sábado, 30 de outubro de 2010

VAI SERRA! SER DROIT NA VIDA

sábado, 30 de outubro de 2010

Venho querendo escrever este post faz tempo, mas falta tempo. E é hoje ou nunca, já que amanhã (até que enfim!) é a eleição e o assunto já estará velho. É sobre privatizações. Sei que é só mencionar esta tão temida palavra pros tucanos vestirem boné e camiseta de “I love Petrobrax” e “Banco do Brazil”. Mas antes de se fantasiarem eles sempre gritam “Terrorismo eleitoral!”. Pois é, a gente sugerir que eles vão privatizar tudinho se Serra for eleito (toc toc, cruz credo te esconjuro) é terrorismo, só porque o governo FHC, do qual ele fez parte, vendeu a toque de caixa um monte de estatais, e o governo paulista, nas mãos deles há 16 anos, também. E é só perguntar se eles vão acabar com o Bolsa-Família (porque, afinal, tem uns cinco anos ininterruptos que eles vêm falando mal do programa) pra eles chamarem os policiais com cassetetes e apontarem: “Aquela lá, seu guarda! Tá praticando terrorismo eleitoral!”. De onde se vê que qualquer tema incômodo pra eles é terrorismo eleitoral. E foi por isso que eles preferem falar de aborto, pra não ter que explicar seu posicionamento nesses temas.
Mas sabe o que definitivamente não é terrorismo eleitoral? A Regina Duarte ir pra TV dizer “Eu tenho medo” em 2002. O pessoal inventar que o PT vai invadir sua casa e separar um dos quartos pro partido. Ou espalhar que os militares não deixarão aqueles comunas governarem. Isso não é terrorismo, pois é baseado em ideias concretas e racionais.
Esses dia
s vi este vídeo, que certamente não é terrorismo eleitoral. Ele simplesmente diz que, se Dilma vencer (e vai vencer, gente!), será o fim do mundo como o conhecemos. O vídeo tá muito bem feito e é coisa de profissionais, não de militantes tucanos, se é que me entendem. A trama conta que Dilma, assim que eleita, não fará outra coisa além de perseguir Serra, quebrando seu sigilo fiscal e, provavelmente, jogando bolinha de papel nele. Serra volta a se exilar — nos EUA, que chega desses países de terceiro mundo. Acho um pouco estranho que até num cenário fantasioso o Serra fuja com o rabinho entre as pernas, mas o vídeo não é meu. O pau continua comendo no Brasil, com Dilma quebrando o país e fechando todos os meios de comunicação, esses bastiões da democracia. Ela também briga com Lula. Meu momento favorito em todo o vídeo é quando Serra volta, pra felicidade geral da nação, e FHC e Lula vão recepcioná-lo no aeroporto! E aí o vídeo diz que Michel Temer assume, mas sugere que é Serra que se torna presidente, porque quem precisa de eleições, não é mesmo? Democracia é o que vimos em Honduras!
Desculpas pra quem não tem senso de humor, mas o vídeo rivaliza com a série do “Voto em Serra pq” e na montagem da Globo no caso bolinhagate como o momento que mais me fez rir neste segundo turno.
Mas, privatizações. Primeiro que não acredito nem um tiquinho nas notícias que circularam por aí faz uns dias, sobre uma reunião a sete chaves entre FHC e investidores estrangeiros. Nessa reunião, FHC supostamente diz que, com Serra ganhando, eles vão promover uma grande liquidação de estatais, e que é agora ou nunca, amanhã não tem mais, freguês. Não duvido que FHC já tenha dito essas palavras a investidores estrangeiros várias vezes em sua vida, mas gente, ele não falaria isso alguns dias antes das eleições! Vamos deixar a ficção científica pro lado de lá, que eles são ótimos nisso.
Então, por que as privatizações são um assunto importante? Porque elas representam um projeto de governo que foi rechaçado não só aqui, mas em toda a América do Sul. Recomendo fortemente que vocês vejam Memórias do Saque, pra entender o que aconteceu na Argentina e o que tentaram fazer aqui. Nada disso é invenção. Um blogueiro vasculhou fontes "seguras", como a Veja, uma das maiores entusiastas das privatizações (assim como toda a mídia), e encontrou inúmeras matérias. Uns exemplos:

- Na Veja de 30/05/95, FHC diz ao ministro José Serra: “É preciso dizer sempre que este governo não retarda privatização, não é contra nenhuma privatização e vai vender tudo o que der pra vender”.
- Na mesma matéria: “O ministro José Serra anunciou um ritmo mais veloz na venda de estatais e incluiu as empresas de geração de energia elétrica na lista de privatizáveis”.
- A legenda da Veja do dia 29/5/95 diz: “O ministro José Serra comemora com a diretora do BNDES, Elena Landau, o sucesso no leilão que vendeu a empresa de energia para grupos estrangeiros por 2,2 bilhões de reais”. Tenho certeza que os estrangeiros que compraram a empresa comemoraram muito mais. Só os brasileiros não tiveram muito que comemorar, já que, cinco anos mais tarde, o Brasil entraria num colapso de energia, o famoso apagão.
- Veja em 10/95: “Serra é o responsável pela venda de estatais”.
- A Veja de 7/2/96 afirma que o governo FHC lamentou quando mais ouro foi descoberto no Pará, já que isso poderia afetar a privatização da Vale do Rio Doce (que, na época, controlava 40 empresas e faturava mais de 2 bilhões de dólares por ano). O ministro do Planejamento Serra tranquilizou os interessados na ocasião: “A descoberta dessa mina não altera em nada o processo de privatização. Só o preço, que poderá ser maior”. Quando a Vale foi privatizada, em três meses ela lucrou o que custou. Levanta a mão quem queria ter comprado a Vale por uma pechincha!
- Neste vídeo, numa entrevista entre amigos, FHC diz que Serra foi o privatista mais entusiasmado: “O Serra foi um dos que mais lutou a favor da privatização da Vale. Digo isso porque muita gente diz, Ah, o Serra, é estatizante, entendeu? Não. E da Light também. O Serra.”
- E isso aqui não tem a ver diretamente com privatizações, mas mostra as mentiras do Serra. É de uma entrevista de 2002 do então governador de Minas, Itamar Franco: “Serra nunca apoiou o Plano Real. Posso dizer porque fui presidente da República. Desde o início ele tentou bombardear o plano. [...] Se Serra fosse um homem verdadeiro, deveria defender a política deste governo [FHC], ao qual serviu por oito anos, ou dizer o que realmente pensa. [...] Ele deveria ter a decência de dizer que os genéricos surgiram no governo Itamar, não pelo Itamar, mas pelo grande ministro da Saúde que foi o Jamil Hadad”.

A única privatização que os reaças tentam defender é a das telecomunicações. Serra repetiu em vários debates que, se dependesse do PT, ainda estaríamos usando orelhão, ao invés de celular (bom, eu, que não tenho celular, espero que os orelhões continuem existindo). Mas a comparação é meio ridícula, porque naquela época, 1997, 98, mal existiam telefones celulares. É verdade que um telefone fixo custava caro e levava um tempão pra ser instalado — eu paguei R$ 1,200 pelo meu, e esperei durante um ano. Em compensação, algum tempo depois eu vendi as ações daquele telefone por R$ 1,500, e o telefone continuou sendo meu. Mas o que mais me lembro foi como disparou o valor da conta. O saudoso (pra eles) Sérgio Motta, vulgo Serjão, então ministro (morreu em abril de 98, no mesmo mês do filho do ACM), aumentou o preço da assinatura da linha, pra atrair investidores. Eu me lembro quando a assinatura custava R$ 3,86 por mês!
As privatizações são um assunto espinhoso pros tucanos porque a maior parte da população é contra (uma pesquisa do Estadão em 2007 revelou que até na privatização das telecomunicações 55% se opõe), porque foram realizadas sob fortes indícios de corrupção (nunca investigados por uma imprensa que estava — e continua — inteirinha nas mãos deles, por uma Polícia Federal que não investigava coisa nenhuma, e por um procurador mais conhecido como “engavetador geral da república”), e porque aumentaram muito as contas que pagamos por serviços básicos. A nossa internet banda larga é uma das piores e mais caras do mundo. Isso também é efeito das privatizações, que estabeleceram regras generosas pras empresas estrangeiras que ficaram com os nossos serviços.
E as privatizações tucanas também são criticadas e chamadas de "privataria" porque renderam 78 bilhões de reais, mas a dívida pública não parou de crescer. Em oito anos de FHC, eles conseguiram fazer com que nossa dívida pública, que era de 38% do PIB, subisse para 78%. E isso vendendo tudo que encontraram pela frente!
Bem, quase tudo. Não conseguiram vender o Banco do Brasil nem a Petrobrás, mas tentaram. Aquilo que o Serra disse num debate, que a mudança do nome para Petrobrax foi apenas um projeto mercadológico, é tudo mentira. O nome foi mudado, o que custou aos cofres públicos a bagatela de 50 milhões de dólares. Só que a repercussão foi tão negativa que tiveram que voltar atrás. Mas o importante não foi a mudança do nome, e sim o que ela representava: tornar a empresa mais palatável ao gosto do investidor estrangeiro. A privatização estava sendo estudada havia anos.
Repito: o que está em jogo é todo um projeto de poder que não vê problema algum em entregar nossos recursos nacionais a estrangeiros. Que vê o trabalhador como um entrave ao desenvolvimento. Que confia na boa vontade do patrão, sempre tão altruísta. Só um exemplo básico de como pensa o PSDB/DEM: nove anos atrás, eles propuseram a flexibilização das leis trabalhistas. Em bom português: acabar com 13o salário e férias (aqui no blog do fofíssimo Rogério ele entrega todos os detalhes).
O povo brasileiro pode ser conservador no sentido de ser contra a legalização do aborto e dos direitos homossexuais, mas também é contra doar nosso patrimônio pra estrangeiros. O povo adora fazer concurso público, porque é sua chance de ter um emprego que paga bem e é estável (algo que a nossa tão competente iniciativa privada não é capaz de suprir). Com Serra presidente, esses concursos vão minguar, até porque eles contratam quem eles querem sem concurso, só por indicação política (Roberto Freire e Soninha Francine que o digam).
É importante analisar a história. Por que pensar que os tucanos são diferentes agora? Eles nunca se arrependeram do que fizeram. Então é o seguinte: quem acha que nada deve ser público, que devemos pagar por todos os serviços que usamos, como saúde, educação, e segurança, sinceramente, tem mais é que votar no Serra mesmo. Mas, se você acredita que saúde e educação são direitos básicos de todo cidadão, se você já frequentou ou quer que seus filhos frequentem uma universidade pública e gratuita, de qualidade, se você algum dia pensa em fazer concurso público (para servir ao público), o projeto PSDB/DEM não é pra você. É muito simples. Mas pode chamar de terrorismo eleitoral se preferir.

(O título do post é referência a um poema do Drummond que diz "Vai Carlos! Ser gauche na vida". Como Serra não é de esquerda faz décadas, traduzi o gauche pra droit, direita).

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