O que a grande imprensa brasileira diz agrada Washington há décadas.
Diria mais. Não só cai bem nos ouvidos da Casa Branca e do Departamento
de Estado como, fiel escudeira, defende os mesmos interesses. É o que
transparece da leitura de um despacho diplomático que me chegou às mãos
graças ao pesquisador Jeremy Bigwood, que há anos vasculha os arquivos
norte-americanos.
Assinado pelo então Consul Geral americano no Brasil, William Cochran
Jr., o despacho de duas páginas e meia (reproduzido na íntegra no post)
foi escrito quando o golpe militar estava logo ali na esquina, no dia 3
de agosto de 1960. Nele, o diplomata faz uma análise dos editoriais
dos principais jornais do país a respeito da denúncia feita pelo
governador do Rio Grande do Sul na época, Leonel Brizola.
Como sempre sem papas na língua, Brizola denunciou, naquela semana, uma
tentativa de suborno. Segundo ele, autoridades norte-americanas
ofereceram um milhão de dólares a ele e a outros dois governadores
brasileiros na tentativa de por as mãos e copiar aos arquivos secretos
das polícias estaduais. O governo norte-americano dizia que tudo fazia
parte de um programa de ajuda para tornar mais eficiente o trabalho da
polícia. Para Brizola, a tal cooperação era apenas um dos aspectos de um
programa mais amplo de espionagem, o chamado Ponto IV, que oferecia
colaboração em todas as áreas da economia brasileira, além da saúde e da
educação.
No despacho diplomático, o Cônsul diz que três jornais negaram,
veementemente, as acusações e com isso, puseram fim à denúncia. A
crítica “mais ácida”, segundo William Cochran, foi publicada em O Estado de São Paulo.
“Ácida a ponto de ridicularizar”, descreve o norte-americano. No dia
29 de julho daquele ano, o Estadão disse que a denúncia de Brizola era
muito improvável e ironiza, propondo um cenário fictício: o governo dos
Estados Unidos e o Pentágono deixam de lado, por um momento, mísseis e
U-2s e outros problemas de peso daquele período para tentar conseguir,
através de suborno, os arquivos secretos da polícia do Rio Grande do
Sul.
Como se os Estados Unidos não tivessem gente suficiente para fazer tudo
isso ao mesmo tempo. E como se ficar de olho no Brasil não fosse
prioridade para Washington. Sempre foi e continua sendo, como bem
provaram agora os documentos revelados pelo ex-agente da Agência de
Segurança Nacional, Edward Snowden.
O despacho do cônsul analisa, também, as respostas dos jornais Correio Paulistano e Diário de São Paulo.
O primeiro diz que Brizola é irresponsável e tenta agitar o país
apelando para o sentimento nacionalista, sob inspiração de Fidel Castro.
Já o Diário diz que as afirmações de Brizola foram tiradas de
contexto, que ele questionou o programa Ponto IV e disse que a
assistência oferecida custaria um milhão de dólares. Mas defende uma
colaboração das polícias estaduais brasileiras com as autoridades
norte-americanas em nome do combate ao crime.
No fim, o cônsul conclui, satisfeito: “É interessante notar que jornais de campos políticos opostos (o Diário é pró-governo e O Estado
é contra) se uniram na rejeição das alegações de espionagem. Ainda
mais satisfatória é a defesa vigorosa do acesso livre aos arquivos no
programa de colaboração entre as polícias. Essa defesa deve calar de faz
qualquer crítica do tipo “é, mas e se…” a respeito do recente acordo
de modernização do sistema de comunicação da polícia dentro do programa
Ponto IV”.
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