Os advogados que até agora atuaram no julgamento do mensalão não merecem
menos aplauso e defesa do que têm recebido, com fartura, o
procurador-geral e acusador Roberto Gurgel. Não bastando que sua tarefa
seja mais árdua, os defensores são alvos, digamos, de uma má vontade bem
refletida na imprensa, por se contraporem à animosidade da opinião
pública contra os seus clientes.
Ainda que não assegurem, necessariamente, a inocência de tal ou qual
acusado, numerosas contestações pareceram muito mais convincentes, em
pontos importantes, do que as respectivas acusações.
Na maioria desses casos, a defesa se mostrou mais apoiada do que a
acusação em testemunhos e depoimentos tomados pelo inquérito, assim como
em documentos e fatos provados ou comprováveis.
Com isso, outros pontos importantes da acusação estão ainda mais em
aberto. É o caso, crucial, do mensalão como múltiplos pagamentos para
assegurar votos ao governo na Câmara ou como dinheiro para gastos de
campanha eleitoral.
A acusação não comprova a correspondência entre as quantias entregues a
deputados e os votos na Câmara. Nem, sobretudo, a relação entre os
pagamentos com valores tão diferentes e os votos que teriam o mesmo peso
na contagem.
Não fica resolvida também, na acusação, a afirmada finalidade de compra
de votos na Câmara e o dinheiro dado, por exemplo, aos leais deputados
petistas Professor Luizinho e João Paulo Cunha, entre outros bem
comportados aliados do governo também agraciados.
E houve, ainda, dinheiro destinado a seções partidárias estaduais, que nada tinham a ver com votações de interesse federal.
A afirmação de compra de votos, sustentada pelo procurador-geral Roberto
Gurgel, foi tomada à CPI dos Correios por seu antecessor, Antonio
Fernando de Souza, para formular a denúncia ao Supremo Tribunal Federal,
há cinco anos.
A afirmação prevaleceu na CPI, porém, por conveniência política da
oposição, e não porque os fatos apurados a comprovassem. Acertos de
campanha eram muito mais coerentes com o constatado pela CPI. E já
figuravam nas acusações de Roberto Jefferson, quando admitiu também
haver recebido do PT, para o PTB e para candidatos petebistas.
Outro exemplo de afirmação fundamental e em aberto, porque construída de
palavras e não de comprovações, está na acusação agora apresentada por
Roberto Gurgel ao STF: "Foi José Dirceu quem idealizou o sistema ilícito
de formação da base parlamentar de apoio ao governo mediante pagamento
de vantagens indevidas" - e segue.
Seriam indispensáveis a indicação de como o procurador-geral soube da
autoria e a comprovação de que José Dirceu "idealizou" o "sistema
ilícito". Não só por se tratar de acusação com gravidade extrema.
Ocorre que o "sistema ilícito" foi aplicado já em 1998 por Marcos
Valério, com suas agências de publicidade, e pelo Banco Rural para a
frustrada reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas. Foi o
chamado "mensalão do PSDB", descrito pela repórter Daniela Pinheiro,
como já indicado aqui, na revista "piauí" deste mês.
Logo, para dar fundamento às palavras do procurador-geral Roberto
Gurgel, só admitindo-se que José Dirceu "idealizou" tudo uns cinco anos
antes do mensalão do PT. E, melhor ainda, que "idealizou" o "sistema
ilícito" para beneficiar o PSDB de Eduardo Azeredo, hoje senador ainda
peessedebista.
Os votos dos ministros do Supremo não suscitam expectativa só por
carregarem consigo a absolvição e a condenação, mas pela maneira como
encarem as divergências perturbadoras entre acusação e defesas.
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