Combalida política e economicamente, por uma crise que se aprofunda a
cada dia, também do ponto de vista social – e pela erosão de sua
credibilidade internacional – a Espanha e sua diplomacia parecem não ter
aprendido nada com as dolorosas lições dos últimos anos.
De passagem por Brasília, aonde vem oferecer, segundo a imprensa
ibérica, onze anos depois de sua última visita ao nosso país, uma
“aliança política e econômica sem precedentes”, o Rei Juan Carlos tem
como destino final na América do Sul, o observatório chileno de Cerro
Paranal, a fim de agregar-se, como “observador”, no dia 6 de junho, à
cúpula presidencial da Aliança do Pacífico.
Essa, para quem não conhece, é uma organização patrocinada pelo México e
pela Espanha, que nasce com o claro objetivo de se contrapor à
ampliação da presença brasileira na América do Sul, e que reúne, além do
México, o Chile, o Peru e a Colômbia.
Com a Aliança do Pacífico, a Espanha, que não pode participar de
reuniões do Mercosul, da Unasul e da Celac, nem mesmo como observadora,
contaria – depois do rotundo fracasso de suas cúpulas
“ibero-americanas”- com novo instrumento para imiscuir-se nos assuntos
do nosso continente.
O outro aliado com que contam os espanhóis nesse processo de tentar
promover a divisão sul-americana, é o Paraguai, país tradicionalmente
pendular em suas relações externas, que joga para beneficiar-se da ajuda
ora do Brasil, ora da Argentina, ora da Espanha, dependendo do momento e
das circunstâncias.
Não foi por outro motivo que o Paraguai aceitou promover a fracassada
cúpula “ibero-americana” de Assunção, em novembro do ano passado, que
terminou com a ausência dos países mais importantes da região, mas
contou com a presença justamente do México e do Chile, co-patrocinadores
da “Aliança do Pacífico”.
É também importante registrar, nesse contexto, a posição do parlamento
paraguaio que impede, há anos, a expansão do Mercosul, ao não ratificar a
entrada da República da Venezuela no Tratado, já aprovada pelos outros
membros do bloco.
A diplomacia brasileira, com a chegada do Rei Juan Carlos a Brasília
nesta segunda-feira – data em que ocorrerá, em Madri, reunião “técnica”
para discutir a questão da expulsão de brasileiros dos aeroportos
espanhóis nos últimos anos – tem excelente oportunidade para deixar
claro que não concorda com a interferência externa no espaço
sul-americano.
Com relação ao Paraguai, qualquer concessão do grupo, no futuro, poderia
ser negociada – em todas as instâncias, incluída a parlamentar – de
forma a obter rápida aprovação à entrada da República da Venezuela no
Tratado do Mercosul. Enquanto isso, nada impede que o Uruguai, a
Argentina e o Brasil possam negociar acordos bilaterais de livre
comércio com Caracas.
É difícil, tendo em vista a formação histórica de nossos países, que a
tentativa de divisionismo entre o Brasil e os países ocidentais do
continente tenha êxito. O México sempre foi uma realidade à parte, menos
durante o governo nacionalista de Cárdenas, quando seus atos o incluíam
na mesma ordem de pensamento de Getúlio Vargas. Como se recorda,
Cárdenas nacionalizou o petróleo em 1938, sem que os Estados Unidos, já
em preparação para a guerra, tomasse qualquer medida de retaliação. Nos
últimos trinta anos, no entanto, os governos do México têm sido fiéis
vassalos dos Estados Unidos e é, sem dúvida, a serviço de Washington,
que sua diplomacia atua ao lado do Chile e de Madri.
Há razões ainda mais antigas que tornam difícil essa aliança da Costa do
Pacífico. O povo peruano não se esquece, até hoje, da ocupação de Lima
pelas forças chilenas, em janeiro de 1881, na Guerra do Pacífico, que
lhe custou a amputação de parte de seu território (a Província de Tacna)
por 50 anos, só recuperada depois de imensos sacrifícios e desgastantes
negociações diplomáticas.
A Bolívia sofreu ainda mais com os chilenos: todo o litoral do Pacífico
que lhe pertencia (a rica e extensa província de Antofagasta) foi
anexado, e La Paz perdeu seu acesso ao oceano. Esse conflito – provocado
pelos interesses ingleses e norte-americanos – não foi completamente
superado, e é uma lição de como os estranhos, com suas intrigas, causam
as tragédias ao fomentar as guerras entre vizinhos.
Essa mesma interferência estrangeira – no caso, das empresas
petrolíferas americanas e inglesas – provocou a carnificina da Guerra do
Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai, nos anos 30 do século passado.
O México rompeu relações com a Espanha e dela esteve distanciado até o
fim do franquismo. Hoje, apesar da submissão de sua política externa aos
Estados Unidos, grande parte da opinião pública mexicana rejeita
aproximação maior com Madri.
Não há qualquer razão para que a Espanha de Juan Carlos, que vem
sacrificando seu grande povo, em favor dos exploradores de sempre (hoje
reunidos na globalização do neoliberalismo), venha a se meter no
encontro de Cerro Paranal.
Isso só se explica pela desesperada busca de apoio internacional, no
momento em que sua economia e suas instituições (sobretudo a monarquia)
entram em acelerado declínio de credibilidade interna.
Com suas grandes empresas e bancos endividados (só a Telefónica, que
atua no Brasil com a marca Vivo, deve mais de US$ 100 bilhões), reduz-se
o prestígio internacional do governo e da monarquia espanhola. O Rei – é
o que se diz na imprensa espanhola – vem nos propor “relações políticas
e econômicas sem precedentes”. Em lugar de relações novas e
excepcionais, os brasileiros querem, no mínimo, ser tratados com
respeito em território espanhol, quando viajarem à Europa.
A cortesia diplomática recomenda que recebamos bem o Rei – em nome do
respeito ao povo espanhol – mas os nossos interesses no mundo recomendam
que não nos comprometamos com um governo que está arrochando seu povo
com medidas econômicas draconianas, enquanto os ricos continuam
saqueando os trabalhadores e retirando seus capitais do país.
A queda da popularidade de Piñera no Chile, a aproximação crescente do
Brasil com a Colômbia, e a iminência de um governo de esquerda no
México, retiram da monarquia espanhola espaço para suas manobras
diplomáticas em nossa região.
Será melhor que o Brasil, como agiu quando da reunião anterior, no
Paraguai, se ausente do próximo encontro de Chefes de Estado dos paises
“ibero-americanos”, previsto para realizar-se na cidade de Cadiz, na
Espanha, em novembro deste ano. Para discutir o futuro dos nossos países
contamos com a Unasul e o Conselho de Defesa Sul-americano, e, no
contexto do espaço ampliado da América Latina, com a Celac. Nós, e
nossos vizinhos, não temos nada a fazer do outro lado do Atlântico,
assim como a elite neocolonial de nossas antigas metrópoles não têm nada
a fazer, institucionalmente, do lado de cá do oceano.
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