São dois Ministros iguais entre si: Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.
Nenhum dos dois veio da magistratura. Ambos têm gênio forte -
característica que, quando controlada, não é defeito. Mas ambos são
donos de uma vaidade absurda, de uma virulência que destoa completamente
do que se espera de uma alta corte, ao colocar o cargo como instrumento
de auto-afirmação pessoal.
Gilmar é capaz de alternar grandes momentos, em defesa de garantias
individuais, com um egocentrismo desvairado, como se observou no
episódio da Satiagraha, no qual aceitou sem nenhum pudor o papel que lhe
foi conferido pela mídia na defesa de Daniel Dantas.
Barbosa é capaz de investir contra companheiros truculentos - quando
sai como herói - ou esbravejar contra Ministros educados. É
emocionalmente desequilibrado, sem compostura, assim como Gilmar.
Ambos não pensam o Supremo como instituição, mas como meio de
satisfazer a egos alucinados e passar à opinião pública a impressão de
que sentenças são muito mais frutos de idiossincrasias e egos feridos do
que do respeito severo e ponderado às leis.
Neste final de semana, uma colunista adiantou que Gilmar Mendes
pautará seu voto para reagir às críticas que recebe da blogosfera. Chute
ou verdade (provavelmente foi uma maldade da colunista contra um
blogueiro seu desafeto), é comprovação da imagem que o Supremo projeta,
devido à postura de Gilmar.
No artigo abaixo, um especialista analisa o ato insólito de Joaquim
Barbosa, de ocupar parte do discurso da relatoria para reagir a críticas
pessoais contra ele.
Luis Nassif
Fatiamento expõe a Suprema Corte
Neste espaço já me referi às possíveis mazelas da transmissão ao vivo e
em HD do julgamento do mensaleiros, e os dois primeiros dias de leitura
de votos no Plenário do STF têm, em minha visão, confirmado os tais
efeitos deletérios. O tal julgamento 'fatiado' como cuidadosamente
adjetivou o atual presidente da Corte, acabou por evidenciar algumas
fragilidades institucionais cuja revelação pública, creio, não ocorre em
benefício de todo o País.
Deve-se começar ressaltando o que fiz em outra oportunidade: a
transparência da Justiça é valor a ser perseguido como ideal sempre, mas
sua exposição - que não é o mesmo - traz alguns riscos que, ainda que
melhor avaliados pelos profissionais de comunicação, merecem comentário
jurídico-político. Porque, enquanto se espera sempre uma Justiça
acessível, compreensível e sóbria, as imagens dos julgamentos, repetidas
nos noticiários e na internet, podem induzir a aparência de
vulnerabilidade que a ninguém interessa.
Infelizmente não posso deixar de aludir ao caso concreto: o ministro
relator do mensalão, que ali tem de desempenhar o papel de condutor e
protagonista, tomou grande parte do seu voto em preliminar para
descrever o que um par de advogados havia dito sobre ele mesmo. E, ao
fazê-lo, transpareceu um subjetivismo excessivo, que confirmo com esta
constatação: se uma das funções do voto do relator é selecionar das
cinquenta mil páginas dos autos o que há de principal, a ação de relatar
longamente as afirmações dos advogados em relação a si próprio, ainda
que em uma matéria a ser votada, significa enfatizar interesse pessoal,
valendo-se da posição de narrador do caso que a relatoria lhe confere.
Seria momento de perguntar se agiria igualmente, se as mesmas ofensas
fossem prolatadas a outro colega que não lhe fosse tão simpático.
Voltando aos fatos, a interrupção reiterada do ministro-relator na fala
dos seus próprios pares, quando notava que estes não compartilhavam de
seu grau de ofensa pela suspeição levantada pela advocacia, reforça a
distorção que quero destacar.
Esse grau de auto-protagonismo pode ser, dito sem qualquer sarcasmo, um
indicador de humildade. Porque, ao se sentir atingido com uma afirmação
lançada ao processo como exercício do direito de defesa, o ministro dá
mostras de que não se convenceu ainda de que sua figura está acima, e
muito, de tal espécie de ataque. Daí não ser uma afirmação conservadora
dizer-se que há, naquele Tribunal, que se manter uma aura de
representatividade de Estado, que os diplomatas bem conhecem, ainda
quando o entorno é tenso e instável.
No contexto de homens detentores de gigantesco poder (há quem fale em
suprademocracia controlada pelo Judiciário, o que não compartilho),
episódios assim não se restringem, portanto, à livre exteriorização da
personalidade. Julgando casos economicamente mais relevantes da agenda
brasileira, a exemplo da constitucionalidade de um imposto federal, é
imprescindível criar a segurança, na opinião pública, de que tais
questões não estão à mercê de humores momentâneos: um juiz que se altera
com uma crítica lançada aos autos pode, contrario sensu, decidir
favoravelmente a uma causa por conta de um extenso elogio a ele mesmo, e
o pior: sem dar-se conta. Mas essa suscetibilidade não passa
despercebida a um argumentador profissional, que assistirá aos
julgamentos da TV Justiça como um técnico desportivo acompanha
videoteipes dos jogos anteriores do próximo adversário, identificando,
profissional e legitimamente, os flancos que se abrem. Ou seja: os
ânimos alterados são sim um instrumento de manipulação de resultado.
Em outras palavras, existe na justiça e na aplicação do Direito um
efeito difuso e simbólico, de que muitos bons teóricos já falam
abertamente. Na Suprema Corte, que nos representa a aplicação do Direito
em mais seu alto grau, a desconstrução da imagem de fria racionalidade
do momento decisório pode dinamitar um mito que, porque é mito, exerce
função estabilizadora no Estado. Por superficial que possa parecer, são
pilares das instituições.
A reflexão final é então importante: o caso do mensalão, como processo
fático, anos atrás já trincou a reputação de incorruptível do alto
Executivo de então, e agravou o descrédito do Legislativo, que, também
em seu mais elevado nível, nunca desfrutara de grande prestígio.
Espera-se que, agora travestido de ação penal, o mesmo mensalão não
afete a cúpula do Judiciário, que dispõe de todos os instrumentos para
demonstrar-nos ser o mais constante dos Poderes. Nisso, a opção pelo
julgamento segmentado, diante da novidade das transmissões ao vivo e das
idiossincrasias antigas dos seus componentes, talvez não seja a melhor
escolha.
Víctor Gabriel Rodríguez é
professor doutor de direito penal da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP/FDRP) e membro da União Brasileira de
Escritores
E-mail: victorgabrielr@hotmail.com
No Advivo
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