por Conceição Lemes
Em entrevistas concedidas nos últimos dias, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes:
1. Disse que nunca voou em avião do bicheiro Carlinhos Cachoeira, mas que por duas vezes viajou em aeronaves cedidas pelo senador Demóstenes Torres (sem partido-GO).
As duas viagens, segundo Mendes, foram de Brasília para Goiânia e
realizadas em aviões de uma empresa de táxi-aéreo chamada Voar. Mendes
afirmou ter viajado para participar de um jantar e de uma formatura, em
2010 e 2011.
2. Apresentou documentos que mostram que ele esteve na Europa entre 12 e 25 de abril.
3. Garantiu que não pegou carona de avião de São Paulo para Brasília
com Demóstenes Torres, com quem se encontrou em Berlim e voltou para o
Brasil.
Ligações de 14 a 25 de abril de 2011, interceptadas pela Polícia
Federal na Operação Monte Carlo, revelam que Cachoeira não só estava a
par da agenda de Demóstenes no exterior como lhe providenciou avião de
São Paulo para Brasília, quando retornou ao Brasil.
14 de abril: o próprio senador avisa Cachoeira que vai viajar e passa o número de telefone que vai usar.
18 de abril: Wladimir Garcez comunica Cachoeira que Demóstenes já estava em Berlim.
23 de abril: Foram três ligações à noite entre Wladimir Garcez e
Cachoeira para tratar do avião para Demóstenes Torres. Primeiro,
Wladimir pede autorização à Cachoeira para buscar o “Professor” (um dos
codinomes de Demóstenes, segundo a PF), em São Paulo, no jatinho de
alguém chamado Ataíde. Diz que está ele e Gilmar. Na degravação, a PF
questiona entre parênteses (“?Mendes?”).
Depois, Wladimir diz a Cachoeira que não conseguiu falar com Ataíde e que mandaria o avião de Rossini, um jatinho King Air.
Por fim, Wladimir informa Cachoeira que já avisou piloto para pegar Demóstenes na segunda-feira, 25 de abril.
25 de abril: Wladimir comunica Cachoeira que Demóstenes já chegou.
Wladimir Garcez, também preso na Operação Monte
Carlo, foi assessor de Cachoeira, diretor da Delta no Centro-Oeste,
ex-vereador (PSDB-GO) e ex-presidente da Câmara de Vereadores de
Goiânia.
Ataíde é Ataídes de Oliveira (PSDB-TO), 1º suplente
do senador João Ribeiro, do Partido da República (PR-TO), empresário do
ramo de construção civil, amigo de infância e ex-vizinho de Carlinhos
Cachoeira. Foi incluído pela Polícia Federal (PF) na lista de políticos
ligados ao bicheiro.
Ataídes é, ainda, o dono da Cielo Táxi Aéreo,
empresa de Anápolis, terra de Carlinhos Cachoeira. Segundo informação
prestada à Justiça Eleitoral, detém 80% das ações da Cielo Táxi Aéreo,
cujo capital social é de R$ 5,9 milhões.
Rossini é o empresário Rossine Aires Guimarães,
apontado nas investigações da Operação Monte Carlo como uma espécie de
sócio de Carlinhos Cachoeira. Também é sócio majoritário da Ideal
Segurança, comprada pelo delegado da Polícia Federal Deuselino
Valadares, um dos denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por
envolvimento com Cachoeira.
Segundo inquérito do MPF e da PF, a Ideal seria usada para lavagem de
dinheiro da máfia dos caça-níqueis. O empresário assumiu a maioria
acionária da Ideal no ano passado. É dele o avião King Air, que
transportou Demóstenes Torres de São Paulo a Brasília.
E a Voar? Ela foi citada por Gilmar Mendes como tendo a sido a empresa de táxi-aéreo que o levou a Goiânia em 2010 e 2011.
Segundo ofício encaminhado pela Voar à Comissão de Ética do Senado, a
empresa jamais prestou serviço de táxi-aéreo a Demóstenes Torres e a
qualquer outra pessoa, pois ainda não tem autorização para exploração do
serviço de táxi-aéreo. Resumo dele foi lido pelo senador Antonio
Carlos Valadares (PSB-SE), presidente da Comissão de Ética, nos minutos
finais da sessão que ouviu o depoimento de Demóstenes Torres, na
terça-feira 29.
Nós contatamos a Voar, em Goiânia. A atendente informou que a empresa
não faz o serviço de táxi-aéreo, mas forneceu o telefone de Rogério
Mendonça (chamou-o de Rogerinho), que poderia nos indicar nomes que
atuam na área. A Voar faz manutenção de aeronaves e hangaragem.
Assim, já que a Voar contradiz a informação de Gilmar Mendes, afinal,
sob que asas o ministro do STF voou de Brasília a Goiânia em 2010 e
2011?
Teria sido a bordo de alguma aeronave “hangarada” nos pátios da Voar? Quem seria o seu dono?
Considerando que, em se tratando de avião, Demóstenes recorria aos
préstimos de Cachoeira, será que Gilmar viajou numa das aeronaves da
Cielo, do Ataídes de Oliveira, ou no King Air, do Rossine, ligados ao
esquema do bicheiro?
Ou será ainda pela Sete Táxi Aéreo?
Em conversa interceptada pela Polícia Federal, em 2009, Demóstenes
pede que a Cachoeira pague uma fatura da empresa Sete: “Por falar
nisso, tem que pagar aquele trem do Voar. Do Voar, não, da Sete, né?”
Cachoeira concorda: “Tá, tu me fala aí. Eu falo com o… com o Vilnei. Quanto foi lá?” Demóstenes informa: “R$ 3 mil”.
Independentemente de ter sido pela Cielo, Sete, Voar ou no King Air,
quem pagou a conta da aeronave na qual Gilmar Mendes viajou de Brasília
para Goiânia? Terá sido o próprio senador? Ou o bicheiro?
Considerando que, “por economia”, Demóstenes disse que usava o Nextel
do Cachoeira, por que pagaria o aluguel do avião que levou Gilmar a
Goiânia? Seria uma mão lavando a outra?
Considerando que Gilmar Mendes tinha o mesmo “personal-araponga” de
Cachoeira, o Jairo Martins, como não sabia das “vinculações” de
Demóstenes Torres com o bicheiro?
Considerando que a CPI do Cachoeira é para apurar as relações entre
as instituições públicas e a organização criminosa comandada pelo
bicheiro, seria possível oficiar a Cielo, Sete e o dono do King Air,
para saber quem, nos últimos três anos, viajou nas suas aeronaves? Foi
para onde e quando?
A propósito. A viagem que Gilmar Mendes ganhou de Demóstenes em
2010 terá sido para assistir à formatura de Marconi Perillo e da esposa
Valéria?
Em 2007, a Faculdade Alves Faria, em Goiânia, montou uma turma
especial no curso de Direito com apenas dois alunos: o então senador
Perillo e sua esposa. O Ministério Público Federal em Goiás (MPF)
ajuizou ação civil pública contra eles por concessão de tratamento
privilegiado a agente político.
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