Por Luciano Martins Costa
O Estado de S. Paulo é o primeiro jornal a admitir oficialmente,
ainda que de maneira discreta, que pode não ter havido um “mensalão”, ou
seja, que o dinheiro supostamente desviado do erário pode ter sido
usado para pagar campanhas eleitorais de candidatos que se aliaram à
chapa do ex-presidente Lula em seu primeiro mandato, e não para compra
de votos.
Assim, o leitor começa sutilmente a ser dirigido para a tese de que os
fatos sob julgamento no Supremo Tribunal Federal teriam relação com a
prática do “caixa 2”, e não com o pagamento sistemático de propina para
que parlamentares apoiassem as iniciativas do governo no Congresso.
O editorial de sexta-feira (24/8) do jornalão paulista não poderia ser
mais claro, ainda que escrito em forma de elipse, ao se referir a
“pagamentos prometidos pelo PT a políticos de outras legendas ainda na
campanha presidencial, em troca de apoio a seu candidato”.
O jornal admite que os empréstimos milionários obtidos pelo publicitário
Marcos Valério poderiam ser destinados a pagar esses compromissos de
campanha, e não para remunerar parlamentares pelos seus votos em favor
do governo, tese que deu origem ao nome “mensalão”.
Volume de verbas
Evidentemente, ainda assim, comprovados esses fatos no final do
julgamento em curso, trata-se de crime cujos autores deverão ser
apontados na sentença final dos ministros do STF.
Claro que, comprovados os desvios de dinheiro do Banco do Brasil e de
outras fontes, para o esquema de Valério e daí para parlamentares e
outros agentes envolvidos nas campanhas eleitorais, ainda assim
estaremos diante de um crime grave, que revela a fragilidade do sistema
eleitoral no Brasil.
No entanto, o voto do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, em sua
segunda apreciação das “fatias” em que foi dividido o processo pelo
relator, deixa claro que o Supremo Tribunal Federal não vai decidir,
necessariamente, conforme a receita que vem sendo prescrita pela
imprensa há sete anos.
O editorial do Estadão afirma que o “mensalão” – expressão que
deixa de ter sentido se for comprovada a hipótese que o próprio jornal
acaba de admitir – “foi a ponta de um iceberg de proporções ainda por
medir”.
Errado: é relativamente fácil medir esse iceberg – ele tem exatamente o
tamanho do total das verbas usadas em cada campanha eleitoral, porque
todo dinheiro doado a candidatos acaba revertendo em benefício para o
grande doador, especialmente o de “caixa 2”, se o candidato for eleito.
E isso é história antiga: já no ano de 1952, segundo relatou a revista
Época e comentou este observador na primeira semana de junho passado
(ver “Um retrato do Brasil”),
as 600 páginas do relatório de uma CPI que investigou o desvio de
dinheiro do Banco do Brasil para campanhas eleitorais desapareceram da
Câmara dos Deputados, no Rio. A CPI acusava o então ministro da Fazenda,
Horácio Lafer, e o presidente do Banco do Brasil na ocasião, Ricardo
Jaffet, além de empresários, políticos e militares, de formarem uma
quadrilha que desviava recursos do banco estatal para campanhas
eleitorais.
O processo desapareceu, ninguém foi punido e Lafer e Jaffet viraram nomes de avenidas.
“Caixa 2” é a regra
A impunidade histórica não pode, porém, justificar qualquer tentativa de
minimizar a gravidade dos crimes envolvendo dinheiro de campanha, e o
escândalo produzido em torno do caso que está sob julgamento no STF
deveria ajudar a formar na sociedade uma consciência em torno da
responsabilidade do voto de cada um.
Com relação à imprensa, quanto mais rápida e engajadamente ela se
aproximar da verdade maior será sua contribuição para que o sistema
eleitoral seja aperfeiçoado.
Assim, se há evidências de que o presente caso não se referiu ao
pagamento de propinas mensais em troca de votos no Parlamento, como
começa a admitir o Estadão, será maior a credibilidade das informações trazidas pela imprensa quanto mais claramente ela se abrir a outras possibilidades.
Mas os sinais são outros: o voto do ministro revisor, Ricardo
Lewandowski, inocentando o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP),
caiu como um balde de água fria sobre os jornais. As reações foram
diversas: desde a do colunista do Globo, que acusou o ministro de votar “sem nexo”, até as do Estadão e da Folha,
que oferecem uma seleção especialmente agressiva de cartas de leitores
contra o ministro revisor, o comportamento dos jornais é semelhante ao
de crianças que não podem ser contrariadas.
Imagine-se, então, qual será o tom das edições se a Suprema Corte
condenar apenas um ou outro operador do sistema, deixando claro que todo
esse escândalo é parte da rotina de todas as eleições, e que o “caixa
2” é a regra nos comitês de campanha de todos os partidos.
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