A regulação da mídia é um tema
“maldito” porque implica democratizá-la, torná-la plural, ampliando o
acesso a informação, permitindo o contraditório e alinhando o sistema
de comunicação aos interesses do país. Para sermos fiéis à verdade e à
história desse debate, devemos voltar 25 anos e recuperar as grandes
polêmicas em torno da mídia e das comunicações que ocorreram na
Constituinte de 1988
Os grandes grupos de comunicação temem a perda de poder, não há o mais tênue sinal de defesa da Constituição em seus editoriais |
Em novembro de 2011, o governo Dilma sancionou a Lei nº 12.527, Lei de
Acesso à Informação, que altera os prazos de sigilo de documentos e
dados guardados pelo poder público e estabelece procedimentos para
acessá-los. Durante mais de oito anos, período em que o projeto de lei
tramitou na Câmara dos Deputados, houve um intenso debate sobre a
democracia brasileira, tendo como pano de fundo a construção do consenso
de que a informação é um bem público e não pode ser nem propriedade do
Estado, nem privada. E, como bem público, é condição essencial para o
exercício da cidadania.
Hoje, ao discutir a regulamentação da mídia no Brasil, não devemos
esquecer que essa lei federal consolidou os preceitos já definidos na
Constituição e avançou no princípio democrático do caráter público da
informação. O PT foi protagonista desse processo, que foi sancionado por
um governo cuja presidenta também é petista.
Para sermos fiéis à verdade e à história desse debate, devemos voltar 25
anos e recuperar as grandes polêmicas em torno da mídia e das
comunicações que ocorreram na Constituinte de 1988. O relatório da
deputada Cristina Tavares, que já trazia o conceito de informação como
bem social, entre outros avanços, foi derrotado. O alternativo, apoiado
pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert),
foi obstruído.
Mesmo com essas limitações, uma das primeiras consequências da
Constituinte foi a revogação, na prática, da Lei de Imprensa, em vigor
desde a ditadura. Os itens aprovados pelos deputados constituintes
levaram o STF a declarar a Lei de Imprensa “incompatível com a atual
ordem constitucional”. Outras consequências foram as conquistas
registradas entre os artigos 220 e 224, da Constituição Federal,
capítulo denominado “Da Comunicação Social”.
Nele está expresso o que de mais avançado poderia ter sido pactuado na
correlação de forças daquele período. Seu primeiro ponto decreta: “A
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”. E seus parágrafos 1º e 2º
garantem definitivamente e com clareza a plena e irrestrita liberdade de
imprensa instituída. O texto constitucional afirma que nenhuma lei
conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e é
vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística.
No mesmo artigo, em seu parágrafo 3º, está registrado, de forma cristalina, a necessidade da regulamentação posterior:
“Compete à lei federal:
I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder
público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se
recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a
possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e
televisão que contrariem o disposto no artigo 221, bem como da
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente".
Portanto, identificar a necessidade de regulamentar a mídia no Brasil
como um “desejo” de censura é colocar uma cortina de fumaça no debate e
deturpar seu mérito.
Como exemplo dessa postura, citamos o editorial do jornal O Globo do
último dia 7. “A ‘regulação’ do desejo dessa militância (PT) visa a
interferir no conteúdo jornalístico – censura, a palavra certa” afirma o
texto. “Tudo é uma enorme perda de tempo”, diz ainda o jornal, pois o
que interessa discutir é “a atuação de sites controlados do exterior no
jornalismo e entretenimento; a necessidade de produção local; o papel
das telefônicas no processo de fusão de mídias, entre outros temas”,
esclarece sem disfarce algum. E, em tom ameaçador, conclui que é “inútil
e nada produtivo continuar a investir, não importa em nome de quê,
contra princípios constitucionais consolidados”.
Entretanto, além dos “princípios constitucionais consolidados” citados
anteriormente, é adequado lembrar que o parágrafo 5º do mesmo artigo 220
deixa claro que os “meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. E o artigo 221
estabelece, como princípios constitucionais, “a regionalização da
produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
estabelecidos em lei”, entre outros. Ou seja, nova exigência de
regulamentação.
Portanto, a quais “princípios constitucionais consolidados” O Globo se refere?
Na verdade, para os grandes grupos de comunicação, o “perigo” da
democratização da mídia é a perda de mercado e do poder de influência.
Não há sequer o mais tênue sinal de ânsia democrática ou defesa da
Constituição em suas declarações e editoriais.
A regulamentação é um dos temas mais amaldiçoados por setores
monopolistas da mídia, não só no Brasil, mas no mundo todo. Foi assim na
Inglaterra, México, Argentina, para ficar só nos países que
recentemente enfrentaram esse debate. É um tema “maldito” porque regular
a mídia implica democratizá-la, torná-la plural, ampliando o acesso a
informação, permitindo o contraditório e alinhando o sistema de
comunicação aos interesses do país.
Por isso, têm razão aqueles que advertem que os grandes grupos da
comunicação, movidos pelo interesse econômico, sempre irão repelir
quaisquer iniciativas que visem democratizar o “espaço” comunicativo.
Essa resistência faz parte da própria natureza econômica desses setores e
de suas tendências de contrair o mercado.
No Brasil, tenta-se interditar o debate sob a alegação, também e
cumulativamente, de que regular a mídia é intervenção no conteúdo. Aqui,
à reação monopolista, agrega-se uma intimidação deliberada, dissimulada
e cínica ao “ressuscitar tempos em que a censura fazia parte do
cotidiano do país”. Como lembra o professor Venício A. de Lima,
colunista do Observatório da Imprensa e de Teoria e Debate, “ao
contrário da Inglaterra, no Brasil não há compromisso histórico com a
liberdade de expressão. Nosso liberalismo nunca foi democrático e
prevalece uma interdição branca até mesmo do debate público das questões
ligadas à regulação do setor de mídia. Recentemente, a bandeira da
liberdade de expressão foi indevidamente apropriada pelos mesmos grupos
que apoiaram o golpe de 1964, responsável pela censura oficial que
vitimou, inclusive, seus próprios apoiadores por mais de duas décadas”.
Na verdade, se hoje o Brasil goza da mais ampla liberdade de expressão,
com uma imprensa absolutamente livre, é porque setores da mídia, que
hoje se arvoram de paladinos da liberdade e num passado não tão distante
ofereceriam favores operacionais à ditadura ou defendiam atalhos
antidemocráticos em editoriais, foram derrotados.
Nos 33 anos de PT e na década petista do governo federal não foi
promovida ou patrocinada nenhuma ação, tentativa ou qualquer outra
manifestação de tolhimento da liberdade de expressão ou de censura. Ao
contrário, o PT nasceu, se ergueu e hoje é o principal partido do país
porque lutou pela mais ampla e irrestrita liberdade.
A mídia deve ser regulamentada porque, além de ser uma necessidade
constitucional visando à sua democratização, universalização e
pluralidade, é condição essencial para dar dinamismo e colocar o Brasil
lado a lado de outras nações que já estabeleceram novos marcos para um
setor que foi atingido por uma das mais drásticas mudanças de seu padrão
tecnológico da história.
O Código Geral das Telecomunicações é de 1962, quando não havia TV em
cores, satélites nem rede nacional. Nos anos 1990, as empresas de
telefonia trabalhavam com comunicação de voz a distância. Duas décadas
depois, essas mesmas empresas são os maiores provedores de internet e
apresentam um poder de fogo dificilmente igualado por qualquer rede de
TV tradicional. Estamos vivendo uma época em que televisão, rádio,
telefonia, cinema, literatura, música, transmissão de dados,
instrumentos de navegação e uma infinidade de aplicativos que facilitam a
comunicação podem ser acessados por um mesmo aparelho que cabe na palma
da mão.
O ex-ministro da Comunicação Social Franklin Martins afirma que o
“espectro eletromagnético é um bem público, precioso e escasso, cujo
uso, diretamente pelo Estado ou por concessões a grupos privados ou
instituições públicas, tem de ser regulado, com regras claras e agências
que zelam pela sua aplicação”. É assim nos Estados Unidos, na
Grã-Bretanha, na França, na Alemanha, na Itália, na Espanha, em
Portugal, na Argentina. Em alguns países, diz ele, “há uma agência para
telecomunicações, outra para radiodifusão; em outros, há uma só. Alguns
colocam a ênfase na regulação econômica, como os Estados Unidos, que
proíbem a propriedade cruzada. Outros estabelecem regras muito
minuciosas para conteúdo, como é o caso da França e do Reino Unido. Mas
todos buscam, por um caminho ou por outro, enfrentar a questão da
monopolização e da oligopolização e defender a pluralidade, a
heterogeneidade, a democratização. É claro e necessário corrigir
distorções inaceitáveis herdadas do passado e acabar com o cipoal de
gambiarras que se formou na área: político não pode ter concessão de
rádio e TV; televisões e rádios não podem vender horários para igrejas
ou televendas – é inaceitável a subconcessão de um bem ou serviço
público, concessões não podem ser vendidas ou repassadas como se fossem
bens privados”.
Portanto, a definição de um novo marco das comunicações é necessária,
atual e deve estar subordinada aos seguintes princípios: garantia da
liberdade de imprensa e da pluralidade; respeito à privacidade; direito
de resposta e de imagem; não à discriminação de qualquer tipo;
complementaridade entre o sistema público, estatal e privado;
desconcentração e democratização da oferta; promoção da cultura nacional
e regional e estímulo à produção independente e à comunicação
comunitária; universalização do acesso; liberdade na internet; liberdade
de imprensa.
Democratizar a mídia é uma tarefa urgente e faz bem à cidadania.
José Genoino, deputado federal pelo PT-SP
No fAlha
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