Foi o Congresso que ameaçou o STF, ou o STF que intimidou o Congresso?
Maria Inês Nassif
Maria Inês Nassif
A reação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de
parlamentares oposicionistas à aprovação da admissibilidade da Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) de número 33, que define poder recursal
do Congresso a leis declaradas inconstitucionais pelo STF, pode ser
tirada da catalogação de fato político e inserida na lista de
manipulação de informação. Com toda certeza, os ministros que estão
reagindo desproporcionalmente a uma tramitação absolutamente trivial de
uma emenda constitucional no Congresso, e os parlamentares que entraram
com um mandato de segurança para a Câmara interromper uma tramitação de
matéria constitucional, estão fazendo uso político desses fatos. Vamos a
eles:
A emenda tramita desde 2011. Foi proposta pelo deputado Nazareno
Fontelenes (PT-PI) em 25 de maio do ano passado e encaminhada à Comissão
de Constituição e Justiça em 06 de junho. O relator da matéria é o
deputado João Campos (PSDB-GO) – um parlamentar da oposição. Não existe
hipótese de a emenda ter sido uma armação de parlamentares governistas
como uma retaliação ao Supremo, que condenou dois deputados que integram
a CCJ e, na última semana, suspendeu a tramitação de um projeto que
limita a criação de partidos no Senado. Deixando claro: os parlamentares
da CCJ não tiraram uma emenda da cartola para aborrecer o STF nesse
período em que se constrói um clima de conflito permanente entre
Congresso e STF para validar decisões questionáveis daquela corte em
assuntos de competência exclusiva do Legislativo – como a liminar dada
pelo ministro Gilmar Mendes a uma ação do PSB, suspendendo a tramitação
de uma lei no Senado, também na quarta-feira.
Aliás, o fato de José Genoíno (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) terem
se tornado personagens dessa história comprova o uso político desse
episódio. No ano passado, quando a emenda foi apresentada, Genoino
sequer tinha mandato parlamentar. Ele e Cunha apenas a votaram, como os
demais integrantes da Comissão: não pediram a palavra, não defenderam a
aprovação, nada. Apenas votaram a favor de um parecer de um parlamentar
da oposição.
A PEC estava na agenda de votação da CCJ desde o início dos trabalhos
legislativos, em fevereiro deste ano. Não foi agendada numa semana de
conflito entre Congresso e Supremo para retaliar o Poder Judiciário
simplesmente porque esperava a votação desde fevereiro.
A votação de admissibilidade de uma proposta de emenda constitucional,
ou mesmo de lei, pela CCJ, não é uma apreciação de mérito. Quando o
plenário da CCJ vota a favor da admissibilidade, não quer dizer que a
maioria da Comissão concordou que essa emenda deve se tornar uma norma
constitucional. Quando aprova a admissibilidade, a CCJ está dizendo que
aquela proposta cumpre os requisitos de constitucionalidade para
continuar a tramitação até chegar ao plenário da Câmara – onde, aí sim, o
mérito da proposta será analisado, em dois turnos, para depois cumprir
dois turnos no Senado. E apenas com três quintos do quórum de cada casa.
Isto é: o primeiro passo da tramitação da PEC 33 foi dado na
quarta-feira. Daí, dizer que o Congresso estava prestes a aprovar a
proposta para retaliar o STF só pode ser piada, ou manipulação da
informação.
Ainda assim, se uma Comissão Especial, lá na frente (se o STF não usar a
força contra o Congresso para sustar a tramitação da matéria), resolver
aprovar o mérito, e os plenários da Câmara e o Senado entenderem que é
bom para a democracia brasileira estabelecer um filtro parlamentar para
as decisões de inconstitucionalidade do STF, essa decisão apenas
cumpriria preceitos constitucionais (embora Constituição esteja numa
fase de livre interpretação pelos ministros da mais alta corte). Não
precisa ser jurista para entender que a proposta tem respaldo na
Constituição. Foi com base em dois artigos da Carta de 1988 que os
parlamentares votaram pela admissibilidade da PEC. O artigo 52, que fala
da competência exclusiva do Senado Federal, diz, em seu inciso X, que o
Senado pode “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal”. No artigo 49, determina que é da competência do Congresso
Nacional “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face
da atribuição normativa dos outros Poderes”.
Diante dessas evidências constitucionais e da história da tramitação da
PEC na Câmara, fica a pergunta: quem está ameaçando quem? É o Congresso
que investiu contra o STF, ou o contrário?
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