Sensacional, sob todos os aspectos, a entrevista da ótima repórter Maria Cristina Fernandes, do Valor, com Dilma Rousseff. Feita com delicadeza e honestidade, descortina a austeridade com que vive uma mulher espartana. Recomendo a todos a leitura, mas dela retiro o que é explosivo.
Seleciono as frases e, a seguir, reproduzo seu contexto.
- eu não deixei o gato angorá roubar na Secretaria de Aviação Civil. Chamei o Temer e disse: ‘Ele não fica. Não fica!
- Não tenho a menor dúvida de quem é Padilha e Geddel [Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo].
- Temer é um cara frágil. Extremamente frágil. Fraco. Medroso. Completamente medroso.
- lá está Eduardo Cunha dizendo que quem roubava na Caixa Econômica Federal, no FGTS, é o Temer.
Foi na tessitura das relações com as
quais tentou permanecer no poder que a presidente reconhece seu segundo
erro: levar Michel Temer para o coração da articulação política. O então
vice-presidente percebeu a fragilidade do governo junto a uma base que
não parava de se queixar. Ao lado de Eliseu Padilha, atual
ministro-chefe da Casa Civil, à época na Aviação Civil, mapeou o cerco.
Arrepende-se de tê-lo colocado dentro do governo? “Olha, minha filha,
não sabíamos que o nível de cumplicidade dele com o Eduardo Cunha era
tão grande. Nenhum de nós sabia, nem o Lula. Depois é que descobrimos.
Ele sempre negou essa cumplicidade que agora todo mundo já sabe.”
Quando começa a falar de Temer,
Dilma, pela primeira vez ao longo de quase quatro horas de conversa,
franze o cenho, encrespa a fisionomia e libera o calão. “Saber quem eles
são, nós sabemos. Não tenho a menor dúvida de quem é Padilha e Geddel
[Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo]. Convivi sabendo
quem eram. Não tenho esse ‘caiadismo’ [de Ronaldo Caiado] de falar que
eu não sabia quem eram. Sabia direitinho. Inclusive uma parte do que sou
e da minha intolerância é porque eu sabia demais quem eles eram.”
Nesse momento, Dilma relativiza a
frase categórica sobre a extensão da faxina de seu governo: “Saber
demais não significa que você é capaz de impedir algumas coisas. Por
exemplo, o gato angorá [Moreira Franco] tem uma bronca danada de mim
porque eu não o deixei roubar, querida. É literal isso: eu não deixei o
gato angorá roubar na Secretaria de Aviação Civil. Chamei o Temer e
disse: ‘Ele não fica. Não fica!’. Porque algumas coisas são absurdas,
outras não consegui impedir. Porque para isso eu tinha de ter um nível
de ruptura mais aberto, e eu não tinha prova, não tinha certeza,
entendeu? Não acho que é relevante fazer fofoca, conversinha. Posso
contar mil coisas do Padilha e do Temer, então? Porque o Temer é isso
que está aí, querida. Não adianta toda a mídia falar que ele é
habilidoso. Temer é um cara frágil. Extremamente frágil. Fraco. Medroso.
Completamente medroso. Padilha não é. A hora em que ele [Temer] começa
assim [em pé, mostra as mãos em sentido contrário, com os dedos
apertados em forma de gancho]. É um cara que não enfrenta nada!”.
Os brownies intactos na mesinha ao
lado são indício de que a ex-presidente gerencia bem as ansiedades da
memória. Na novela da LavaJato, o capítulo preferido é o das perguntas
de Eduardo Cunha a Temer, parte das quais foram vetadas pelo juiz Sergio
Moro. “Quando li a primeira vez, lá sabia quem era José Yunes
[ex-assessor da Presidência]? Mas lá está Eduardo Cunha dizendo que
quem roubava na Caixa Econômica Federal, no FGTS, é o Temer. Leia, minha
filha. Não tenho acesso às delações, mas sei o que é um roteiro. E lá
está explícito roteiro da delação de Eduardo Cunha. Explícito. Alguém
não sabe que o Cunha está dizendo que não foi o Yunes, mas o Temer?
Leia a entrevista na íntegra, que o Valor publicou de forma aberta.
É um trabalho de alta qualidade e, sobretudo, de grande sensibilidade.
Dilma colocou na mesa apenas um das muitas cartas que tem nas mãos, como
retrato sem maquiagem dos intestinos do poder. O ataque a ela vai
mostrar muito mais do que imaginam aqueles que o promovem.
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