sábado, 6 de julho de 2013

Luis Fernando Verissimo "O inimigo é tudo, inclusive a ideologia"

Escritor gaúcho diz que as manifestações populares são positivas porque "estão pedindo tudo que a gente quer", mas teme pelos nostálgicos da ditadura
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TECNOLOGIA
Embora seja adepto do e-mail, o escritor diz que marcharia contra o telefone celular
As incertezas sobre o cenário político pós–manifestações populares não chegam a tirar o sono do escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, mas o têm angustiado. “A desmoralização da política e dos políticos deve preocupar a todos, porque a falência da política é a falência da democracia”, afirma. Um dos maiores cronistas do Brasil e criador de notáveis personagens, como Dora Avante e o Analista de Bagé, ele mantém há cinco décadas um olhar crítico sobre o País e, aos 76 anos, seu senso de humor permanece intacto. Verissimo afirma que, se fosse às passeatas, não deixaria de reivindicar “carona da FAB para todo mundo” e que carregaria um cartaz com a inscrição “Pra que lado fica a Bastilha?” Depois de ter passado 24 dias internado num hospital com infecção generalizada, no fim do ano passado, e outros três com dores no peito, em março, Verissimo divide com Lucia, sua mulher há mais de 30 anos, a rotina de escrever semanalmente para três jornais. Em outubro, deve chegar às livrarias “Os Últimos Quartetos de Beethoven”, pela editora Objetiva, com dez contos, alguns inéditos. Na quinta-feira 4, o escritor conversou por e–mail com a IstoÉ.
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"Se eu fosse a uma passeata, levaria o seguinte
cartaz: ‘Pra que lado fica a Bastilha?’”
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“Infelizmente aquele ímpeto anticorrupção do início
do governo (de Dilma Rousseff) não se sustentou"
O que o sr. pensa sobre a onda de manifestações que se espalhou pelo Brasil?
─ No fundo, o que se vê nas ruas é uma crítica, nem sempre consciente, ao capitalismo brasileiro. Estão pedindo o fim do lucro desmedido com serviços públicos como o transporte, o fim do poder corruptor do dinheiro, mais saúde e educação subsidiadas pelo Estado. Eu nunca tinha visto tantos socialistas juntos. Será curioso ver como essa massa vai votar.
O que ficará de junho de 2013 para a história?
─ Ainda não se sabe se foi só um espasmo ou se o movimento terá consequências permanentes. Muitas das reivindicações são irrealistas. Aquele cartaz que pedia a volta da tomada para dois pinos não era sério, mas dava uma boa ideia disso.
Esse tipo de movimento, que nasce da internet sem uma cara, um líder, é positivo?
─ Essas manifestações espontâneas são positivas na medida em que, afinal, estão pedindo tudo que a gente quer. São perigosas porque substituem a política e podem ser manejadas, inclusive pelos nostálgicos da ditadura.
Durante muito tempo, a ditadura militar foi o inimigo a ser combatido. Quem é o inimigo dos jovens de agora?
─ Pois é, o inimigo é um sistema que não funciona, o que é muito vago. Se você quiser ser específico, pode dizer que a rua está fazendo a crítica ao capitalismo brasileiro que o PT fazia quando era oposição, antes de se deixar  cooptar. Mas isso é um diagnóstico ideológico e o movimento parece ser contra tudo. O inimigo é tudo, inclusive a ideologia.
A colocação de uma agenda conservadora (como o fim dos partidos, a redução da maioridade penal e a volta da ditadura militar) por parte dos manifestantes é algo que o preocupa? O que explica esse tipo de “reivindicação”?
─ A desmoralização da política e dos políticos deve preocupar a todos, porque a falência da política é a falência da democracia. A conclusão de que o que não está funcionando é a própria democracia é perigosa. O que falta é mais democracia. Mais liberdade, igualdade e fraternidade, o trio maravilha.
Os protestos no Brasil se assemelham a algo que o sr. já viu?
─ A analogia óbvia é com o Maio de 68, na França, que também era contra um tudo indefinido. Tem gente que diz que o que houve em Paris, naquela primavera, foi só uma queima de hormônios. Já o Cohn–Bendit disse que 68 foi o preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na França. Resta ver qual será o 81 do nosso 68.
Se o sr. pudesse fazer cinco cartazes para levar a uma passeata, quais pautas escolheria? O que estaria escrito neles?
“Vergonha!”, “Pra que lado fica a Bastilha?”, “Carona da FAB para todo mundo”, “E o mensalão do PSDB?” e “Pela volta da tomada pra dois pinos”.
O sr. consegue imaginar algum de seus personagens nessas manifestações?
─ A Dora Avante e seu grupo de pressão, as Socialaites Socialistas, marchariam contra a falsificação de má qualidade das bolsas Vuitton no Brasil.
Dada a reação do Congresso aos gritos da rua, o sr. acredita que políticos assustados produzam melhor?
─ O diabo é que as manifestações acabam um dia e o medo também. Mas não se deve supervalorizar o poder persuasório de manifestações. Amanhã um milhão de evangélicos marcham contra gays ou contra o diabo e eu espero que a consequência política disso seja zero.
Como o sr. avalia o governo de Dilma Rousseff? Gosta dela?
─ Infelizmente aquele ímpeto anticorrupção do início do seu governo não se sustentou. Mas, falando do PT no poder em geral, qualquer governo que consegue distribuir renda e diminuir a pobreza tem no mínimo a minha simpatia.
Como é sua relação com a internet e a tecnologia?
─ Uso o computador como uma máquina de escrever com memória, uso bastante o Google, que  fornece erudição instantânea, e não poderia mais viver sem o e-mail. Mas não frequento muito a internet. E participaria de qualquer passeata contra o telefone celular.
Dos textos atribuídos ao sr. que circulam na internet, há algum que o incomode mais ou que tenha captado sua atenção tanto positiva quanto negativamente?
─ Nenhum incomoda porque não há o que fazer para impedi-los. Alguns são bons, e neste caso eu aceito os elogios, inclusive para não desiludir as pessoas. Teve um, chamado “Quase”, que correu o mundo e foi até publicado num livro em francês. Uma sra me disse que não gostava do que eu escrevia, até ler o “Quase”. Agradeci, emocionado. Outro texto, sobre uma diarreia no aeroporto, também fez muito sucesso.
Depois da atuação do Brasil na Copa das Confederações, o sr. está confiante na Seleção Brasileira para o Mundial do ano que vem? O sr. gosta do Felipão?
─ O Felipão não é um tático, é um motivador, e o melhor que se pode dizer desta seleção é que está bem motivada, com quatro ou cinco talentos que se destacam. Acho que não faremos feio.
E o que pensa do Brasil enquanto sede do evento?
─ Quem gosta de futebol, como eu, fica numa situação difícil. Claro que o Brasil não podia gastar o que está gastando para sediar a Copa, mas, ao mesmo tempo, a perspectiva de ter bom futebol internacional em casa é animadora. O que fazer com os estádios que ficarão ociosos depois da Copa? Não tenho a menor ideia. Podem ficar como monumentos à insânia.
O sr. ainda vê televisão? Há algo que lhe agrade na tevê aberta?
─ Vejo filmes, futebol e o “Jornal Nacional”. 
E na internet? O sr. costuma ver vídeos no YouTube?
─ A melhor novidade da tevê brasileira está na internet: é o “Porta dos Fundos”. Não vejo YouTube, não tenho Facebook e todos os Twitters com meu nome são falsos.
Quais autores o sr. costuma acompanhar?
─ Dos brasileiros, o Milton Hatoum; dos estrangeiros, o John le Carré e o Roberto Calasso, além da releitura de favoritos mortos.
Além das crônicas para os jornais, o sr. está trabalhando em algum livro novo?
─ Deve sair em outubro, pela Objetiva, um livro de contos, alguns inéditos, outros já publicados na imprensa. São dez contos, entre longos e curtos, e o título é “Os Últimos Quartetos de Beethoven”.
Que tipo de situação ainda o inspira?
─ Para quem escreve com regularidade, qualquer assunto é assunto. Eu sempre digo que a minha musa inspiradora é o prazo de entrega. E a crônica, sendo um gênero indefinido, comporta essa variedade de assuntos e de estilos.
Já se acostumou ao novo acordo ortográfico ou comete alguns erros comuns, como acentuar ideia ou colocar trema?
─ Meu computador cuida disso para mim. Ele acompanhou a reforma ortográfica, sabe tudo a respeito e não me deixa errar. Eu só não entendi ainda por que “três” continua de chapeuzinho. 
O livro “Cinquenta Tons de Cinza” foi o maior fenômeno literário do ano passado. O que o sr. pensa dessa literatura feminina quase pornográfica?
─ Se entendi bem, o sexo nesse livro é sadomasoquista. Como diria o Freud, o  que essas mulheres estão querendo? Não pretendo descobrir.
Fora as inúmeras homenagens que recebe, o sr. tem vida social noturna?
─ Um programa perfeito é ir ao cinema, sessão das seis, depois ir jantar num bom restaurante. Nada de muito excitante.
O que a velhice lhe trouxe de positivo e de negativo?
─ De negativo, a proximidade da morte, a consciência da nossa finitude e do absurdo da existência. De positivo, o lugar reservado para idosos nos estacionamentos.
Sua timidez ainda o coloca em situações embaraçosas?
─ Já me resignei à timidez e sei que agora não vou mudar, mas melhorei muito com a idade. Já faço até palestra. Mas com o Isordil à mão.
Sobre o período em que o sr. esteve internado num hospital no ano passado, o que ficou daquele susto?
─ Tive alucinações durante o período em que fiquei na UTI, o que só me levou a admirar ainda mais o funcionamento e o poder do nosso cérebro, uma coisa ao mesmo tempo fascinante  e assustadora.
Atualmente, qual é sua maior preocupação? Há algo que lhe tire o sono?
─ Essa coisa meio incerta no ar, essa indefinição sobre o que está por trás da revolta e o rumo que ela vai tomar... Não vou dizer que me tira o sono, tenho dormido bem. A preocupação começa ao acordar.
No IstoÉ

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