Podemos
talvez encontrar a origem do racismo, a partir do equívoco bíblico, de
que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Levando a idéia ao pé da
letra, nasceu a paranóia da intolerância ao outro. A imagem negra de
Deus é a de seus deuses africanos, a imagem judaica de Deus é a de um
patriarca hebreu, na figura de Jeová. Os muçulmanos não deram face a
Alá, nem veneram qualquer imagem de Maomé, mas isso não os fez mais
santos. Desde a morte de Maomé, seus descendentes e discípulos se
separaram em seitas quase inconciliáveis, que se combatem, todas elas
reclamando o legado espiritual do Profeta. Os muçulmanos, como se sabe,
reconhecem Cristo como um dos profetas.
Os
protestantes da Reforma também prescindiram de imagens sagradas, o que,
sem embargo, não os impediu de exercer intolerância e violência contra
os católicos, com sua inquisição – em tudo semelhante à de seus
adversários.
Essa idéia que
associa as diferenças étnicas e teológicas à filiação divina, tem sido a
mais perversa assassina da História. Os povos, ao eleger a face de seu
Deus, fazem dele cúmplice e protetor de crimes terríveis, como os de
genocídio. O Deus de Israel, ao longo da Bíblia, ajuda seu povo, como
Senhor dos Exércitos, a “passar pelo fio da espada” os inimigos, com
suas mulheres e seus filhos. Quando Cortés chegou ao México, incitou os
seus soldados ao invocar a Deus e a São Tiago, com a arenga célebre:
“adelante, soldados, por Dios y San Tiago”.
Quando
falta aos racistas um deus particular, eles, em sua paranóia, se
convertem em seus próprios deuses. Criam seus mitos, como os alemães, na
insânia de se considerarem os mestres e senhores do mundo. Dessa
armadilha da loucura só escaparam os primitivos cristãos, mas por pouco
tempo, até Constantino. A Igreja, a partir de então, se associou aos
interesses dos grandes do mundo, e fez uma leitura oportunista dos
Evangelhos.
A partir do movimento
europeu de contenção dos invasores muçulmanos e do fanatismo das
cruzadas, a cruz, símbolo do sacrifício e da universalidade do homem, se
converteu em estandarte da intolerância. Nos tempos modernos, o símbolo
se fechou – com a angulação dos braços, no retorno à cruz gamada dos
arianos – em sinal definitivo e radical da bestialidade do racismo
germânico sob Hitler.
Os fatos
dos últimos dias e horas são dramática advertência da intolerância, e
devem ser vistos em suas contradições dialéticas. O jovem francês que
mata crianças judias e soldados franceses de origem muçulmana, como ele
mesmo, é o resultado dessa diabólica cultura do ódio de nosso tempo aos
que diferem de nós, na face e nas crenças. É um tropeço da razão
considerar todos os muçulmanos terroristas da Al-Qaeda, como classificar
todos os judeus como sionistas e todos alemães como nazistas. Ser
muçulmano é professar a fé no Islã – e há muçulmanos de direita, de
esquerda ou de centro.
Merah, se
foi ele mesmo o assassino, matou cidadãos do moderno Estado de Israel,
como eram as vítimas da escola de Toulouse, mas também muçulmanos do
Norte da África, como ele mesmo. Os fatos são ainda nebulosos, e os
franceses de bom senso ainda duvidam das versões oficiais, como
constatou Teh Guardian em matéria sobre o assunto.
Em
El Cajon, nas proximidades de San Diego, na Califórnia – uma comunidade
em que 40% de seus habitantes é constituída de imigrantes do Iraque,
uma senhora iraquiana, que morava nos Estados Unidos há 19 anos, foi
brutalmente assassinada, com o recado de que, sendo terrorista, depois
de morta deveria voltar para o seu país. O marido, também iraquiano, é,
por ironia da circunstância, empregado de uma firma que assessora o
Pentágono na preparação psicológica dos militares que servem no Oriente
Médio. E também nos Estados Unidos, na Flórida, um vigilante de origem
hispânica (embora com o sobrenome significativo de Zimmermann, bem
germânico) matou, há um mês, um jovem de 17 anos, Travyon Martin,
provocando a revolta e os protestos da comunidade negra.
Em
Israel, o governo continua espoliando os palestinos de suas terras e
casas e instalando novos assentamentos para uso exclusivo dos judeus. O
governo de Telavive não reconheceu a admoestação da ONU de que isso
viola os direitos humanos essenciais. Os Estados Unidos votaram contra a
advertência internacional a Israel. Como se vê os direitos humanos só
são lembrados, quando servem para dissimular os reais interesses de
Washington e de seus aliados e dar pretexto à agressão a países
produtores de petróleo e de outras riquezas, como ocorreu com o Iraque, a
Líbia e o Afeganistão.
Os
episódios de intolerância se multiplicam em todos os países do mundo – e
mesmo entre nós. No Distrito Federal, segundo revelações da polícia, um
grupo de neonazistas mantinha célula terrorista há cerca de trinta
anos, associada a outros extremistas de todo o país. Na madrugada de 28
de fevereiro deste ano, em Curitiba, vinte jovens neonazistas
assassinaram um rapaz de 16 anos, a socos, pontapés e facadas. O
principal executor, um estudante de direito, foi escolhido para cumprir
ritual de entrada no grupo, como prova de coragem. A coragem de matar um
menino desarmado. Também em Curitiba e em Brasília foram presos dois
racistas, que usavam a internet para expor as suas idéias fascistas e
incitar a violência contra ativistas femininas, homossexuais, negros e
nordestinos.
Enquanto não
aceitarmos a face morena de Jesus, como a mais próxima da face do Deus –
criada para dar transcendência ao mistério da vida – o deus que
continuará a dominar a nossa alma será Tanatos, o senhor da morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário