Embora o decano Celso de Mello tenha defendido, em vídeo, os embargos
infringentes, os juízes do Supremo Tribunal Federal podem recorrer ao
tutorial preparado pelo jurista – aliás, jornalista – Merval Pereira,
que ensina como rejeitá-los; o texto está publicado em sua coluna desta
quarta-feira no Globo
4 DE SETEMBRO
247 - Merval Pereira, colunista do Globo, não estudou direito, mas tem
posado como jurista ao longo da Ação Penal 470. O mais provável é que
algum dos ministros da corte esteja soprando a ele teorias que podem
influenciar o voto de colegas, em decisões da corte. Nesta quarta,
Merval publica quase um tutorial para os ministros que estiverem
dispostos a rejeitar os embargos infringentes – o que, até recentemente,
Celso de Mello defendia enfaticamente (assista). Abaixo, o passo-a-passo de Merval:
A partir de hoje o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal
entra na sua fase decisiva, quando estará em discussão, provavelmente na
sessão de amanhã, a questão da admissibilidade dos embargos
infringentes, que permitiriam que o STF rejulgue a causa naqueles pontos
em que condenados obtiveram ao menos 4 votos a favor. Se a discussão
dos poucos embargos de declaração que restam se prolongar, a questão
ficará para as sessões posteriores ao 7 de Setembro, que poderá ser
marcado por grandes manifestações pelo país.
O debate deve ser feito dentro do seu contexto normativo. O atual
regimento interno do Supremo foi editado em 1980, quando vigorava a
Carta de 1969, outorgada pelos chefes militares, travestida de emenda.
Ela deu ao STF, e só a ele, o poder normativo primário de que jamais o
Supremo dispôs em toda sua história constitucional. Esse poder dava
condições ao STF de legislar mediante o seu regimento interno sobre
matéria processual, que é matéria própria do Congresso, inclusive
definindo regras pertinentes a ações penais originárias, como a Ação
Penal 470, ou a causas de natureza recursal.
O STF, investido dessa competência normativa primária, formulou várias
regras no seu regimento interno e criou novos recursos, como, por
exemplo, possibilidade de embargos infringentes oponíveis a acórdãos
condenatórios do Supremo.
Quando sobreveio a Constituição de 1988, esse poder cessou, tanto que
num debate havido no plenário do Supremo o próprio ministro Joaquim
Barbosa disse que a norma regimental deveria ser revogada diante da nova
legislação, e Celso de Mello advertiu que o STF não podia mais fazê-lo,
porque essa norma regimental contém conteúdo materialmente legislativo,
e agora essa tarefa cabe apenas ao Congresso Nacional.
Por isso é que o Congresso, em 1990, editou a Lei 8.038, que dispôs
sobre esse tema. O STF inclusive admitiu embargos infringentes, de modo
legítimo, contra acórdãos proferidos em ações diretas de
inconstitucionalidade (Adin). Mas posteriormente, em 1999, o Congresso
editou uma lei que disciplinou a questão no Supremo, suprimindo os
embargos infringentes em matéria de Ação direta de
inconstitucionalidade.
Esse mesmo regime jurídico que vigorou sob a Carta de 1969 permitiu que o
STF, ao dispor sobre os chamados embargos de declaração, afastasse-se
do Código de Processo Penal, lei que estabelece o prazo de dois dias
para a interposição dos embargos, e o STF estabeleceu cinco dias em
matéria penal. O Supremo podia fazer isso porque o fundamento dessa
competência normativa do STF residia essencialmente no texto da
Constituição então em vigor. Hoje o STF não pode mais nem sequer reduzir
a dois dias o prazo da lei, pois agora a matéria compete só ao
Congresso.
O STJ, por exemplo, que foi criado pela Constituição de 1988, editou seu
regimento interno e copiou o prazo de embargos de declaração do
regimento interno doSTF, definindo que seria de cinco dias, não
importando se em matéria civil ou criminal. Mas os ministros do STJ
perceberam que não podiam fazer isso em matéria criminal, e, em 1994, o
STJ emitiu emenda regimental dizendo que os embargos de declaração
teriam prazo de cinco dias em matéria civil, mas em matéria criminal o
prazo é de apenas dois dias, conforme prescreve o Código de Processo
Penal.
A norma regimental, fundada no artigo 333 inciso 1 do regimento interno
do Supremo, que prevê a possibilidade dos embargos infringentes, foi
recebida pela atual Constituição com força de lei, por isso só através
de leis pode ser revogada, ou expressamente, como já aconteceu com a lei
que disciplina o julgamento das Adin, ou tacitamente, como parece ser o
caso.
A Lei 8.038 disciplina, sim, juridicamente ordem processual das ações
penais originárias tanto do STF quanto do STJ, e não previu
recorribilidade às decisões de única instância dos tribunais superiores,
em matéria penal. E, não o tendo feito, na interpretação que hoje
parece ser majoritária no plenário do STF, a disposição regimental
constante do art. 333, I, cai por terra, revogada nos termos do § 1º, do
art. 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: "A lei
posterior revoga a anterior (...) quando regule inteiramente a matéria
de que tratava a lei anterior".
Postado há 2 hours ago por Blog Justiceira de Esquerda
Ainda do Blog Justiceira de Esquerda.
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