Mauro Santayana
Todos os povos do mundo têm seu orgulho nacional, o que os faz
supor serem melhores que os demais. Em alguns casos, ostentam seus
conhecimentos técnicos; em outros, seu talento artístico, e, nos casos
extremos, a excelência racial. Em nome dessa superioridade, reivindicam o
direito de governar os outros povos. Mas, no interior dessas sociedades
presunçosas há – felizmente – os que percebem as coisas com lucidez.
A Alemanha é um país estranho. Deu ao mundo alguns dos melhores
pensadores humanistas, ao longo dos séculos. As idéias igualitárias
encontraram ali o terreno fértil para que se desenvolvessem e
encontrassem instrumentos coletivos de transformação da sociedade. As
idéias socialistas nasceram da associação entre o pensamento filosófico,
a solidariedade e a luta dos trabalhadores contra a opressão. Ao mesmo
tempo, ali medraram o militarismo, o culto ao corpo, a fascinação pela
beleza, e o desprezo aos débeis, aos pacifistas, aos enfermos, aos
diferentes de um modo geral.
O racismo sempre existiu em todos os povos, mas na Alemanha ele conduziu à brutalidade que se conhece.
Ontem, Portugal lembrou a bela jornada da Revolução dos Cravos.
Suas razões, seus atos e seus resultados são conhecidos. Os portugueses
se livraram da carga de um colonialismo anacrônico, redigiram uma
constituição avançada, deram passos enormes rumo a um regime plenamente
democrático. A direita, no entanto, ao tomar o governo fez reverter
essas conquistas, e Portugal se entregou às razões neoliberais, além de
aliar-se a Washington, seguindo a Espanha, na ação contra o Iraque. Um
ano depois de Lisboa, era a vez de Madri – com mais dificuldades, é
certo – iniciar o processo de sepultamento do período ditatorial de
Franco.
Espanha e Portugal passam hoje por imensas dificuldades sociais.
Quase um terço dos espanhóis em idade de trabalhar estão desempregados
(27,16%). Em Portugal, a taxa é menor (17,5%), mas as dificuldades não o
são.
Os dois países executam uma política orçamentária enlouquecida, a
fim de pagar as dívidas assumidas com o sistema financeiro
internacional. Mas se a situação é grave na Península Ibérica, não é
muito melhor no continente. A Itália, que havia sido entregue a um fiel
servidor dos bancos, Mario Monti, não conseguiu superar a crise
política, e teve que se apoiar em um dos poucos homens sensatos do país,
Giorgio Napolitano. A França começa a assustar-se com o desemprego. Os
britânicos não saem das ruas, em protesto contra a mal chamada
“austeridade”.
Como lembrou o grande estadista português Mário Soares, em
entrevista reproduzida ontem neste jornal, os países podem deixar de
pagar seus débitos, se não conseguirem fazê-lo, e ninguém morre por
isso. É velho o entendimento de que, embora todos devam cumprir os
pactos, situações de força maior conduzem às renegociações necessárias.
A crise econômica européia é conseqüência das fraudes e
incompetência de alguns dos grandes bancos do mundo que se associaram
para a prática do crime organizado. Em lugar de punir os banqueiros
irresponsáveis, que devem responder com seus bens e o castigo da justiça
aos delitos cometidos, os governantes europeus, sob a arrogante
determinação de Frau Merkel, exigem os sacrifícios de seus povos, a fim
de reunir os recursos a serem pagos ao “mercado”.
A situação é dramática, com hospitais sendo fechados; a
mortalidade infantil retornando, o desespero assolando as camadas mais
débeis da sociedade, e o racismo em ascensão.
O presidente de Portugal, Cavaco Silva, embora tenha feito um
discurso dúbio, resumiu a situação de que o país está sofrendo “fadiga
de austeridade”, da mesma austeridade que todos os governantes europeus
estão impondo a seus cidadãos. Mas não deixou de exigir que Portugal
“honre seus compromissos”, ou seja, que continue a sua política de corte
de gastos sociais.
A pequena e sacrificada Grécia, submetida a um regime de fome
pelas exigências da “troica” (A Comissão Européia, o Banco Central
Europeu e o Fundo Monetário Internacional) parece decidida a reclamar da
Alemanha 126 bilhões de euros, como reparação de guerra. Durante três
anos de ocupação do país, de 1941 a 43, os alemães mataram de fome mais
de 300.000 pessoas, destruíram toda a infraestrutura do território e
obrigaram os gregos a pagar todos os gastos da ocupação. Sabemos que sua
postulação é inútil. Os alemães não tomarão conhecimento da reclamação.
E, tal como ocorreu com a Europa dos anos 30 e 40, todos procuram
apaziguar-se com Berlim. A Alemanha que, com Willy Brandt, deu provas
ao mundo de sua disposição para a paz, recorre hoje à sua superioridade
econômica a fim de avançar no velho propósito de dominar o continente. A
única esperança é a de que a outra Alemanha reaja nas urnas e volte ao
bom senso de homens como Brandt. É provável que ainda haja alguns.
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