Nos anos 90, quando a América Latina estava no chão, os espanhóis
fizeram a feira por aqui; hoje, eles são alvo da desconfiança
internacional, pedem socorro e usam suas filiais, como no caso do
Santander e da Telefônica, para socorrer as matrizes; é hora de rever a
desestatização?
Alguns meses atrás, quando retomou o controle da petroleira Repsol, a
presidente argentina Cristina Kirchner foi alvo de uma avalanche de
críticas. Estaria quebrando contratos e arriscava levar seu país ao
precipício, diziam seus detratores. O governo argentino, por sua vez,
argumentava que a Repsol, agora YPF, havia perdido a capacidade de
investir num setor estratégico da economia, que é a energia.
Hoje, por mais que se tente atenuar ou maquiar a realidade espanhola,
não há meio termo. O país, simplesmente, quebrou. Nesta quinta-feira,
por exemplo, a agência de risco Fitch rebaixou o país em três níveis e
ainda o colocou em viés negativo – a classificação espanhola é próxima à
de países em condição de moratória.
Diante do caos, a Alemanha, de Ângela Merkel, prometeu agir, assim como o
Fundo Monetário Internacional, que estima em 90 bilhões de euros a
necessidade de capitalização dos bancos espanhóis, que sofrem com a
bolha imobiliária. Desempregados ou afetados pela crise, os espanhóis
simplesmente não conseguem honrar suas hipotecas.
Essa Espanha de hoje é completamente daquela que, nos anos 90, fez a
feira na América Latina. Nos processos de privatização do continente, os
espanhóis foram os grandes compradores. O Santander levou o Banespa, a
Telefônica adquiriu a Telesp e, mais recentemente, a Vivo, enquanto a
Iberdrola levou vários ativos na área de energia.
Esta última empresa, que era sócia da Neoenergia, já fez as malas e
anunciou sua intenção de ir embora do País. O Santander, que fez um IPO
no Brasil prometendo usar os recursos em investimentos na sua rede
nacional, drenou recursos para a Espanha e, na semana passada,
apresentou uma proposta indecente à presidente Dilma: a de que o Banco
do Brasil, controlado pelo Tesouro Nacional, compre 10% do banco e se
torne sócio da crise imobiliária espanhola.
Nada, no entanto, foi tão esdrúxulo quanto o pedido feito pela
Telefônica. Cesar Alierta, presidente mundial da companhia, quer que o
governo brasileiro facilite a entrada de espanhóis, uma vez que a
empresa precisa cortar 6 mil empregos em sua matriz. A alegação é de que
seria mão de obra qualificada, não encontrável no Brasil.
Erros da privatização?
Na privatização das telecomunicações, em 1998, havia uma corrente que
defendia o controle nacional do setor. Prevaleceu o argumento de que
isso não era “moderno” e o Brasil permitiu que ativos importantes
passassem a ser controlados por italianos, espanhóis e mexicanos. Hoje, o
Brasil tem um dos sistemas de telefonia mais caros e ineficientes do
mundo. Há monopólios privados na telefonia fixa, o sinal das empresas de
telefonia celular é cada vez pior e a chamada banda larga é de má
qualidade e não chega a toda a população.
Prova inconteste de que aqueles que fizeram a feira na privatização
talvez não estejam mais tão dispostos a investir. Não é chegada a hora
de buscar um novo modelo?
No 247
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