Saiu na Carta Maior:
Sem surpresas, Roberto Gurgel acusa 36 por mensalão
Procurador–geral
da República aponta José Dirceu como “chefe da quadrilha”, o
publicitário Marcos Valério como “principal operador do esquema
criminoso” e os dirigentes petistas, José Genoíno e Delúbio Soares, são
acusados de exercerem papel central na obtenção dos recursos para compra
de votos de parlamentares. Gurgel sustentação oral de quase cinco horas
solicitando a expedição de mandados de prisão cabíveis, após a
conclusão do julgamento. A reportagem é de Najla Passos e Vinicius
Mansur.
Najla Passos e Vinicius Mansur
Brasília
– Nenhuma manifestação popular. Nenhum pedido para que o ministro Dias
Toffoli se declarasse impedido. Nenhum fato novo. O segundo dia do
julgamento da ação penal 470 transcorreu dentro do previsto e foi todo
ele dedicado à acusação, pelo procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, dos 38 acusados de envolvimento no escândalo do chamado
mensalão. Gurgel refirmou que o processo trata de uma “sofisticada
organização financeira com o objetivo de garantir a aprovação automática
de projetos de interesse do Partido dos Trabalhadores” e que “foi, sem dúvida, o mais atrevido e escandaloso caso de desvio de recursos públicos flagrado no Brasil”.
A
denúncia do Ministério Público (MP) inclui os crimes de formação de
quadrilha, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de
dinheiro, gestão
fraudulenta de dinheiro e evasão de divisas contra altos quadros do PT,
deputados do PP, PR, PTB e PMDB, além de dirigentes do Banco Rural,
entre outros.
O
procurador-geral explorou os números grandiosos da ação penal – 5.508
folhas de processo, milhares de documentos, dezenas de perícias,
centenas de depoimentos – para se declarar absolutamente à vontade para
pedir a condenação de 36 dos citados. Alegando “falta de provas”, Gurgel
pediu a absolvição do ex-secretário da Secretaria de Comunicação, Luiz
Gushiken, e do ex-assessor do PL na Câmara, Antônio Lamas.
O
principal acusado foi o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu,
apontado pelo Ministério Público como “chefe da quadrilha”, o
publicitário Marcos Valério, apresentado como “principal operador do
esquema criminoso”, e os dirigentes petistas, José Genoíno e Delúbio
Soares, acusados de exercerem papel central na obtenção dos recursos
ilegais que financiariam a compra de votos de parlamentares.
Do
chamado núcleo político da organização, ele destacou a participação de
Dirceu. “Foi a principal figura de tudo o que apuramos. Foi o mentor do
grupo. Foi quem idealizou o esquema de pagamento ilícito no congresso
para obter vantagens indevidas dos seus integrantes”, acusou.
Para
se contrapor às alegações da defesa de Dirceu de que não existem provas
contra o ex-ministro, se fiou em uma série de teorias jurídicas que
apontam as dificuldades de se obter provas periciais contra mandantes de
crimes ou chefes de organizações criminosas. “Como quase sempre ocorre,
os chefes das quadrilhas não aprecem na execução dos crimes”,
ressaltou. Para Gurgel, Dirceu foi o líder, o mentor, o autor
intelectual, a figura central da organização criminosa. “É autor aquele
que tem o domínio final do fato”, afirmou.
E
seguiu sem economizar tinta. “Quando eu falei de crimes praticados
entre quatro paredes, em muitas vezes falava das paredes da Casa Civil.
Por isso é tão difícil conseguir provas de crimes praticados dentro do
Palácio da Presidência da República”, insistiu. Ele acrescentou também
que Delúbio não tinha autonomia para decidir nada sem o aval de José
Dirceu. Segundo ele, nem mesmo o então presidente do PT, José Genoíno,
teria. “José Dirceu está, literalmente, em todas”, insistiu.
O
advogado José Luiz Mendes de Oliveira, que cuida da defesa de José
Dirceu, afirmou que deixou o plenário ainda mais confiante de que irá
comprovar a inocência do seu cliente. Ele será o primeiro a fazer uso da
palavra, após a retomada do julgamento, na próxima segunda (6). “O
procurador-geral não apresentou nenhum fato novo, até porque não há
fatos novos. A defesa está preparada para provar a inocência de Dirceu,
porque não há nos autos nenhuma prova contra ele”, destacou.
O
procurador-geral descreveu o então presidente do PT, José Genoíno, como
peça fundamental para a obtenção dos recursos que financiaram o
esquema. Segundo ele, Genoíno avalizou os empréstimos de fachada,
colocando seus bens pessoais como garantia.
Para
a acusação, o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, foi o principal
responsável pela parte financeira da campanha de 2002, sob comando de
Dirceu, então presidente do PT. E, com a vitória do ex-presidente Lula e
a consequente ida de Dirceu para a Casa Silva, “continuou exercendo o
mesmo papel”. Mas Gurgel ressaltou que ele não se limitou a indicar os
beneficiários do esquema. Foi ele também uma das pessoas que receberam
recursos ilegais. Mais precisamente R$ 550 mil. “A primeira entrega
ocorreu na agência do Banco Rural no Shopping Brasília, muito
frequentado pelos integrantes deste esquema criminoso”, ironizou o
procurador. O advogado de Soares, Arnaldo Malheiros Filho, negou a
acusação e criticou Gurgel por incluir tal acusação em sua sustentação
oral, sem que ela estivesse incluída antes nos autos. “Isso é um absurdo
e não pode ser considerado pelo tribunal”, disse.
Se,
para a acusação, Dirceu foi o mentor do esquema, Marcos Valério foi seu
principal operador. Homem da mais absoluta confiança de José Dirceu,
passou a atuar como um espécie de interlocutor privilegiado em eventos
políticos. Em conjunto com seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollembach,
participou de todas as fraudes contábeis realizadas nas empresas
SMP&B Comunicação, Grafite Participação Ltda e DNA Propaganda para
esconder o rastro do dinheiro ilícito desviado para compra de votos. De
acordo com a denúncia, o esquema com Valério teria começado em 2002,
após o resultado do primeiro turno das eleições presidências, e já em
2003 a SMP&B já havia recebido R$ 150 milhões oriundos de contratos
com o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios.
No
final da sessão, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, pediu a
prorrogação do prazo de defesa de seu cliente para duas horas, enquanto
todos os demais réus terão direito a apenas uma. “Na sua sustentação
oral, o procurador-geral citou o nome dele 197 vezes”, justificou. O
pedido foi negado de pronto pelo presidente do STF, ministro Ayres
Britto.
Carros-fortes
Gurgel
destacou também a recorrente utilização de carros-fortes para
transportas grandes volumes de dinheiro. “Apesar das grandes somas, os
envolvidos preferiram não fazer uso do sistema bancário nacional,
reconhecidamente seguro e célere, justamente para não deixar rastro da
operação. Se fossem apenas acordos entre partidos, não teriam driblado o
sistema financeiro”, argumentou.
Base aliada
Segundo
Gurgel, a compra de votos de parlamentares podem ser comprovadas por
repasses ocorridos nos dias que circundavam grandes votações ocorridas
no Legislativo entre 2003 e 2004. No caso da reforma tributária, votada
no dia 24 de setembro de 2003, em 17 de setembro de 2003, dez dias
antes, o ex-assessor do PP, João Cláudio Genú, sacou R$ 300 mil das
contas administradas pelo publicitário Marcos Valério. No dia da
votação, Genú sacou R$ 300 mil e, 14 dias depois da votação, outros R$
100 mil. Gurgel ainda afirmou que há repasses volumosos nas proximidades
das votações da reforma da previdência, da Lei de Falências, entre
outras.
Pela denúncia, os
parlamentares do Partido Progressista (PP) receberam de Jose Dirceu R$
2.905 milhões para votar as matérias de interesse do PT. São eles Pedro
Correia, Pedro Henry e José Jatene (falecido). João Cláudio Genu era o
homem de confiança deles que recebia o dinheiro a pedido da direção do
partido.
Os parlamentares do PTB
teriam abocanhado um total de R$ 4 milhões. Entre eles está o
ex-deputado Roberto Jefferson, que denunciou o esquema, ainda em 2005.
Segundo a denúncia, o PTB decidiu apoiar o PT mediante uma contribuição
financeira de R$ 20 milhões, mas somente a quinta parte foi paga, em
dois repasses entregue na sede do partido, em espécie, por Valério.
Dois
deputados do PMDB também foram acusados de integrar o esquema. José
Borba e Anderson Adauto que, só em 2003, teriam recebido R$ 200 mil do
esquema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário