Em maio de 1997, a Folha de S. Paulo publicou matéria com
transcrição da gravação de uma conversa na qual os deputados Ronivon
Santiago e João Maia, do PFL do Acre, confessavam ao repórter Fernando
Rodrigues, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da emenda que
instituía a reeleição para presidente da República, governadores e
prefeitos.
Da série "Escândalos não investigados da era FHC", ler também:
A reeleição de Fernando Henrique Cardoso começou mesmo a ser urdida em
círculos fechados nos primeiros seis meses do governo, em 1995. Numa
reunião em Nova York, com banqueiros, Pedro Malan deixou escapar as
intenções da cúpula da aliança neoliberal. Alguns jornais repercutiram a
fala de Malan, que dizia quatro anos ser muito pouco para Fernando
Henrique realizar o seu plano de governo e que, de duas uma, ou
ampliaria o mandato para cinco anos ou instituiria a reeleição.
Sérgio Motta, na época Ministro das Comunicações e principal articulador
político do governo, dizia que o PSDB se estruturava para permanecer no
governo por pelo menos vinte anos. O PFL, na mesma época, lançou seu
projeto PFL-2000, uma estratégia eleitoral e de ocupação de espaços
políticos muito bem montada. Naquele momento o horizonte de permanência
no poder da aliança neoliberal era largo. Havia popularidade
presidencial de sobra para gastar. Grande parte dos formadores de
opinião da grande mídia mostrava-se convencida da "modernidade" do
governo, até a tungada de 1998, quando o Brasil sofreu um mega ataque
especulativo e o governo fez uma desvalorização recorde do real, levando
o país a uma das mais dramáticas crises financeiras.
Editoriais e artigos de opinião, longas reportagens nas revistas e
jornais de grande circulação e redes de televisões estão documentados, é
só ter o trabalho de ir aos arquivos para ver as perspectivas dos
governistas naquela época.
As denúncias de autoritarismo, corrupção, tráfico de influência,
vulnerabilidade econômica, erros do Plano Real, nada disso era capaz de
mudar a gramática da grande mídia. Foram tempos difíceis para os
oposicionistas que enfrentavam os governistas no Congresso Nacional e
nos debates país a fora. Imperava o "pensamento único", a esquerda era
taxada de “dinossauros”. Mas, aos poucos os fatos se encarregaram de
desnudar a face oculta do governo Fernando Henrique Cardoso. A denúncia
de compra de votos de parlamentares do PFL e do PMDB, para aprovação da
emenda constitucional que instituiu a reeleição, é um deles.
Em maio de 1997, o jornal Folha de S. Paulo publicou extensa matéria com
transcrição da gravação de uma conversa na qual os Deputados Ronivon
Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, confessavam ao repórter
Fernando Rodrigues, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da emenda
constitucional que instituía a reeleição para presidente da República,
governadores e prefeitos. Naquele momento a emenda já havia sido
aprovada na Câmara dos Deputados e aguardava a votação no Senado.
Segundo eles, o deputado Pauderney Avelino, PFL/AM, e o então presidente
da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães, PFL/BA, eram os intermediários das
negociações. Na matéria da Folha de São Paulo consta que Ronivon
Santiago e João Maia revelaram alguns detalhes das negociações. Os
deputados disseram a Fernando Rodrigues que o assunto era tratado
diretamente com o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, o
principal articulador político do governo e fiel escudeiro de Fernando
Henrique Cardoso. O jornal informou ainda que os pagamentos eram feito
pelos então governadores: Amazonino Mendes, PFL/AM e Orleir Cameli,
PFL/AC. Na gravação, segundo o jornal, Ronivon Santiago dizia que os
deputados de estados do norte, Osmir Lima, Chicão Brígido e Zila
Bezerra, também, haviam vendido seus votos.
No dia seguinte, após a publicação da matéria, foi constituída uma
comissão de sindicância para apurar as denúncias. Os partidos de
oposição começaram a colher assinaturas para instalação de uma CPI, mas
acabaram enfrentando uma manobra pesada do governo, que tinha maioria
esmagadora. O noticiário da época informa que cargos e verbas foram
distribuídos para os deputados da base governista para não assinarem o
requerimento da CPI.
Enquanto isso, a comissão de sindicância corria contra o tempo. Era
perceptível no movimento da comissão a intenção de esvaziar os
argumentos para a instalação da CPI. Ao final do prazo estabelecido para
a apuração, a comissão apresentou relatório dizendo que não havia
necessidade de uma CPI porque as provas eram insuficientes. A comissão
tomou uma decisão que pulverizou a apuração do caso. O relatório
recomendou que a Procuradoria-Geral da República, chefiada por Geraldo
Brindeiro, recém-reconduzido ao cargo e chamado “Engavetador-geral da
República, cuidasse das investigações sobre o envolvimento do
ex-ministro Sérgio Motta, que as Assembléias do Acre e do Amazonas
tomassem as providências necessárias para averiguar as denúncias contra
os respectivos governadores e que a Câmara dos Deputados tratasse do
caso dos deputados. Ao final todos foram inocentados por falta de
provas, a emenda constitucional foi aprovada no Senado e Fernando
Henrique Cardoso ganhou o seu segundo mandato.
A apuração desse caso não fugiu à regra dos demais. Foram preservados
réus-confessos e sacrificadas as instituições. O Congresso ficou
desmoralizado perante a opinião pública e o governo seguiu sua rota de
decadência moral.
Laurez Cerqueira, jornalista e escritor, autor de “Florestan Fernandes vida e obra” e “Florestan Fernandes – um mestre radical.”
No Carta Maior
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