A explicação oficializada pela direita: muito complicado submeter ao
voto popular o conjunto de questões que determinam a reforma política. A
conclusão desse raciocínio é que seria bem mais prático forjar um
acordo entre deputados e senadores, deixando aos eleitores apenas a
missão de aceitar – ou não – o pacote já fechado para embrulho.
Os oposicionistas não conseguem esconder seu desgosto com uma
iniciativa que pode produzir duplo resultado. O primeiro é a
radicalização da democracia, com o desmonte do sistema que garante
maioria parlamentar aos grupos conservadores. O segundo: frustrar o
plano de ver a presidente e seu partido enfrentando o longo desgaste de
uma crise sem fim.
Manter a discussão sobre reforma política no Congresso constitui
manobra para amarrar as mãos de Dilma, com o intuito de deixa-la ser
fritada pela escalada de protestos e reivindicações. Afinal, não é mais
possível, com a atual correlação de forças nas duas casas legislativas,
avançar seriamente em medidas distributivistas, ampliação de direitos e
fortalecimento do Estado (incluindo os serviços públicos justamente
demandados pela cólera popular).
Vozes mais afoitas do reacionarismo, especialmente na imprensa
tradicional, rechaçam o plebiscito como “bolivariano” ou “chavista”,
apesar de esse instrumento estar previsto na Constituição. Além de
revelarem aversão à soberania das urnas, preferindo o cambalacho dos
palácios, tornam pública sua intenção de defender o sistema eleitoral
que mais lhes interessa.
A preferência confessa no conservadorismo é pelo voto distrital. Se
não der para emplacar, melhor deixar tudo como está. A lógica parece
simples. O voto em lista aprofunda o confronto de programas, desfaz
laços de clientelismo e reduz a individualização da política. Pelos
cálculos da direita, esse ambiente seria claramente favorável aos
partidos de esquerda, que poderiam até formar uma nova maioria.
O voto uninominal, com financiamento empresarial, tem sido bom
antídoto para amenizar cenários de confronto político-ideológico. O
caminho fica livre para candidatos a deputado, alavancados por fartos
recursos financeiros, estabelecerem identidade de favores e providências
paroquiais com seus eleitores.
Essa é uma das razões fundamentais pelas quais, apesar do PT ter
elegido três vezes o presidente da República, a esquerda não representar
sequer um terço do Congresso. A engenharia política vigente multiplica o
peso dos parlamentares ideologicamente nanicos e dissemina a cultura do
personalismo fisiológico por todas as agremiações.
O voto distrital tornaria os deputados uma espécie de vereadores
servindo na capital da República. Tornaria as campanhas eventualmente
mais baratas, pois limitaria a circunscrição eleitoral, mas aprofundaria
a despolitização e a fragilidade dos partidos, além de deformar a
proporcionalidade. Uma legenda cujos candidatos fizessem 51% em todos os
distritos, por exemplo, teoricamente poderia obter 100% das cadeiras
legislativas. Como já aconteceu na Inglaterra, para citar caso menos
radical, agrupamentos com 15% ou 20% dos votos nacionais poderiam ficar
sem representação.
Os partidos conservadores, por isso mesmo, tratam de embaralhar as
cartas e pressionar os aliados mais flácidos do governo, ao lançar a
proposta de referendo. O risco de mudança no sistema, potencializado por
plebiscito que condicione o Congresso, amedronta os que apostam no
isolamento da presidente ou investem em mantê-la sob chantagem de
bancadas estrategicamente antagônicas a seu programa.
A operação da direita, nessas circunstâncias, visa emparedar a
reforma política nos corredores onde se encontra travada há vinte anos. A
discussão pública desse tema não é confortável para quem quer, ainda
que algo mude, deixar tudo como está.
Breno Altman, jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
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