação penal, Roberto Jefferson é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro – ele mesmo declarou ter recebido R$ 4 milhões de Marcos Valério a mando do PT.
“Há um colosso de depoimentos, mas as provas técnicas são muito poucas”, diz Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. Já Alberto Toron afirma que há provas técnicas em algumas situações, mas que “as provas testemunhais são absolutamente escassas” – ou seja, não comprovam a existência do mensalão. Segundo os criminalistas ouvidos pelo Valor, além do relato de Roberto Jefferson, outras testemunhas confirmaram a existência de caixa dois de campanha eleitoral – como o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, réu no processo e acusado de formação de quadrilha e corrupção ativa -, mas não do mensalão.
Embora os advogados acreditem em um julgamento técnico no Supremo, eles também admitem que há uma pressão para que alguns dos réus sejam condenados e não descartam “surpresas”. “O Supremo é um tribunal político pela própria natureza de sua composição, a nomeação dos ministros é uma escolha política”, afirmou um dos criminalistas que atua no processo. Nos bastidores, eles não têm esperanças em votos favoráveis aos réus vindos dos ministros Joaquim Barbosa e Ayres Britto, presidente do Supremo. “Entre nós, os votos de Britto e Joaquim damos como perdidos”, disse outro deles ao Valor.
Do Blog TUDO SOBRE O MENSALÃO.
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